São Paulo, terça-feira, 03 de setembro de 2002

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FOLCLORE POLÍTICO

Em Itu, o tatu

PLÍNIO ARRUDA SAMPAIO

Em Itu, o prefeito, que se chamava Bicudo, ganhou o apelido de Tatu. Seus adversários o acusavam de ter esburacado a cidade toda, o que era verdade. Administrador sério, tinha empenhado a maior parte do orçamento na ampliação das redes de água e esgoto da cidade. Ao chegar a época da eleição deputados, as obras estavam inacabadas e, consequentemente, a cidade esburacada. Ele, que era adepto fervoroso de Carvalho Pinto e queria apoiar os candidatos do governador, ficou em palpos de aranha.
Que fazer? Na base de que a melhor defesa é o ataque, Bicudo trucou 12: em vez de rejeitar o apelido, adotou-o. Mandou transformar um caminhão em carro alegórico, representando um enorme tatu. Nas costas do tatu, duas cadeiras: uma para o Carvalho Pinto, outra para ele, Bicudo. Na hora de começar o desfile, isso não foi possível, seja porque o governador achou muito populismo, seja porque inventou algum pretexto para escapar da aventura. Os correligionários ficaram decepcionados: "Como o tatu desfilaria sozinho com as cadeiras vazias? Não podia".
Vendo o desaponto, os auxiliares de Carvalho Pinto resolveram que dois deles sentariam nas cadeiras tatuzais. A tarefa recaiu no chefe e no subchefe da Casa Civil. Subiram e, sob vivas e aplausos gerais instalaram-se nas cadeiras. Tudo pronto, o Tatu saiu em direção à praça do comício.
Nem bem andaram 50 metros, os dois passageiros do tatu se defrontaram com os fios da eletricidade que cortavam a rua exatamente na altura dos seus pescoços. Mandar parar não adiantava, porque naquelas alturas, a balbúrdia era tal que ninguém ouvia. O jeito era ficar muito atento e abaixar-se a cada fio. Assim foram os dois, erguendo e abaixando a cada 30, 40 metros, até entrarem na praça.
Para descer foi um turumbamba danado, mas acabou dando certo, salvo pelo risinho do sempre discreto Carvalho Pinto, zombando disfarçadamente do seu velho amigo e companheiro inseparável Portugal Gouveia. Injusto! O passeio de seus devotados auxiliares contribuiu muito para o sucesso da sua campanha. No dia seguinte, o comentário na cidade era: "Gente educada, essa do Carvalho Pinto. A cada pouquinho, os dois em cima do tatu abaixavam a cabeça para cumprimentar solenemente o povo".


PLÍNIO ARRUDA SAMPAIO, 72, ex-deputado federal pelo PT e membro da Assembléia Constituinte de 1988, escreve às terças-feiras nesta seção



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