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ENTREVISTA DA 2ª/CARLOS AYRES BRITTO
Para ministro, julgamento foi técnico, mas "ambiência psicossocial" favoreceu compromisso mais forte com a ética
Pressão social por ética influenciou decisão do STF sobre mensalão
Ueslei Marcelino/Folha Imagem
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O ministro do STF Carlos Ayres Brito em sua casa em Brasília
SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O MINISTRO DO STF (Supremo Tribunal
Federal) Carlos Ayres Britto, 64, disse
que a expectativa da sociedade por ética
na política pesou na decisão de abertura
da ação penal contra os 40 denunciados do mensalão,
embora sustente que o julgamento foi técnico.
"Nós decidimos tecnicamente, mas não podemos negar que
a ambiência psicossocial favoreceu um compromisso ainda
mais forte com as exigências
éticas", afirmou o ministro em
entrevista à Folha, concedida
em seu apartamento, na manhã de quinta-feira.
Britto acusou a imprensa de
comportamento abusivo nos
dois episódios que expuseram
a imagem do tribunal: a reprodução da conversa por e-mails
entre os ministros Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia
Antunes Rocha e a divulgação
do diálogo de Lewandowski
com o irmão, por telefone, em
um restaurante de Brasília.
Ele negou interferências políticas no julgamento, mas, ao
comentar a nomeação do ministro Carlos Alberto Menezes
Direito para o STF, confirmou
a existência de "correntes" no
tribunal. "É bom que haja pessoas representativas das diversas correntes políticas."
Ex-petista, o ministro acredita que o episódio do mensalão não "contaminou" o partido. Ele foi filiado por 18 anos e se desligou em 2003, quando o
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva o indicou para o STF.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
FOLHA - Qual a avaliação que o sr.
faz do maior julgamento da história
do STF?
CARLOS AYRES BRITO - Foi o maior
julgamento em duração, complexidade e magnitude da causa, pela qualidade das pessoas
envolvidas, pelo papel social,
político e empresarial dos envolvidos. Daí o seu caráter histórico. Ele foi essencialmente
técnico, da própria técnica jurídica. Eu tenho certeza de que
todo mundo decidiu fundamentadamente.
Agora, é uma decisão que
comporta outra leitura do ponto de vista ético-político. A tecnicalidade da decisão não nos
impede de reconhecer isso: o
STF está sintonizado com os
novos ares republicanos, democráticos, que permeiam o
momento histórico brasileiro.
Há uma exigência maior de
qualidade de vida política para
o país, de uma política permeada de ética. Lancei oralmente
um jogo de palavras [no julgamento] que reafirmo: "Onde a
ética na política não é tudo, a
política não é nada". Estamos
no limiar de uma era que sinaliza para essa compreensão.
FOLHA - O sr. diria que o julgamento foi técnico, mas levou em conta o
momento social em que a preocupação com a ética é dominante?
BRITTO - Sim. Decidimos tecnicamente, mas não podemos negar que a ambiência psicossocial favoreceu um compromisso ainda mais forte com as exigências éticas.
FOLHA - O julgamento foi permeado de incidentes, como a troca de e-mails entre os ministros Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia e o telefonema de Lewandowski para o irmão. O cidadão ficou com a forte impressão de que os srs. julgaram
sob pressão e que houve interferência de questões políticas na decisão.
Havia, por exemplo, a intenção inicial de "amaciar" para o ex-ministro
da Casa Civil José Dirceu?
BRITTO - Estou no STF há quatro
anos e três meses. Já me sinto,
digamos assim, experimentado. Eu não me senti acuado ou
pressionado em nenhum momento. Está para nascer quem
me acue na hora da minha decisão. Decido solitariamente,
sentado no tribunal da minha
própria consciência. Eu não vi
ninguém se reunindo, cabalando, não houve nada disso.
FOLHA - Em que momento o sr. definiu o seu voto, na sua essência? Foi
antes do julgamento, depois de ouvir o procurador-geral e os advogados dos réus, após o voto do relator?
BRITTO - Vou dizer uma coisa
que, diante de uma platéia de
acadêmicos, seria interpretado
como um recibo de anticientificidade. Faço meditação oriental há 13 anos e aprendi com os
místicos mais acatados, como
Buda, Cristo, são Francisco de
Assis e, mais recentemente,
Krishnamurti e Osho.
Em suma, eu aprendi nessa
literatura espiritualizada que
você deve ficar cada momento
numa espécie de eterno agora,
cortar o cordão umbilical com o
passado e com o futuro. Sou
uma pessoa muito atenta. Então vou para uma sessão para
decidir na hora. Fui decidindo à
medida em que os debates
ocorriam. Não combinei voto
com ninguém nem acho que os
outros tenham combinado.
FOLHA - O sr. tem o hábito de usar
o laptop durante a sessão. Costuma
trocar e-mails?
BRITTO - Sim. Converso com os
meus assessores e, vez por outra, com os ministros, mas não
sobre o conteúdo técnico da decisão. Geralmente para dar
uma relaxada. Faço um trocadilho, uma observação lateral.
Ontem mesmo [quarta-feira], estávamos julgando uma lei
de São Paulo que proibiu a fabricação, o uso e o transporte
de amianto, que tem um componente cancerígeno. Já no fim
da sessão, eu disse que isso me
remetia para a minha experiência nordestina. Lá, as casas pequenas, dos despatrimonializados, são cobertas com telhado
de amianto. É uma crueldade,
um calor imenso. Eu disse:
"Quando eu via o sol batendo
de chapa no telhado de amianto
eu ficava na dúvida se o telhado
estava batendo ou apanhando".
Esse tipo de coisa descontrai.
Às vezes, digo na sessão. Outras, mando para eles [e-mail].
Quando você vir um ministro
rir de nada, pode saber que outro mandou uma mensagem.
FOLHA - O sr. contou, em certo julgamento, a história de uma criança
que desenhou uma galinha com três
pernas.
BRITTO - E a professora disse que
a galinha não podia voar perto
das nuvens, como se fosse um
pássaro, e que nenhuma tem
três pernas. Aí a garota disse:
"Eu sei disso. Porém eu coloquei a terceira perna para dar o
impulso". O que eu quis dizer é
que precisamos de heterodoxia, de criatividade, de não reproduzirmos as coisas mecanicamente. O julgamento exige
de nós um pouco de ousadia para sintonizar não com a sociedade, mas com a existência.
FOLHA - Que julgamento o sr. faz
da imprensa, no caso mensalão?
BRITTO - Primeiro, faço um elogio. Nós já vivemos a Idade Média. Agora estamos vivendo a
"idade mídia". Significa que a
imprensa ultrapassa sua dimensão informativa para incorporar a analítica, a investigativa e a denunciativa, no que
tem o respaldo da Constituição.
A crítica que não posso deixar de fazer se restringe ao episódio da intranet, da comunicação entre o ministro Lewandowski e seu gabinete e entre
ele e a ministra Cármen. Acho
que aí houve um abuso do direito de informar. A imprensa
acha pouco a transparência
com que se dá toda sessão do
STF? Tudo ao vivo, televisionado, todo mundo com celulares,
câmeras fotográficas, seus gravadores, filmadoras, com transparência total. A imprensa está
achando pouco e ainda se impõe a devassar a intimidade das
nossas comunicações?
FOLHA - E sobre o diálogo do ministro Lewandowski com o irmão, por
telefone, testemunhado pela repórter da Folha?
BRITTO - Foi uma interceptação
[de uma conversa telefônica].
Esse momento da comunicação é um bem jurídico protegido pela Constituição. Enquanto essa comunicação se processa, esse bem é inviolável.
FOLHA - O interesse público em relação à conversa captada justifica a
divulgação?
BRITTO - Isso é delicado, porque
há interesse público em manter
a privacidade das pessoas. É
preciso ver cada situação.
FOLHA - O STF julgou com a "faca
no pescoço"?
BRITTO - De nenhum modo. Nenhum ambiente de que participei me sugeriu que fosse uma
pressão política, seja da imprensa, seja do governo.
FOLHA - O sr. já foi filiado ao PT. Como vê o fato de dirigentes do partido estarem envolvidos em uma
ação penal tão grandiosa?
BRITTO - É lastimável, embora eu
faça uma diferença. Vejo o PT
como um todo e é sobre uma
pequena parte dele que recaem
indícios de delitividade. Isso
não chega a contaminá-lo.
FOLHA - E sobre a indicação do ministro Carlos Alberto Direito?
BRITTO - Ele é muito competente, responsável e cordato. Se é
ou não conservador, isso não
me preocupa, porque a sociedade é plural, e o pluralismo se
traduz nesse direito de ser diferente. É bom que haja nos tribunais pessoas representativas
das várias correntes políticas.
FOLHA - O STF ficará mais equilibrado? Hoje está muito liberal?
BRITTO - Acho que ele vem para
somar, para agregar.
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