São Paulo, terça-feira, 03 de junho de 2008

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JANIO DE FREITAS

O crime sem resposta


A cobrança de providências contra a criminalidade nas favelas impõe uma indagação simples: quais providências?

AS REAÇÕES verbais à violência sofrida por uma equipe do jornal "O Dia", em favela no Rio, correspondem a um sentimento justo, mas sua cobrança de providências contra a criminalidade abrigada nas favelas impõe uma indagação tão simples quanto evitada: quais providências? A cobrança se repete há mais de 20 anos, com o mesmo tipo de seguimento fantasiado de resposta: para instalar a presença do Estado nas favelas, para livrar da opressão de criminosos os favelados decentes, para impedir as guerras que agridem a cidade, e por aí. A pergunta permanece intocada: quais são as providências para fazê-lo?
A ausência do Estado, originária da sua longa omissão, hoje é a contrapartida da presença de bandos criminosos. Nos casos em que alguma representação do Estado tenha a retardatária intenção de mostrar a sua face, a expectativa da recepção letal na favela só deixa de cumprir-se em um caso: a representação do Estado usa sua própria letalidade e sai o mais depressa possível.
E então vêm as acusações de abuso de violência armada, configurando execuções de criminosos e de inocentes vitimados por "balas perdidas" -essa denominação desrespeitosa e desumana dada pelos jornais e TV a inocentes que, pelo visto, não valem nem uma bala. Tiro errado, tiro a esmo, isso sim.
Como, então, levar o Estado, suas diferentes representações civis e razoável pacificação às favelas? Com o PAC das Favelas é que não será. Os conjuntos habitacionais, de que a Cidade de Deus é o melhor exemplo, tiveram o mesmo destino das favelas. São, hoje, o PAC concluído (se o for) de amanhã. As pequenas obras do PAC se fazem por acordo de consentimento dos bandos criminosos. Consentimento relativo, porque, quando mandam parar tudo, pára tudo mesmo. Nada sequer sugere que os grupos armados vão abandonar os convenientes domínios da Rocinha e do Complexo do Alemão porque ali se construiu certo ar de urbanização, como nos conjuntos cedo transformados também em domínios.
Os protestos contra a ação, digamos, bélica da polícia têm razão de ser, tão óbvia que nem precisaria mostrar-se para ser conhecida. Mas os choques fatais de polícia e criminosos são necessários? São mais do que isso: em certas situações, são indispensáveis, se o Estado não abdicar de toda a resposta ao crime. O que não justifica a freqüência dos excessos de violência, apesar de explicável em parte. Na parte em que o medo compreensível leva a descargas descontroladas da força, para intimidar e afugentar. O mesmo que a recepção dos criminosos faz.
Esses choques e incursões efêmeras representam o Estado no território de que foi banido, ou mais confirmam sua ausência e o domínio alheio. Da mesma maneira, o estatal PAC das Favelas é útil por outros motivos que não o fim, nessas áreas, do domínio criminoso. É grotesca a moda de tomar as obras em favelas de Bogotá como exemplo de eficácia para eliminar a criminalidade. Ignora o dado, básico para a reflexão, que é a densidade populacional e estrutural tão menor das favelas de Bogotá, em relação às nossas. Ignora as diferenças do tráfico de drogas lá e cá. E, para não estender exemplos, ignora até que a inspiração é inversa: Bogotá mirou-se em projetos de Jaime Lerner, mirou-se no plano inclinado construído pelo governo Brizola em uma favela de Ipanema, mirou-se nos conjuntos habitacionais do Complexo da Maré e adjacências, visíveis por quem transita do Galeão para o centro e zona sul do Rio. Obras excelentes, hoje "áreas de risco", como diz o jargão.
Protestos, cobranças, manifestações (na orla de Ipanema e Copacabana, de preferência), muito bem para não passar por conformista. Mas o único que importa é sabermos se há, ou quando haverá, a combinação de inteligência e coragem para criar as providências que tornem dispensáveis os protestos, cobranças e manifestações.


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