São Paulo, quarta-feira, 03 de agosto de 2005

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MÔNICA BERGAMO

Um humilde deputado

"Os blogs estão dizendo que o José Dirceu vai renunciar", gritava um repórter no comitê de imprensa da Câmara dos Deputados, onde ficam as mesinhas e os computadores dos jornalistas. "A assessoria dele está lançando agora uma nota. "Tá" na internet. Ele acordou normal, andou, fez ginástica. Ele "tá" normal. Não vai renunciar", grita outro. São 13 horas.

 

O suspense ainda vai durar duas horas, até começar o depoimento de Dirceu no Comitê de Ética. Seguranças avisam as televisões: "Atenção, para quem for entrar ao vivo: o Roberto Jefferson acaba de sair de casa." E o Dirceu? "Ainda não." Mas ele saiu. Pouco depois de Jefferson. Escondido num Corsa prata. Não queria ser seguido por jornalistas.
 

Jefferson chega ao Comitê pouco antes de Dirceu. Respira fundo, solta o ar. Respira fundo, solta o ar. A deputada Zulaiê Cobra nota: "Você "tá" nervoso?" "Não, estou fazendo exercícios respiratórios para ficar calmo", diz Jefferson.
 

O deputado está tenso, mas faz graça. Distribui chocolatinhos em barras para os deputados. "Preciso estar vitaminado para aguentar", diz. O deputado Nelson Marchezelli (PTB-SP) funciona como escudeiro. Protege os chocolates de Jefferson. "Gente, chega de pedir doce. Senão acaba", diz. Marchezelli cumprimenta o deputado Professor Luizinho, do PT, um dos que tiraram dinheiro das contas de Marcos Valério. "Quebrei seu galho, hein?", diz. É que os dois debateram um dia antes na rádio CBN. "Peguei leve. Eu gosto dele", explica Marchezelli.
 

Dirceu chega. O depoimento começa. "Não vou renunciar", diz Dirceu. Fala do passado, da luta armada, da clandestinidade. "Me considero absolutamente "inocêncio'". Risos. O deputado Inocêncio Oliveira (PFL-PE) já foi acusado de usar serviços públicos em sua fazenda e de manter trabalhadores escravos nas terras. "Inocente, sou inocente", emenda Dirceu. Sempre me comportei com ética, diz. "Cruzeiro do Oeste [cidade em que viveu clandestino na década de 70] pode testemunhar." Depois da clandestinidade, ele fez "teste de datilografia para trabalhar na Assembléia Legislativa de SP".
 

A deputada Maria Lucia Cardoso (PMDB-MG), mulher do ex-governador de Minas, Newton Cardoso, pasta Louis Vuitton ao lado, ouve tudo, atenta.
 

Jefferson toma a palavra. Acusa, ironiza. Sempre olhando para as câmeras, só chama Dirceu de "inocente deputado", "honesto ministro", "humilde deputado". Dirceu rebate: "Eu nunca fui arrogante no ministério". Os deputados caem na gargalhada. "Já nasceu arrogante", grita Zulaiê. "Deputada Zulaiê! Deputada Zulaiê! A senhora não achava isso quando era minha colega na faculdade", diz Dirceu.
 

Jefferson vai ao banheiro. Um batalhão de repórteres corre atrás, alguns rolam pelas escadas. A segurança isola o banheiro. Outros deputados chegam para bisbilhotar. Darcísio Perondi (PMDB-RS) olha os jornalistas. Espia Jefferson na porta do banheiro. E dá seu veredicto sobre o depoimento: "Os dois são inocentes. E o Lula teve otite, ficou surdo, teve lepra, perdeu o olfato. Teve diabete, ficou ruim da cabeça. O Lula, coitado, não sabe de nada."


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