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Entrevista da 2ª - André Singer
Parceria PSDB-PT é inviável, afirma cientista político
PMDB não será o fiel da balança entre PT e PSDB, pois sempre se inclina para o favorito
O CIENTISTA POLÍTICO André Singer, 50,
diz que o PT se consolidou como partido
do proletariado, e o PSDB, como partido
da classe média. A polarização entre eles
impede que o projeto de união entre petistas e tucanos articulado pelo governador Aécio Neves (PSDB)
tenha êxito no plano nacional. Autor de "Esquerda e
Direita no Eleitorado Brasileiro" (2000) e ex-porta-voz do presidente Lula, Singer diz que o PMDB não será o fiel da balança, mas o termômetro: "O PMDB vai
se inclinar para onde o vento estiver soprando".
MAURICIO PULS
DA REDAÇÃO
Na entrevista a seguir, concedida na quarta, o professor do
Departamento de Ciência Política da USP observa que o DEM
se converteu em um partido
auxiliar da candidatura de José
Serra (PSDB) à Presidência.
FOLHA - Sua tese destaca a importância da identificação ideológica
para explicar o comportamento do
eleitor. Mas, numa eleição local, o
que distingue esquerda e direita?
Tanto Marta quanto Kassab prometiam construir hospitais, escolas...
ANDRÉ SINGER - A campanha de
São Paulo foi uma campanha
pouco ideológica de parte dos
grandes partidos, mas eu acredito que o corte ideológico está
acontecendo por baixo das
campanhas, no que diz respeito
ao alinhamento do eleitorado:
o eleitorado está se alinhando
ideologicamente. A eleição revelou alinhamentos que antes
não estavam postos da maneira
como estão colocados hoje.
FOLHA - Quais são eles?
SINGER - Existe uma consolidação do PT como o partido do
proletariado, e do PSDB enquanto um partido da classe
média. Esse é um alinhamento
de natureza social que envolve
aspectos ideológicos da maior
importância, e que se revelou
melhor na eleição de 2008, que,
por ser local, não é puxada por
candidatos nacionais. Ficou
mais claro o perfil dos partidos.
O PT está se consolidando
como um partido do proletariado. Se você olha para a Grande
São Paulo, o PT perde na capital, que é um distrito eleitoral
predominantemente de classe
média, mas ganha na maioria
das cidades do cinturão proletário de São Paulo -São Bernardo, Diadema, Osasco, Guarulhos. No Rio Grande do Sul, o
PT perdeu em Porto Alegre,
mas ganhou em Canoas; no Rio,
o partido teve pouca expressão
na capital, mas ganhou em Nova Iguaçu e Belford Roxo; em
Minas, não disputou diretamente em Belo Horizonte, mas
ganhou em Betim e Contagem.
Já o PSDB vai bem em Franca e São José dos Campos, que
têm uma classe média forte. A
grande capital que o PSDB ganhou foi Curitiba, típica cidade
de classe média. A vitória dos
Democratas em São Paulo é
também uma vitória do PSDB.
Formalmente é uma vitória dos
Democratas, porque Serra fez
uma costura política muito arriscada que acabou dando certo
e que colocou os Democratas
como partido auxiliar do PSDB
e particularmente da candidatura de Serra à Presidência.
FOLHA - Que papel no espectro
ideológico está reservado ao PMDB?
SINGER - O PMDB é o que a
gente poderia chamar de um
partido da classe política. Não é
um partido de classe. O PMDB
tem características muito adequadas para abrigar lideranças
políticas locais, pois tem a flexibilidade para que essas lideranças possam negociar posições
junto ao governo federal. Essa é
uma forma que liga eleições
municipais às eleições federais
e que faz com que lideranças locais que orbitam em torno do
centro, mas que podem se deslocar tanto para a direita quanto para a esquerda, encontrem
uma legenda nacional que as
permita estar em posições diferentes de acordo com as tendências do país. Isso significa
que o PMDB, ao contrário do
que tem se dito, não é o fiel da
balança: ele é o termômetro. O
PMDB vai se inclinar para onde
o vento estiver soprando. Pouco provavelmente o PMDB estará unido em qualquer das circunstâncias, como já não está
unido hoje. O PMDB de São
Paulo está com Serra, e o
PMDB do Rio está com Lula.
FOLHA - Isso explica por que o
PMDB está sempre se dividindo.
SINGER - Possivelmente continuará assim, porque essa é a característica que lhe dá força. O
que está se chamando de vitória do PMDB é na realidade a
vitória de uma forma política
que atrai lideranças locais. A vitória do PMDB em Salvador e
Porto Alegre é a vitória de lideranças locais que migraram de
outros partidos para o PMDB.
FOLHA - Na prática o PMDB cresceu
antes da eleição: elegeu 1.059 prefeitos em 2004, subiu para 1.212
com as trocas, e agora elegeu 1.202.
SINGER - Exatamente. Não é
uma vitória eleitoral: é uma vitória do jogo político. É que
houve uma migração para o
PMDB à medida que o partido
se alinhou ao governo Lula. O
enfraquecimento do Democratas tem a ver com isso: é que
uma parte de sua base migrou
para o PMDB porque este se revelou uma legenda mais confortável, porque pode oscilar
entre quem está no poder. Isso
faz com que o PMDB não tenha
uma característica definida,
nem ideológica nem social.
É diferente do caso dos Democratas, uma legenda que
procura se caracterizar ideologicamente: tem uma postura de
centro-direita. Essa postura
perdeu espaço, e o Democratas
está transitando de um partido
grande para um partido médio.
FOLHA - Um fato muito ressaltado
é a distância entre a aprovação a Lula e a votação dos candidatos que
ele apoiou. Por que parte do eleitorado apóia Lula, mas rejeita o PT?
SINGER - As pesquisas mostraram que houve uma ascensão
importante da aprovação ao governo Lula. Isso não significa
que as pessoas, por aprovarem
o governo, votarão automaticamente nos partidos ou candidatos desse governo. Essa ligação
não é imediata. Se você considerar que boa parte do PMDB
está associada ao governo, é
preciso contabilizar esses votos
como votos alinhados ao governo Lula, porém não ao PT. O PT
tem características próprias,
diferentes das características
do governo Lula. O PT está se
caracterizando agora, mais até
do que antes, como partido ligado ao proletariado, e nessa
medida ele é fortemente rejeitado pela classe média. A oposição PSDB-PT tem raízes sociais: o PT vai perder as eleições
sempre que o centro e a direita
estiverem aliados em circunscrições em que eles tenham a
maioria. Isso explica por que o
PT não tem, e não terá, o tamanho do apoio ao governo Lula.
FOLHA - É cedo para apontar as
perspectivas de eventuais candidatos governistas, como Dilma Rousseff, que hoje só tem 3% dos votos?
SINGER - É cedo no sentido de
que existe a dinâmica econômica entre este momento e
2010, e é cedo no sentido de
que sempre existem acontecimentos políticos que influenciam. Mas não é cedo para fazer
uma projeção com base nos dados que nós temos hoje. O fato
de Dilma ter uma intenção de
voto baixa é absolutamente natural. Em Belo Horizonte, Marcio Lacerda tinha baixíssima
intenção de voto até o início do
horário eleitoral. Grande parte
do eleitorado não acompanha a
política, não sabe quem são os
candidatos e as alianças que estão se formando. Esses eleitores precisarão ser informados a
respeito. A partir do momento
em que essa informação chegar, ela terá um efeito imediato: uma parte importante do
eleitorado quererá, por razões
objetivas, votar na continuidade deste governo, e uma parte
importante quererá votar contra. Isso independe um pouco
de quem seja o candidato. O
país está dividido entre uma
classe média que votará contra
o candidato do governo e um
proletariado que votará a favor.
Isso significa que a disputa de
2010 será muito dura.
FOLHA - Serra tem uma estratégia
de confronto com o governo Lula,
enquanto Aécio parece buscar uma
candidatura de consenso. Mas, dada
a polarização entre PT e PSDB, a opção de Aécio parece cada vez difícil.
SINGER - Na eleição de 2008,
Serra conseguiu dois trunfos.
Primeiro, conseguiu costurar
uma aliança com o Democratas, que foi um dos problemas
mais sérios que ele teve em
2002, quando afastou esse grupo da sua candidatura. Neste
momento ele fez uma ponte
com a ala direita da oposição, e
isso aumenta o cacife dele numa região que ele não tinha. O
segundo trunfo que ele conquistou foi uma aliança momentaneamente sólida com a
seção paulista do PMDB -leia-se Orestes Quércia. Isso significa que ele não tem a maior parte do PMDB, mas tem uma parcela importante, significativa.
A distinção entre Serra e Aécio é muito interessante porque há uma espécie de inversão. Serra cresceu porque, tendo sido um homem de esquerda, sabe como fazer política social. Não é por acaso que o governo dele, e depois o de Kassab
na cidade, deram continuidade
às políticas sociais do PT. Essa
foi uma das razões de sua vitória, porque ele soube somar o
apoio natural que esse bloco
tem junto à classe média com
uma certa penetração nas camadas de menor renda. Por outro lado, Aécio, que sempre está
dentro do espectro da oposição
mais à direita do que o governador Serra, fez uma aliança mais
à esquerda, com o PT.
O PT de Belo Horizonte fez
uma opção que aponta para um
possível caminho do PT -um
caminho mais centrista. Por razões de como está estruturado
o jogo político e ideológico no
Brasil, não há nenhuma possibilidade de aliança nacional. E,
porque ela não existe, esse experimento de Belo Horizonte é
um experimento artificial. Essa
característica artificial foi notada pelos eleitores, e por isso
Marcio Lacerda teve dificuldades para ganhar no primeiro
turno. É um arranjo de conveniências locais com alguma incidência sobre o jogo político
nacional, mas que provavelmente não terá muita influência, a menos que Aécio decida
sair do PSDB. O que considero
muito pouco provável.
FOLHA - É improvável que ele saia
candidato pelo PMDB?
SINGER - Acho muito improvável porque me parece que, embora os políticos sejam muito
flexíveis, os cortes sociais e
ideológicos não são. Aécio sabe
disso e sabe que ele terá um
prejuízo muito grande saindo
do PSDB. A disputa brasileira
se dará, por muito tempo, entre
dois grandes projetos representados pelo PT e pelo PSDB,
que são projetos diferentes,
embora eles tenham tentado
aliança em Belo Horizonte, que
a meu ver não deu certo. Creio
que o que aconteceu em Belo
Horizonte terá servido mais
para Aécio se manter em evidência e participar do jogo numa condição em que, até por
sua juventude, lhe permitirá
ainda dar muitos passos pela
frente e ser um personagem
importante da política brasileira. Mas não saindo do PSDB.
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