São Paulo, quarta-feira, 03 de dezembro de 2008

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ELIO GASPARI

De J.P.Morgan@com para Meirelles@gov.br


Todo banqueiro tem sempre dois motivos para explicar o que faz: o bom motivo e o verdadeiro

E STIMADO Henrique Meirelles,
Acabo de saber que, pela segunda vez em poucas semanas, um funcionário do Morgan Stanley previu que a economia brasileira entrará em recessão no próximo ano. Daqui de onde estou desde 1913, sei exatamente o que vai acontecer, mas não posso contar. Escrevo-lhe porque o nome de minha família tornou-se sinônimo de autoridade no mundo financeiro.
Esse Morgan Stanley foi criado por um neto meu. Fui perseguido por carbonários, jornalistas e demagogos, mas o senhor sabe que conheço o ofício. Numa época em que não existiam bancos centrais (talvez fosse melhor que não existissem, pois são produto da falta de caráter de meus pares), fui de fato a autoridade monetária dos Estados Unidos.
Dissolvi dois pânicos. Um deles, enquanto jogava paciência.
Escrevo-lhe para pedir que o Brasil combata a feitiçaria que se instalou no mercado. Nenhum garoto do Morgan Stanley previu que Wall Street iria à garra. Não se diga que são bobos e mal pagos. Entre 2003 e 2007 os cinco maiores bancos de investimentos americanos distribuíram US$ 39 bilhões em bônus aos seus empregados e diretores.
Uma quantidade de dinheiro dez vezes superior a tudo o que deixei, em bens e obras de arte. (A Madonna Colonna, de Raphael, custou-me o equivalente a US$ 15 milhões de hoje.) O ano de 2008 está no fim e, das 5 casas, 2 fecharam as portas.
Há poucas semanas, em apenas três horas, as ações do Morgan Stanley perderam 28% do seu valor. O Henry Paulson acreditou que esse era um movimento do mercado. (Eu não confio em banqueiro magro.) Era pura magia negra. Doutor Meirelles, creia no que lhe digo: sempre segui o conselho de meu pai de não especular com papéis. Como me tornei J. P. Morgan? Comprando empresas, indústrias e ferrovias. Na recessão de 1893 quebraram 15 mil empresas e 60 bancos. Eu juntei os cacos.
Toda pessoa tem sempre dois motivos para explicar o que faz: o bom motivo e o verdadeiro. Sabemos que não se pode separar a boa razão que leva um banqueiro de hoje a fazer uma estimativa, do verdadeiro interesse que o leva a dizer o que diz. Às vezes o bom motivo é também o verdadeiro, mas há muito tempo a real cobiça abafa a boa análise. Dê uma olhada nos arquivos do Banco Central do Brasil e veja como o milagre econômico dos anos 70 era festejado em Nova York, mesmo quando sabíamos que seu país fora à breca. (Vocês nos avisaram em outubro de 1982, mas a conversa foi secreta. O Paul Volcker sabe desse caso.)
Passe os olhos nas declarações dos banqueiros que defendiam o câmbio fixo em 1998.
Não podemos impedir que os moços do Morgan Stanley prevejam uma recessão no seu país, até porque, se ela for iminente, será útil dar-lhes atenção. Sugiro que se busque um ponto de equilíbrio entre o mercado das previsões e o verdadeiro serviço de um banqueiro. Enquanto eu trabalhei, podia ocupar a mesa de qualquer funcionário da Casa de Morgan e continuar o seu serviço a partir do ponto em que ele o havia deixado. Hoje o fundo de hedge que contratou o Lawrence Summers orgulha-se de assalariar jogadores de xadrez para estudar combinações financeiras. E vocês ainda estão procurando a origem da crise?
Eu conheço Wall Street. De lá não virá remédio. Denunciem, exponham a anomalia.
Fique com os cumprimentos do seu colega,
John Pierpont Morgan


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