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ELIO GASPARI
Lula, o pastor de bodes
José Dirceu é uma página
virada das fantasias de Brasília. Colocando-se de lado sua
personalidade apoteótica que o
infortúnio transformou em bode, o problema continua do
mesmo tamanho. Hoje, como
no dia 1º de janeiro de 2003,
quando foi empossado na Presidência da República, o problema (pensou-se que fosse solução) chama-se Lula. A Constituição determina que ele dure
ao menos até o dia 31 de dezembro do ano que vem.
Foi Lula quem cometeu o erro
desastroso de entregar ao chefe
do gabinete civil a articulação
política e a gerência administrativa de seu governo.
Se, em vez de ter colocado José
Dirceu nesse cruzamento de jacaré com melancia, tivesse nomeado são Francisco de Assis, o
resultado seria parecido. Paralisou a máquina e transformou
a rede de apoio parlamentar de
seu governo numa tessitura
desconexa que só podia ser
amarrada com mensalão. Foi
ao armazém, pediu dois pacotes de leite, uma vassoura, três
abacaxis e quer reclamar do
formato do embrulho.
Foi Lula quem colocou Delúbio Soares na tesouraria do PT
e o manteve mesmo depois que
o companheiro saiu por Brasília fumando charutos Cohiba,
movendo-se como se fosse tesoureiro da administração.
Referindo-se à sua capacidade de influenciar agendas, informava: "Com burocrata de
ministério? É só ligar e marcar
para quatro, cinco dias depois".
Nunca é demais lembrar que
Waldomiro Diniz, um subchefe
do gabinete civil filmado achacando um bicheiro (antes de ser
levado para o palácio por José
Dirceu), foi exonerado "a pedido". Em sindicalês, nem justa
causa deu.
Desde 1977, quando entrou
na cena política nacional, Lula
foi um genial manipulador de
duas condições. Apoiava-se numa base cujas reivindicações
encarnava e combatia uma cúpula que responsabilizava pelas
desgraças nacionais. Quando
venceu, como na greve de maio
de 1978 e na eleição de 2002, arrastou as fichas. Quando perdeu, como nas greves de 1979 e
1980, e nas campanhas de 1989,
1994 e 1998, apresentou-se como o líder que levou seu povo
até as portas de Brasília, mas
foi vencido pelas forças do obscurantismo. Um pastor de bodes.
Em quase três anos de governo, Lula tentou uma impossível
adaptação desse estratagema
ao exercício da presidência. Fome Zero, Primeiro Emprego e
CPMF mundial, foram bandeiras semelhantes à moratória da
dívida externa ou os 10 milhões
de novos postos de trabalho. Na
oposição, mostrariam o carinho do companheiro pelo andar de baixo. No governo, mostraram que seu governo é parlapatão e inepto. Meteu-se numa diplomacia de nós-ganhamos-eles-perderam e agora se
vê na zona de rebaixamento,
acumulando a maior galeria de
fracassos da história do Itamaraty.
Noves fora a explosão do comissariado, a questão continua
do mesmo tamanho. O presidente americano Harry Truman tinha uma tabuleta em cima de sua mesa na Casa Branca informando que ele era o responsável de última instância
pelos atos do governo. Desde o
dia em que a palavra mensalão
foi para a primeira página dos
jornais, Lula está parado, com
as cartas na mão, ausente.
A genialidade de Truman
(que também não tinha diploma de curso superior) esteve em
perceber que o presidente da
República é o único sujeito que
não pode procurar bodes, sob o
risco de se transformar no
maior deles.
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