São Paulo, terça-feira, 03 de dezembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Bloco comercial enfrenta a sua maior crise

CLÁUDIA TREVISAN
EDITORA-ADJUNTA DE BRASIL

O Mercosul "relançado" ontem pela enésima vez na visita de Luiz Inácio Lula da Silva à Argentina enfrenta a crise mais grave desde sua implementação, em 91. O fluxo de comércio entre os quatro sócios despencou nos últimos 12 meses e está hoje no mesmo nível de uma década atrás, antes da redução de tarifas dentro do bloco.
Não por acaso, Lula adotou ontem em Buenos Aires um discurso político, que privilegia a integração institucional em detrimento da comercial: defendeu o parlamento do Mercosul e a adoção de uma moeda comum.
Mas é inegável o estrago que a crise argentina e a instabilidade econômica no Brasil provocaram no principal objetivo do Mercosul, que é o aumento do comércio regional. Todos os sócios reduziram a importância econômica que tinham para seus parceiros, a ponto de pulverizar os avanços obtidos na última década com a integração e o corte de tarifas.
As vendas do Brasil para a Argentina sofreram o maior golpe. Entre janeiro e outubro, as exportações caíram 60%, para US$ 1,87 bilhão, o que derrubou o país vizinho da segunda para a quinta colocação no ranking dos principais destinos de produtos brasileiros, atrás dos Estados Unidos, União Européia, Holanda e México.
A Argentina fica com 3,7% das exportações brasileiras, um terço do que era registrado no ano passado. O vácuo deixado pelo país vizinho foi ocupado pelos EUA, que passaram a ser o principal mercado para o Brasil, superando a União Européia. Entre janeiro e outubro, os norte-americanos garantiram 25% das vendas externas brasileiras, com a aquisição de bens de alto valor agregado, como aviões e celulares.
É nesse cenário que entra a discussão sobre a conveniência de o Mercosul negociar um acordo de livre comércio com os Estados Unidos, que seria implementado antes da criação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), prevista para 2005. A idéia foi defendida pelo senador eleito Aloizio Mercadante, um dos principais líderes do PT, e conta com a simpatia da Argentina.
Os Estados Unidos começaram a negociar uma série de tratados bilaterais de livre comércio a partir de agosto, quando o Congresso norte-americano aprovou a TPA (Autoridade de Promoção Comercial), que dá ao presidente George W. Bush poder para negociar acordos sem o risco de eles serem alterados pelos parlamentares. A estratégia norte-americana significa que a Alca poderá ser implementada aos poucos, com a liberação do comércio entre os EUA e determinados países.
Apesar do discurso que privilegia o Mercosul, Lula poderá ser obrigado a adotar uma postura mais pragmática e entrar na onda de negociações diretas com os norte-americanos. Ainda não está clara a posição do novo governo, mas alguma pista deverá ser dada no encontro que Lula e Bush terão na próxima semana.


Texto Anterior: Lula quer União Européia como modelo para Mercosul
Próximo Texto: Cepal defende criação de "lei" para moratória
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.