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São Paulo, quinta-feira, 03 de julho de 2003

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CONFLITO AGRÁRIO

Governo e sem-terra não chegam a acordo sobre reforma

Lula repete promessas ao MST, mas não obtém trégua

Marcello Jr./Agência Brasil
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva oferece um biscoito a Egídio Brunneto, um dos sem-terra recebidos no Planalto


DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Após reunião que durou duas horas e meia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva repetiu promessas antigas para convencer os 29 membros da cúpula do MST a amenizar os discursos e deixar de lado as ações mais contundentes.
Ele não obteve porém um compromisso de trégua na violência que assolou o campo nas últimas semanas. Apesar de terem saído do Palácio do Planalto confiando na boa vontade de Lula, a descentralização do MST dificulta a trégua nas invasões e saques.
"Nós temos que fazer a reforma agrária de forma pacífica, dentro da lei e da ordem", teria afirmado Lula, segundo relato do líder do governo no Congresso, Amir Lando (PMDB-RO). Lula teria pedido confiança no governo, dizendo que a reforma agrária é um compromisso histórico do PT e um compromisso pessoal seu.
"Sobre as massas do MST temos controle. Mas, no campo, há outros movimentos sociais", disse Gilmar Mauro, da direção da entidade, sobre uma eventual trégua. "Se [as invasões] acontecerem não é um problema que afronte aquilo que foi estabelecido aqui."
Os dirigentes do MST chegaram ao Planalto por volta das 10h. Eles foram recebidos por Lula pela primeira vez desde a posse. Levaram de presente uma bola de futebol costurada por filhos de assentados e uma cesta com vinho, biscoitos e doces produzidos em assentamentos, além de um boné.

Clima descontraído
O encontro transcorreu em clima amigável e descontraído. Logo no início, Lula chegou a colocar o boné do MST, que trazia a inscrição "Reforma Agrária - por um Brasil sem latifúndio", retirando-o instantes depois. Segundo a assessoria da Presidência, "foi um ato de cortesia e gentileza e é um hábito constante" de Lula.
O presidente provou os biscoitos. Depois, colocou um biscoito na boca de Brunneto e outro na boca da sem-terra Fátima Ribeiro.
Ao sentar-se para conversar, Lula deixou o boné em cima da bola. A pedido do presidente, um dos dirigentes do MST chegou a fazer algumas embaixadas com a bola. Alguém pediu a Lula que fizesse uma demonstração, mas ele disse que não poderia. "Por causa do protocolo", declarou.
Em seguida, o dirigente Egídio Brunneto fez a saudação inicial afirmando que Lula "está com a bola cheia" e que é preciso aproveitar o momento para "escalar o time da reforma agrária": "Vamos colocar o senhor [Lula] como centroavante; na ponta esquerda, o ministro [Miguel Rossetto] da Reforma Agrária [Desenvolvimento Agrário]; e na ponta direita -não sei, pelo aspecto político-, o ministro Palocci [Fazenda]", disse Brunneto.
Lula perguntou em que posição jogaria o ministro José Dirceu (Casa Civil). "Na meia esquerda", respondeu ele, arrancando mais aplausos, inclusive de Dirceu.
No final, Lula convidou os dirigentes do MST para uma partida de futebol na Granja do Torto. A data ainda não foi marcada.
Apesar de o governo não ter acenado com o atendimento de seus pedidos, os líderes do MST saíram com um discurso mais afinado com o de Lula. "Não temos dúvida de que Lula é um alento, uma esperança e, com sua história e com o que se comprometeu na campanha, vai fazer a reforma agrária", disse Gilmar Mauro.

Pedidos e promessas
O MST levou uma lista com 16 pedidos, entre eles o assentamento de 1 milhão de famílias até 2006 e 120 mil imediatamente. Reivindicou ainda a desapropriação de fazendas sem função social, com denúncias de trabalho escravo e ligação com crime, e mais infra-estrutura nos assentamentos.
O governo não respondeu às reivindicações ponto a ponto. Segundo o ministro Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário), foi oferecido o assentamento de 60 mil famílias até o final de 2003. O número foi anunciado por Lula em maio, no Grito da Terra. Antes, a meta do Incra era assentar 37 mil famílias até dezembro.
Os pedidos do MST serão alvo de análises de grupos de trabalho, que devem ser criados nos próximos dias. Os primeiros resultados devem sair em um mês, segundo Gilmar Mauro. Outras promessas já feitas e reapresentadas ontem foram a melhora nas condições dos assentamentos, mapeamento das terras em condições de reforma agrária e implantação do programa com Estados e municípios.
O governo não se comprometeu com a meta de 1 milhão de assentamentos até o final do mandato. Rossetto, porém, prometeu reduzir o prazo de desapropriação de terra dos atuais dez meses para seis meses e disse que tentará otimizar a verba de R$ 81 milhões para comprar terras e benfeitorias no segundo semestre. Estão em estudo meios de agilizar a compra de terras dadas em garantia a bancos estatais ou ao INSS, cujas dívidas não tenham sido quitadas. Ficará a cargo do grupo criado na reunião com Lula mapear as terras em condições de desapropriação no país e definir de que forma o governo irá acelerar a aquisição.
Questionado se houve avanços na reunião, Mauro disse que "se um presidente assume um compromisso público de que a reforma agrária estará na pauta de prioridades no segundo semestre, acreditamos. É um avanço muito importante". Ele considerou "natural" o aumento das invasões: "Há a esperança do povo no Lula, a expectativa de que ele vai fazer efetivamente a reforma agrária, e o represamento da demanda desde o governo anterior".
O encontro pode ser resumido pelas declarações de João Pedro Stédile antes e depois da reunião. Ao chegar, disse: "A reforma agrária é igual ao futebol. E o time dos latifundiários vai ser derrotado. O governo joga no nosso time". E, na saída: "Vamos ganhar de 5 a 0 do latifúndio. Enquanto houver sem-terra e latifúndio, a luta vai continuar". (IURI DANTAS, CAMILO TOSCANO, LEILA SUWWAN, FERNANDA KRAKOVICS E WILSON SILVEIRA)


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