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PT NO DIVÃ
Valdemir Garreta, do núcleo da campanha, afirma que atitude do senador contribuiu para derrota
Suplicy ampliou preconceito contra Marta, diz homem forte da prefeita
FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DE BRASIL
O senador Eduardo Suplicy é
um dos maiores responsáveis pela
criação e divulgação do preconceito de que seria vítima a prefeita
Marta Suplicy. Preconceito que é
apontado dentro e fora do PT como uma das causas -se não a
maior delas- da derrota para o
tucano José Serra no domingo.
Quem fala é um dos homens
fortes da prefeitura petista e da
campanha de Marta, o atual secretário de Abastecimento e Projetos Especiais, Valdemir Garreta.
Pouco conhecido fora do PT,
Garreta, 39, é provavelmente, depois do marido, Luis Favre, e do
candidato a vice, Rui Falcão, a
pessoa mais próxima da prefeita
no que se refere à política. Viveu a
campanha muito por dentro. Dificilmente há alguém mais informado sobre o que se passou e passa na cozinha do PT municipal.
A entrevista que segue foi realizada ontem, na sede do comitê
central de campanha. Um prédio
vazio e carregado de tristeza na
Vila Mariana. No que revela, Garreta acerta algumas contas. Além
de alegar que Suplicy sempre se
vitimizou, alimentando a fama da
mulher má, diz que o PT nacional
atrasou a parte que lhe cabia no
pagamento da produtora de Duda Mendonça, que parou por cinco dias no segundo turno.
Fala ainda que pôs o "pé na porta" quando o PT nacional quis incluir Maluf na propaganda de TV
e critica "a soberba" de alguns petistas assim que chegaram lá.
Folha - Como a campanha foi pensada e onde ela falhou?
Valdemir Garreta - Sabíamos que
seria uma campanha muito difícil. O Datafolha em junho dava
62% para o Serra e 29% para a
Marta na projeção de segundo
turno. Isso, em votos válidos, queria dizer 68% a 31%. Começamos
portanto 37 pontos atrás. E tínhamos noção dos problemas do governo: a forma de implementação
das taxas e a questão da saúde. Essas coisas foram galvanizadas pelo preconceito contra a Marta.
Um preconceito que foi construído ao longo de três anos e meio.
Folha - Quais são as motivações
deste preconceito?
Garreta - Foi determinante a atitude do senador Eduardo Suplicy
logo após a separação. Ele se colocou o tempo todo na mídia como
vítima, transformando a Marta
numa pessoa insensível, arrogante, indiferente ao que ele sentia.
Folha - O sr. pode exemplificar?
Garreta - Em vários momentos
ele constrangeu a Marta. Pessoas
civilizadas deveriam evitar isso.
Ele preferiu aparecer em público,
expor o problema. Fez isso em
dois ou três momentos da campanha com muita clareza.
Folha - Por exemplo?
Garreta - Uma semana antes do
segundo turno, a namorada dele
[Mônica Dallari] deu uma entrevista à revista "Veja", da qual ele
obviamente tinha ciência. Essa
entrevista amplificava todos os
preconceitos contra a Marta. E
tem quem diga que foi oferecida
primeiro a ele, que teria sugerido
a Mônica no lugar. Não sei. São
bastidores da imprensa.
Folha - Foi deliberado?
Garreta - O Suplicy tem como
estratégia sempre se vitimizar. Ele
não é uma pessoa ingênua. Tem
quase 30 anos de mandatos consecutivos. Não se pode dizer que
seja alguém despreparado para a
política. Durante a campanha, ele
ficou o tempo todo pedindo na
produtora para gravar, aparecer.
Confirma com o Duda [Mendonça, marqueteiro de Marta].
Quando as dificuldades ficaram
mais claras, ele passou a dizer que
não concordava com as críticas à
ação do Serra, feitas pelo Mercadante [Aloizio Mercadante, líder
do governo no Senado]. Ao fazer
isso, ao pedir um tom mais propositivo, ele já estava pensando
no seu futuro. Ele sabe que uma
parcela da classe média que não
votou na Marta é eleitora em 2006
para o Senado. Então, ele já está se
diferenciando do PT, de olho no
voto tucano. É a postura de algumas pessoas do partido: são do PT
na hora boa. Na hora má, sempre
têm uma crítica pública a fazer.
Folha - Isso é oportunismo?
Garreta - É uma ação calculada.
O Eduardo pensa muito nele. Na
última semana de campanha, ele
ia a quase todos os comícios para
repercutir na imprensa a polêmica da "Veja". Não parava de falar.
Não acho que estivesse pensando
na campanha nem na Marta. Ele
reforça a idéia do preconceito.
Transforma a Marta numa pessoa
má e alimenta a resistência contra
o PT. Isso vem de longe.
Folha - Pode fazer um histórico?
Garreta - Durante a campanha
da Marta à prefeitura em 2000,
quando eles ainda eram casados,
ele chegou a marcar uma data para o lançamento da candidatura
dele à Presidência. Eu e o Rui [Falcão, candidato a vice na chapa de
Marta neste ano] tivemos que ter
horas de conversa para demovê-lo. Mostramos a inoportunidade
daquilo. No meio do primeiro
turno, ele queria disputar com o
Lula. Era inconcebível.
Imagina o impacto político disso no PT. Isso corrobora o que eu
digo: ele via a eleição da Marta como um instrumento da candidatura presidencial dele. Mas a Marta é muito independente, muito
autônoma. Ninguém manda nela.
Ele queria um instrumento que
na prática não teve. Desde então,
o tempo inteiro ele tentou se vitimizar, sem medir as conseqüências para a imagem da Marta.
Folha - A prefeita ficou magoada
ou abalada por isso?
Garreta - Não conversei com ela
sobre isso. Falo por mim.
Folha - Mas o que o sr. diz é também o que outros pensam no partido. Quais as conseqüências que isso
pode ter internamente?
Garreta - O PT é um partido democrático. Do mesmo jeito que o
Lula passou por prévias, o Eduardo pode ter que passar. Agora, ele
é o nome natural ao Senado, uma
liderança expressiva e histórica
do PT. Acho apenas que nós precisamos parar de achar que existem pessoas boas e pessoas más.
As pessoas são complexas.
Folha - Ele apareceu pouco na
propaganda de TV de vocês.
Garreta - Nas pesquisas qualitativas, quando a gente testava os
comerciais com ele, as pessoas diziam: "Não usa isso não, vai relembrar a separação". Mas ele ficava lá, pedindo sempre para gravar.
Folha - Além do Suplicy, o que
mais pesou na derrota?
Garreta - São
Paulo é uma cidade historicamente
conservadora e
oposicionista.
Vota em lideranças conservadoras. Basta citar o
Maluf. Além disso, à exceção da
eleição do Pitta, a
cidade sempre
votou na oposição. Mas, mesmo
perdendo, a Marta e o PT saem do
governo bem
consolidados na
periferia. Só não
saem mais por
causa do problema na saúde.
Folha - O sr. reconhece um equívoco do governo na
área da saúde?
Garreta - Claro.
Um ano depois
que a Marta assumiu nós tínhamos o diagnóstico da incapacidade do Eduardo
Jorge [ex-secretário de Saúde] para executar. Só fomos demiti-lo
com dois anos.
Folha - Por quê?
Garreta - Porque ele era uma
pessoa respeitada e querida. Ele é
um bom teórico e muito pouco
prático. Perdemos dois anos
apostando que ele iria ser eficiente, ia dar certo. Além disso, pesou
uma atitude quase cristã. As pessoas diziam "não podemos fazer
isso com o Eduardo Jorge, ele é
muito legal". Ele é mesmo respeitado, mas como executivo é uma
tragédia.
Folha - Qual o grande mérito desta administração?
Garreta - Resgatar a cidadania
para milhares, milhões de pessoas.
Ontem [anteontem] eu estava na
casa de uma amiga. Ela chegou para a faxineira dela
e disse: "Você viu?
A Marta perdeu". E
a faxineira respondeu: "A Marta não
perdeu nada. Ela
continua rica, poderosa, bem casada. Quem perdeu
fomos nós". Essa
frase para mim resume o sentimento da periferia que
votou na Marta.
Folha - Como o sr.
vê a posição do Arselino Tatto, ameaçando acabar com
as taxas do lixo e da
luz?
Garreta - O Tatto
foi mal-interpretado. A postura do
PT é simples: se o
Serra quiser rever
as taxas amanhã, o PT votará a favor. Apesar de considerar que elas
foram necessárias para permitir
investimentos na cidade. É engraçado. Primeiro o Serra ia acabar
com as taxas. Foi chegando a eleição e ele disse que ia rever. Agora
já marcou a revisão para 2006. Ele
precisa explicar às pessoas qual
compromisso está valendo: o de
abril, o de agosto ou o de outubro.
O mesmo vale em relação ao
Orçamento. Acho que nós devemos chamar o prefeito eleito e nomear uma equipe para dialogar
sobre o Orçamento de 2005. Para
ele não poder dizer que o Orçamento não é dele. Quero que ele
expresse prioridades. Que diga
quanto vai investir no metrô.
Quantos CEUs vai fazer.
Folha - Qual a avaliação sobre o
programa do Duda Mendonça?
Garreta - O único problema que
houve com o Duda foi o atraso em
parte do pagamento da produtora. A Executiva Nacional e o Delúbio [Soares, tesoureiro do PT nacional] tinham que executar uma
parte e não executaram. Isso fez
com que a gente perdesse seis dias
da campanha no início do segundo turno. Ficamos cinco dias sem
produzir programas.
Folha - E o episódio da prisão do
Duda na rinha de galo? Prejudicou?
Garreta - Nenhum impacto. Mas
é claro que esse episódio carece de
uma investigação mais profunda.
A pessoa freqüenta o mesmo lugar há 17 anos, praticando contravenção. Na véspera da eleição, é
presa com um aparato típico de
quem vai prender um traficante
perigoso. Havia lá 60 policiais armados com metralhadora, máscara ninja. Tudo dentro da lei,
mas muito estranho.
Folha - Pesou na derrota alguma
frustração com o governo Lula?
Garreta - Acho que é um fator
secundário. O que não significa
que os centros urbanos, São Paulo
e Rio, possam ser desconsiderados. Acho que eles lá estão atentos. O governo Lula está no meio
do caminho. Seria uma leviandade responsabilizá-lo pela derrota.
Folha - E o Maluf?
Garreta - - O Maluf não queria
apoiar o Serra de jeito nenhum.
Responsabiliza o PSDB pela ação
do Ministério Publico. Ele vive o
estertor de sua liderança política.
Nós fizemos aquilo que achamos
razoável. Recebemos o apoio, a
declaração de voto.
O pessoal da Executiva Nacional do PT queria vê-lo na televisão
com a gente. Tinha gente que queria ele no nosso palanque. Tivemos que pôr o pé na porta.
Folha - A política de alianças da
campanha foi muito criticada. Ora
porque não trouxe o PMDB ora porque teria sido elástica demais.
Garreta - Veja o caso do Zé
Eduardo [José Eduardo Martins
Cardozo, deputado federal do
PT]. Vi uma entrevista dele criticando as alianças. Mas foi com essas alianças que ele se elegeu presidente da Câmara Municipal
duas vezes. As pessoas no PT não
podem ser hipócritas.
Folha - O sr. parece muito irritado
com certas pessoas no partido.
Garreta - Não é isso. Fico irritado
com pessoas que privadamente
são uma coisa e outra em público.
No privado, vale o raciocínio
pragmático. Na hora que acende a
luzinha, faz um discurso para a
TV. A soberba do poder é um dos
problemas de uma parcela do PT.
Folha - Qual parcela?
Garreta - Uma parcela.
Folha - E a mídia?
Garreta - Eu só peço que a mídia
trate o Serra com 50% do rigor
com que tratou a Marta. A mídia
esqueceu que houve o governo
Pitta. Esqueceu da situação desastrosa da cidade quando assumimos. E a mídia foi um dos instrumentos de reforço do preconceito
contra a Marta. Setores da mídia
trataram a Marta com uma agressividade impressionante. Quero
ver se os repórteres vão enfiar o
gravadorzinho na cara do Serra e
perguntar: "Prefeito, fomos no
posto de saúde e tem gente jogada
na fila". Isso serve para a Folha,
serve para o "Estado", serve para
o conjunto da mídia.
Folha - O PT deve ter qual atitude
em relação ao Serra?
Garreta - O PT deve ajudar o Serra a cumprir tudo o que prometeu. E ele prometeu o céu na terra.
A ampliação do Vai-e-Volta, a
manutenção dos CEUs, a integração do bilhete único, o investimento no Metrô, o investimento
no Rodoanel, a revisão das taxas,
as 100 mil vagas em creches. O
prefeito Serra terá total apoio do
PT para esse conjunto de coisas. E
a oposição radical do PT ao tentar
destruir essas coisas.
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