São Paulo, sexta, 3 de outubro de 1997.



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'Espontâneo', João Paulo 2º prioriza os 'sem-terra'

NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

"Família, família, família."
Era d. Eugenio Sales, dias atrás, sublinhando o suposto tema único da visita do papa. Pois bem, João Paulo 2º chegou e o que menos falou foi de família.
Deve concentrar-se no tema nos próximos dias, mas ontem, em discurso e em entrevista ainda no avião, tratou mesmo foi dos "problemas sociais", ou das "desigualdades sociais".
Desigualdades que preocupam mais o clero dito progressista -em oposição ao conservador, mais atento à família, ou melhor, à crítica ao aborto, divórcio etc. No discurso do aeroporto:
"Os desequilíbrios sociais, a distribuição desigual e injusta dos meios econômicos, geradora de conflitos na cidade e no campo, os problemas da infância desprotegida das grandes cidades, para não citar outros, constituem para seus governantes um desafio de enormes proporções."
Também significativos foram os relatos da entrevista no avião, alguns feitos ainda antes do pouso. De um repórter da Globo:
"O papa citou, sem ser solicitado, o problema dos sem-terra como uma das questões sociais que o Brasil precisa tratar com a maior rapidez possível. Não houve pergunta. Ao ouvir 'problemas sociais', o papa imediatamente e espontaneamente se referiu aos sem-terra."
Foi "espontâneo". Certamente não para agradar aos progressistas, com os quais pouco se importa. Entende-se do episódio o "carisma" deste papa, na expressão que foi repetida por toda parte, ontem. Um ator em sua juventude, dizem até que um grande ator, João Paulo 2º sabe do impacto de não fazer o óbvio.

Ao contrário da Globo. O "Jornal Nacional" não deu manchete às desigualdades e mal as mencionou -em contraste com os demais, inclusive da CNN.
Preferiu salientar uma declaração do papa ainda no avião:
"O futuro da humanidade passa através da família."
E mais, na chegada a Globo tinha um "especialista em assunto religioso" descontrolado:
"Fala-se do direito ao aborto com pleno reconhecimento legal por parte do Estado, e consequente execução gratuita por intermédio dos profissionais da saúde, como se houve algum direito ao assassinato."
Como se vê, d. Eugenio Sales fez-se representar, ontem.

A CNN, na versão em inglês, transmitiu a chegada do papa para o mundo durante longos dez minutos, ao vivo do Rio.
Saudou "o papa no Brasil, o maior país católico do mundo". Também todas as redes brasileiras, ou quase: Cultura, SBT, Globo, Manchete, CNT/Gazeta, Bandeirantes, TVE, Rede Vida, Globo News (esta, a cabo).
A exceção foi a Record, que é da Igreja Universal, evangélica e hostil à Igreja Católica.
No momento da chegada do papa, as demais com imagens iguais, a Record ensinava como preparar um bolo de chocolate que chamou de "Sapeca".
De outro lado, Boris Casoy passou no teste como âncora do "Jornal da Record". Recorreu a imagens da Cultura, mas deu primeira e segunda manchetes:
"O papa chega ao Rio falando sobre a necessidade de combater as desigualdades sociais."
"Milhares de pessoas estavam no trajeto do papamóvel para saudar João Paulo 2º."




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