|
Texto Anterior | Índice
ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ CPI
Presidente da CPI dos Correios, petista cita equívocos do governo, diz que é preciso ser mais "proativo", mas poupa o presidente Lula
É erro desqualificar Jefferson, diz Delcídio
VERA MAGALHÃES
DO PAINEL, EM BRASÍLIA
LEILA SUWWAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Para se proteger, o senador Delcídio Amaral (PT-MS), 50, faz o
sinal da cruz três vezes antes de
presidir as sessões da CPI dos
Correios. Não sem motivo. Além
dos ataques da oposição, confronta seu partido com críticas
francas.
Depois do quente depoimento
de Roberto Jefferson (PTB-RJ) na
última quinta, quando as denúncias de corrupção se ampliaram,
concluiu que é um erro tentar
desqualificar o deputado.
"Não é possível desqualificá-lo.
O governo, inclusive, já tomou
providências em relação a algumas denúncias feitas por ele. São
coisas que o dia-a-dia comprovou", diz Delcídio, que também é
o líder do PT no Senado.
Filiado desde 2001, o senador
não hesita em apontar outros
equívocos e problemas do governo, mas poupa o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva. Diz que é preciso vencer a "catatonia" diante
da crise política e ser mais "proativo". Só assim o quadro eleitoral
de 2006 não ficaria mais complicado para Lula.
Em retrospecto, outro reconhecimento: o governo deveria ter
enfrentado uma CPI em 2004,
quando eclodiu o caso Waldomiro Diniz, ex-assessor da Casa Civil
gravado negociando propina numa função anterior, em 2002.
Um assumido "quase tucano",
com trajetória política apadrinhada por tucanos e pefelistas, Delcídio condena o "revanchismo"
contra o governo Fernando Henrique Cardoso e descarta a tese de
parte do PT e dos movimentos sociais de que haveria um golpe em
curso para atingir Lula.
"Conspiração de elite? Não entendo isso. Acho esse discurso totalmente "demodé". Você já imaginou nós, em pleno século 21, começarmos a falar de luta de classes de novo?", ironiza.
Senador em primeiro mandato,
Delcídio diz ser um homem religioso e "comandado pelas mulheres". "Minha mulher [Maika] é
brava e minha mãe é mais ainda.
Ela fica vendo a CPI pela TV e brigando comigo: "Põe ordem nos
trabalhos, corta a palavra daquele
lá". E eu digo: "Mãe, não é assim'",
diz ele, pai de três filhas.
Além de fazer o sinal da cruz,
não deixa de tocar em uma imagem de santo quando vê uma
nem de recorrer diariamente à leitura do salmo 91 da Bíblia, que
diz: "Caiam mil ao teu lado, e dez
mil à tua direita; tu não serás atingido". Ele falou à Folha na sexta.
Folha - A CPI dos Correios começou sob desconfiança de ser chapa-branca. Duas semanas depois, o estigma permanece?
Delcídio Amaral - A CPI está caminhando sem obstáculos. A imprensa está acompanhando permanentemente todos os passos.
Nessas duas semanas, avançamos
muito, não só nas oitivas mas nos
requerimentos que foram aprovados. Ao mesmo tempo, apesar
do enfrentamento, que é natural
no clima de tensão, a CPI está trabalhando normalmente. Tem um
debate mais acalorado aqui ou ali,
mas avançou.
Folha - Rapidamente a CPI enveredou pelo "mensalão". Vai dar para evitar avançar nessa apuração?
Delcídio - Nos depoimentos, não
dá para controlar. Existem requerimentos que tentam atropelar,
não têm nenhuma ligação com a
denúncia nos Correios, mas os requerimentos que foram aprovados até agora, mesmo os que podem ampliar o leque das apurações, têm ligação com os Correios. Assuntos relacionados com
a denúncia do "mensalão" serão
tratados na outra CPI [cuja instalação está prevista para a próxima
semana]. Será um processo interativo, vamos avaliar o que compete a uma ou a outra.
Folha - É possível circunscrever a
CPI aos Correios quando há denúncias contra várias estatais?
Delcídio - Nós estamos com duas
semanas de investigações. Por enquanto, aprovamos requerimentos procurando tomar iniciativas
ligadas ao fato gerador.
Nossa prioridade agora é apurar
as gravações, ver os interesses por
trás delas, ouvir os diretores, analisar os contratos, mas é evidente
que os fatos é que vão demonstrar
a amplitude da investigação e, por
isso, as próximas semanas serão
de extrema importância.
Folha - O depoimento do deputado Roberto Jefferson não foi um divisor de águas?
Delcídio - O depoimento do Roberto Jefferson foi amplo. A intenção era discutir os Correios, mas
entraram outros assuntos, alguns
até pertinentes, como financiamento de campanha e um sem-número de questões ligadas à gestão pública.
Em relação a outros assuntos,
como denúncias em Furnas e no
IRB, temos de analisar e ver o que
está no foco da CPI e o que não
tem nada a ver.
Folha - A estratégia do PT foi tentar desqualificar Roberto Jefferson. É possível fazer isso diante de
tantas evidências?
Delcídio - Não é possível desqualificá-lo. Tenho absoluta certeza
de que nem todos na bancada do
PT compartilham dessa estratégia. O governo inclusive já tomou
providência em relação a algumas
denúncias feitas por ele.
São coisas que o dia-a-dia comprovou. É um erro, neste debate,
desqualificar o Roberto Jefferson.
Temos de investigar se as denúncias são pertinentes ou não.
A tática da desqualificação não
resolve e muitos dos problemas
que nós estamos enfrentando foi
porque minimizamos determinadas questões que acabaram nos
levando a essa situação.
Folha - O sr. se refere às denúncias contra o ex-subchefe da Casa
Civil, Waldomiro Diniz?
Delcídio - O primeiro teste que o
governo enfrentou foi o caso Waldomiro Diniz, ao qual poderia ter
sido dado outro encaminhamento. Se tivéssemos feito a CPI há
um ano e meio, quando o governo
ainda era forte politicamente, antes das eleições municipais, muitos dos problemas atuais poderiam ter sido evitados, e o desfecho, diferente.
Folha - O governo não fica desmoralizado pelo fato de as investigações estarem sendo pautadas por
Roberto Jefferson? Não deveria tomar a frente nas investigações?
Delcídio - O governo tinha de tomar a dianteira, ser mais proativo.
O que está acontecendo é que estamos sempre agindo após os fatos. Essa é a razão de eu defender
uma ação mais ostensiva não só
na política quanto na área executiva, administrativa.
Folha - O presidente Lula tem a
real dimensão da crise?
Delcídio - O presidente Lula percebe claramente o momento que
estamos vivendo. Ele tem uma
sensibilidade enorme, é bem informado. Não tenho dúvida nenhuma de que vai retomar o controle da situação.
Folha - O sr. acha que Delúbio
Soares e Sílvio Pereira deveriam
ser afastados da direção do PT?
Delcídio - Na última reunião do
diretório, decidiu-se mantê-los.
Eu sou obediente, acato as decisões do diretório, sou um homem
de partido. Esse é um assunto
controvertido na bancada, há opiniões divergentes, mas decidimos
acatar a decisão do diretório.
Folha - Jefferson comparou o
atual governo ao do ex-presidente
Collor. O sr. acha que se vive uma
situação política parecida?
Delcídio - São coisas diferentes.
O governo, se agir, tem todas as
condições de retomar o controle
das ações, mas precisa fazer.
Folha - O governo fala em diálogo
com a oposição, mas propõe CPIs
para investigar o governo anterior.
Isso ajuda?
Delcídio - Eu acho que esse campeonato de CPIs é uma perda de
tempo, absolutamente inviável do
ponto de vista prático, porque
não temos nem parlamentares
suficientes. Esse enxame de CPIs
não vai trazer nenhum benefício
para a sociedade.
O cidadão não é bobo. Ele mesmo vê que está havendo uma espécie de esgrima política. Acho
que revanchismo não é bom para
ninguém.
Folha - Alguns setores dizem que
haveria um golpe em curso para
derrubar o presidente Lula. O sr.
concorda com a tese da conspiração das elites?
Delcídio - Não. Muitas coisas
aconteceram em cima dos nossos
próprios erros. Agora, conspiração de elite? Não entendo isso.
Acho esse discurso totalmente
"demodé". É sem sentido e não
ajuda em nada. Você já imaginou
nós, em pleno século 21, começarmos a falar de luta de classes de
novo? É demais...
Como o sr. vê o panorama político
deste momento de crise até o período pré-eleitoral?
Delcídio - Eu acho que nós precisamos agir. Nós não podemos ficar nessa catatonia em que estamos envolvidos porque efetivamente o quadro para 2006 vai se
complicando cada vez mais.
Folha - O candidato do PT será o
presidente Lula ou sua reeleição
está inviabilizada?
Delcídio - Inegavelmente será o
Lula. É a maior liderança que nós
temos. Basta ver a leitura que a
opinião pública faz dele.
Agora, é evidente, o momento
exige determinação. Precisa de
um timoneiro para que as coisas
tenham rumo.
Folha - O PT sempre se pautou pela questão da ética. Esse patrimônio está dilapidado?
Delcídio - Não. Nós não podemos generalizar. Os fatos pontuais não podem sinalizar que todo o partido é assim. Não é.
O PT está passando por tudo
aquilo que os partidos de esquerda em vários países, especialmente na Europa, passaram. É uma
reavaliação de procedimentos, de
discurso e de práticas.
Folha - Vai haver baixas?
Delcídio - Acho que sim. Isso deve ocorrer. É do processo. Não é
nenhuma curva fora do ponto.
Folha - Mas, diante da opinião
pública, o PT terá de mostrar uma
nova cara?
Delcídio - O partido entra em
2006 tendo a consciência de que
aprendeu muito e evidentemente
com uma cara diferente, com a
experiência de governo.
Folha - A oposição está superando os governistas na CPI?
Delcídio - Não. A CPI é um palco
político. Você tem de ter ciência
disso, da biografia de cada um e
das vaidades. Você tem de fazer
um estudo social e humanístico
dos parlamentares para que a CPI
possa funcionar. É uma aula de
antropologia política.
Texto Anterior: No planalto: Má notícia: Lula é menor do que a crise que o engolfa Índice
|