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ENTREVISTA DA 2ª
JOSÉ LUIZ DATENA
Em fase política, Datena elogia Serra, mas vota em Dilma
"O Serra estaria mais preparado, mas a minha ligação com o
Lula é um
negócio muito legal. Acho que ele é um divisor de águas. Virou um Padre Cícero"
DE PROPÓSITO ou sem querer, foi para
ele que José Serra (PSDB) falou pela
primeira vez como candidato "assumido" à Presidência -momento havia
meses perseguido por todos os repórteres de política do país. De olho na mesma ribalta, Dilma
Rousseff (PT) venceu a timidez de debutante em
eleições e para ele cantou "El Día que me Quieras".
Assim, entre uma confissão e um tango, o apresentador de TV José Luiz Datena, 52, se tornou vedete
da pré-campanha. Mostrados de corpo inteiro ao
lado do robusto apresentador no estúdio do "Brasil
Urgente", atração popular do final da tarde na rede
Bandeirantes.
MARCIO AITH
DA REPORTAGEM LOCAL
Com Datena, tanto Serra como Dilma puderam praticar o
autoelogio, mas também tiveram de se enquadrar na agenda
do programa (da epidemia de
crack à violência doméstica) e,
principalmente, engolir sem
reclamar os veredictos do anfitrião -diante de Serra, Datena
frisou que Lula "é o maior presidente que o país já teve";
quando Dilma elogiou a Força
Nacional de Segurança, criada
no atual governo, ouviu que a
novidade "não resolveu nada".
Chamado a escolher um dos
dois para votar em outubro,
Datena diz que "ainda" não decidiu, mas aparentemente falta
pouco: "Acho que vou votar na
Dilma, por causa do Lula. E
acho que a Dilma tem a capacidade para governar o país". Isso
embora considere Serra "mais
preparado".
FOLHA - Quem teve a ideia de entrevistar candidatos à Presidência
num programa policial?
DATENA - Era um sonho antigo
que eu tinha, mas, na verdade,
fui procurado para entrevistá-los. Parece finalmente que os
marqueteiros de plantão pegaram as caravelas e estão fazendo o que Cabral fez em 1500.
Estão descobrindo o Brasil de
novo, como eu tenho dito e escrito por aí. Como apresentador popular, quase sempre fui
relegado a um segundo plano
nas campanhas. Um jornalista
de segunda classe. Mas os gênios se esqueciam de que quem
vota é o povo que vê a televisão,
ouve rádio e lê jornal.
FOLHA - Como é que você conseguiu tirar do Serra a admissão de
que seria candidato à Presidência?
DATENA - A assessoria dele chegou a perguntar pra mim: "você
não vai abordar política na entrevista, não é?". Eu respondi:
"O que eu vou perguntar para
ele não lhes interessa". No
meio da entrevista, ele deu uma
brecha. Era o aniversário dele, e
tinha uma criançada cantando
os parabéns. Vi que quase chorou, porque gosta do neto pra
caramba. Pensei: "nossa, o Serra chora". Ali ele abriu a guarda
e eu perguntei: "Se o sr está beijando criancinha é porque é
candidato." Ele respondeu:
"Ainda não, Datena." Eu disse:
"Ainda não? Então o senhor vai
ser candidato?" Ele: "Eu só pretendo lançar minha candidatura depois, em abril." Pronto. A
candidatura estava lançada.
FOLHA - Mas por que ele teria dito
isso ao senhor, naquele momento?
DATENA - Ninguém tira do cara
o que ele não quer falar. Num
momento ou outro ele falaria.
Acho que o momento adequado
foi criado para que ele abrisse a
guarda. Alguém me perguntou :
por que ele não falou para o William Bonner e falou para o Datena? Ora, quem estava ali era o
Datena, não o Bonner.
FOLHA - Qual é a estratégia para tirar mais revelações de candidatos?
DATENA - Se você deixa o cara à
vontade, o cara fala mais. Se você começa a falar empolado, dá
espaço para ele te enrolar.
FOLHA - Qual dos dois candidatos
foi melhor nas entrevistas?
DATENA - As duas foram legais.
Falaram que o Lula não tinha
gostado do desempenho da Dilma. Parece que isso não é a verdade absoluta. Não foi isso o
que o Lula disse. O presidente
recomendou a ela que se preparasse melhor. Mas o presidente
não viu a entrevista. Algum cara disse a ele que ela estava insegura. Eu tenho outra impressão. Achei que a entrevista da
Dilma a aproximou do povo do
que estava antes. Ela foi mais
solta do que de costume. Tive
uma ótima impressão dela.
FOLHA - E o Serra?
DATENA - O Serra é um avião. A
Dilma tem que se preparar para
enfrentar o Serra porque, no
pau a pau, num debate político,
o Serra está muito mais acostumado do que ela. Se ela descomplicar o palavreado dela,
falar simples, pode até levar.
Vai ser um páreo duro. Essa
eleição pode ser decidida no
primeiro turno, para um lado
ou para o outro. Os dois foram
muito bem. O Serra foi mais seguro. Aprendi a gostar do Serra.
FOLHA - Em quem você vai votar?
DATENA - Ainda não decidi.
Mas acho que vou votar na Dilma, por causa do Lula. Acho
que a Dilma tem a capacidade
para governar o país. O Serra
estaria mais preparado, mas
minha ligação com o Lula é um
negócio muito legal. Acho que
ele é um divisor de águas. Ele
deu ao país a noção absolutamente exata de que um pobre
pode ser presidente da República. O Lula virou um Padre
Cícero. Mas, mesmo se o Serra
ganhar, o país estará bem servido. Muito bem servido. Porque
o Serra é um cara preparado.
FOLHA - Qual deles é mais de esquerda?
DATENA - O Serra é muito mais
socialista do que a Dilma diz
que é. Explico: a Dilma hoje é
socialista porque não tem comunismo. Se tivesse comunismo ela estaria com arma na
mão. Eu sou um cara de esquerda. Mas não aquele cara bobão,
o comunista que escorregou
para o socialismo de vergonha.
Eu, ao contrário de outros, tenho plena consciência de que
Stálin matou 50 milhões de
pessoas, de que Mao Tsé-tung
matou outros 70 milhões.
FOLHA - Entrevistar políticos é uma
novidade para você?
DATENA - De jeito nenhum.
Quando eu trabalhava na Globo, fazia de tudo. Apresentava
um programa político chamado
"A Palavra é Sua" e também fazia entrevistas variadas em outros espaços. Desde a Cicciolina
ao Pavarotti, passando pelo Rei
Juan Carlos, entrevistei todo
mundo. Aprendi a fazer entrevistas descontraídas. Então,
quando um político fala comigo, ele não tem as amarras que
teria com um repórter político.
O problema é que o preparo do
jornalista político, que tende a
ser intelectual, apesar dos poucos imbecis na área, é um preparo de muita leitura, filosofia e
formalismo. Ele tem vergonha
de flertar com o ridículo. Como
eu atuei por muito tempo no limiar do sensacionalismo, consigo descontrair muito mais.
FOLHA - A leitura é um problema?
DATENA - Não. Também leio.
Também gosto de literatura,
história, filosofia. Só não fico
me exibindo. Não fico citando
autor. Quando Sêneca [um dos
mais célebres escritores e intelectuais do Império Romano]
fala que o verdadeiro problema
é justamente a forma de lidar
com os problemas, eu simplesmente uso isso na vida real. Não
preciso falar quem é o autor. Os
candidatos estão perdendo o
preconceito, falando mais fácil,
chegando perto do povo. Que se
danem os intelectualóides e até
os verdadeiros intelectuais.
FOLHA - Você gosta de apresentar
programas policiais?
DATENA - Veja que ironia. Sou
rotulado como apresentador
sensacionalista, mas ganhei
dois prêmios Herzog [ Prêmio
Jornalístico Vladimir Herzog
de Anistia e Direitos Humanos]. Não gosto de fazer jornal
de polícia. Nunca gostei. Gostaria muito de parar de fazer jornal de polícia. Mas, dá audiência, os caras não me tiram.
Quando entrevistamos o Lula
recentemente, o presidente falou. "Olha, Datena, tem muita
bala, muito tiro na televisão".
Eu respondi: "presidente, você
tem que tirar a violência da rua,
não da televisão." Disse também: "Olha, presidente, o meu
medo de o senhor controlar os
meios de comunicação é o seguinte: como o sr. não vai falar
em política se grande parte da
política está envolvida com
corrupção?" A metros de onde
estávamos havia um governador preso, o babaca do Arruda.
FOLHA - Sua saída da Globo em
1989 ocorreu quando você subiu no
palanque do Lula na eleição contra o
Collor. Conte como isso ocorreu.
DATENA - Fiz o comício do Lula
porque achava que esse Collor
era um xarope. Achava, não.
Tenho certeza de que ele é. Por
isso perdi o emprego na Globo.
O diretor da época me chamou
e falou: "Olhe, Datena, você sabe por que eu estou te mandando embora, né?" Eu falei: "evidente que sei". Três meses depois da eleição, após a derrota
do Lula, o cara me chamou e me
deu a carta de demissão.
FOLHA - A audiência cai quando se
reduz a parte policial do programa?
DATENA - A audiência é a mesma, mas, quando há crimes
pontuais, como esse de Goiás,
que todas as emissoras exploram, a audiência sobe muito.
Moral da história: a humanidade não mudou nada. Quando
colocavam leões para comer os
cristãos no Coliseu, ele lotava.
Hoje, se pegarmos o Pacaembu,
o Morumbi e colocarmos leões
para comer estupradores e assassinos, vai lotar mais do que
final de campeonato. Isso é
triste. Eu sei. Mas, infelizmente
a sociedade tem essa demanda
de Justiça. O ser humano em
geral.
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