São Paulo, domingo, 03 de dezembro de 2006

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ELIO GASPARI

A conta equatoriana da prepotência de Bush



O presidente Rafael Correa quer que os EUA saiam da base de Manta em 2009. Faz muito bem

COMEÇOU UMA boa encrenca para a diplomacia imperial do governo de George Bush. A eleição de Rafael Correa para a Presidência do Equador confrontou a política de canhoneiras que os Estados Unidos tentam impor à América do Sul. Ele anunciou que mandará para casa os 400 militares americanos da base aeronaval de Manta, onde os Estados Unidos construíram uma das melhores pistas de pouso do continente.
A base de Manta foi cedida em 1999, por dez anos, para permitir a vigilância do cultivo de coca na Colômbia e do narcotráfico internacional naquele pedaço da costa do Pacífico. Até aí, tudo bem.
A prepotência revelou-se nos lances seguintes. Os americanos transformaram o que seria uma colaboração contra o narcotráfico numa operação policial doméstica. Navios da guarda-costeira e da Marinha dos Estados Unidos passaram a patrulhar águas equatorianas. Capturaram dezenas de barcos e detiveram milhares de cidadãos. Puseram a pique pelo menos oito embarcações (vazias).
Em 2001, uma fragata apresou o pesqueiro Daiki Maru. Prenderam a tripulação por cinco dias e esburacaram o casco do barco. Não acharam nada e deixaram um prejuízo de US$ 2 milhões. O dono do pesqueiro processou a governo americano numa Corte de Miami.
No ano passado, um ex-funcionário da empreiteira de segurança DynCorp foi ao ar oferecendo empregos de até US$ 5 mil no Iraque. Recrutava nativos para trabalhar num país ocupado militarmente pelos Estados Unidos. Um grupo de trabalho da ONU que investiga o mercado de mercenários foi a Manta e divulgou um relatório em setembro.
O presidente Rafael Correa quer que os americanos façam as malas em 2009. O contrato inicial podia ter justificativa. Sua degradação recomenda o fim da experiência.
Briga boa, pois, se a América do Sul não acordar, a próxima base de Guantánamo ficará aqui por perto.

FLORIANO SOUBE OUVIR AS CANHONEIRAS

A base americana de Manta parece uma coisa longínqua, assim como o projeto de outra, a de Marechal Estigarribia, no Paraguai, parece coisa arquivada. Para quem dorme em berço esplêndido, a soberania nacional brasileira soa como um atributo concedido por Deus. Engano.
Em 1964, os americanos armaram uma frota para apoiar a rebelião que depôs o presidente João Goulart. Não foi necessária. Em 1941, planejaram o bombardeio das praias de Natal, para ocupar o aeroporto da cidade, essencial para o esforço de guerra dos Aliados. Também não houve necessidade.
Outra intervenção, mais remota, é menos conhecida. Em 1893, quando o almirante Custódio de Mello rebelou a Marinha contra o governo do marechal Floriano Peixoto, os Estados Unidos puseram na baía de Guanabara cinco navios de guerra, o equivalente a 80% de sua esquadra no Atlântico Sul. Foi a maior mobilização naval americana em águas estrangeiras. Seis representantes de potências européias recomendavam o reconhecimento do governo rebelde. Quando Custódio anunciou que bloquearia a baía, o almirante Andrew Benham avisou que furaria a couraça a bala. Numa rápida sucessão de acontecimentos, Benham entrevistou-se com Floriano num dia e o marechal convocou eleições presidenciais no outro. Acabou assim a fase crítica da Revolta da Armada (e da banca).
O que o almirante falou com Floriano não se sabe, pois seus telegramas estão indecifrados. Ocorrida cinco anos antes da intervenção na guerra pela independência de Cuba, a ação de Benham é considerada o primeiro episódio da diplomacia das canhoneiras americanas. (Essa história, com suas conexões comerciais e financeiras, está no excepcional livro "Trade and Gunboats" -Comércio e Canhoneiras-, do historiador americano Steven Topik, infelizmente inédito em português.)

BRASIL GRANDE
David Rockefeller passou uns dias em SP. Impressionou-se com o tráfego de helicópteros e ficou com a suspeita de que o de Nova York é menor. A classe média americana não está preparada para a pujança de Pindorama. O dr. vai a pé do escritório, no Rockefeller Center, a seu restaurante predileto, o Four Seasons.

LULA KETI
Durante o tucanato, a ekipekonômica só anunciava a doutrina Zé Keti de desenvolvimento no fim de dezembro. Diante dos números ruinosos de cada ano que terminava, sacava contra o futuro: "Este ano não vai ser igual àquele que passou". Em maio de 2003, Nosso Guia informou: "Como diria meu lado musical, estamos afinando a orquestra. Logo o espetáculo do crescimento vai começar". Diante da ruína de 2006, após três anos de desafino, seu lado teatral invocou Zé Keti ainda em novembro: "Não estou mais pensando em 2006".

QUARUP
Não é justo reclamar da Vale do Rio Doce por não repassar os R$ 9 milhões que prometera aos xicrins. Ela trocou de tribo. Em vez de ajudar os xicrins, socorre o cacique Lula. Deu R$ 4 milhões a Nosso Guia e R$ 36 milhões a outros candidatos. O Bolsa-Vale ajudou a eleger 46 deputados.

MAU CAMINHO
Celso Amorim não tem caneta nem tinta para segurar o surto napoleônico de que está atacado. Demitiu o embaixador em Washington com telegrama de motorista. Dispensou o cacique Paes de Andrade da Embaixada em Lisboa por telefone. Pela narrativa da vítima, de forma pouco elegante. Há chanceleres que passam pelo poder como se ele fosse só um trecho do percurso. (Vasco Leitão da Cunha e Mário Gibson Barboza, por exemplo). Outros supõem que o Diário Oficial traz glória eterna. A vida lhes reserva tristeza e ressentimento.

MINISTRO 7X3
O ministro Joaquim Barbosa, do STF (Supremo Tribunal Federal), corre o risco de se transformar num minoritário crônico.
Homem de etiqueta própria, convive com dez colegas e já se desentendeu com três deles.
Marco Aurélio de Mello chegou a negar-lhe a mão.
Eros Grau deixou de cumprimentá-lo por bom tempo. Voltaram à cordialidade há pouco, graças aos bons ofícios do ministro Carlos Brito.
Um terceiro, Gilmar Mendes, mantém com Barbosa relações monossilábicas.

EREMILDO VAI À CNI
Eremildo é um idiota e quer entrar numa reforma proposta por empresários. Qualquer uma.
Entusiasmou-se ao ouvir o doutor Armando Monteiro Neto, presidente da Confederação Nacional da Indústria, afirmar o seguinte:
"Ligar a ignição do crescimento exige atacar frontalmente a questão fiscal. Esse não é um problema que admite soluções simplistas. Reconhecer sua complexidade é o primeiro passo para acertar".
Como o idiota acha que toda platitude tem um fundo de verdade, foi buscar luzes na CNI.
Achou uma reivindicação: os doutores querem ampliar o tempo de recolhimento dos impostos que devem à Viúva. Atualmente ele é de 30 dias, na média. Parece que querem 45.
Eremildo vai procurar o doutor Armando para pedir que batalhe pela extensão desse benefício aos impostos que paga. São todos retidos na boca do caixa, tanto do salário que recebe como da cachaça que bebe.


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