|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Brasil participou da Condor, diz Passarinho
Ex-ministro do regime militar pondera que país não teria extraditado militantes se soubesse que eles seriam mortos
Ele diz que ação da Itália contra militares brasileiros permite que outros países processem esquerdistas que mataram estrangeiros aqui
LEANDRO BEGUOCI
DA REPORTAGEM LOCAL
O coronel reformado do
Exército Jarbas Passarinho, 87,
foi ministro de três dos cinco
generais que governaram o país
durante o regime militar (1964-1985). No final da década de 70,
quando era senador, foi líder do
governo João Baptista Figueiredo na Casa. Foi nessa época,
diz ele, que soube da existência
da Operação Condor.
Segundo Passarinho, a participação do Brasil foi muito limitada. "Nós prendíamos e
mandávamos de volta", afirma.
"Se soubesse que, mandando
para a Argentina, a pessoa ia ser
morta, tenho a convicção de
que o governo não mandaria."
O ex-ministro diz ainda que a
decisão da Justiça italiana de
solicitar a prisão de brasileiros
pela morte de cidadãos italianos abre precedente para que
outros países processem os militantes da esquerda armada
que mataram estrangeiros como o capitão norte-americano
Charles Chandler, em 1968.
Na opinião de Passarinho,
um dos resultados de medidas
como essa é o desalento provocado em alguns setores das
Forças Armadas. "Os mais
amargurados se perguntam se
não era melhor ter entregue o
país aos comunistas em 68".
FOLHA - O Brasil participou da Operação Condor?
JARBAS PASSARINHO - Eu só tinha
a informação de que havia uma
lista com nomes de pessoas que
tinham ficha em seus países.
Quando a pessoa queria entrar
no Brasil, se não fosse clandestinamente, se o nome dela estivesse nessa lista, era impedida
e voltava para o país de origem.
Nós prendíamos e mandávamos de volta, onde ela ia ser julgada. Isso não é crime.
Eu defendo as pessoas do governo porque as conheci durante a vida, e não por indícios
como faz o juiz italiano.
FOLHA - Muitas pessoas não foram
julgadas, foram mortas ao voltar.
PASSARINHO - Um pândego da
OAB disse que é a mesma coisa
que levar um caminhão, no
tempo do nazismo, cheio de judeus para serem sacrificados.
Isso é demais. Não passou de
uma troca de informações.
Porque se soubesse que,
mandando para a Argentina, a
pessoa ia ser morta, tenho a
convicção de que o governo não
mandaria. Não era garantido
que voltava para ser morto. Se
soubesse que as pessoas iam ser
mortas, elas teriam sido mantidas presas por aqui. E também
a Argentina não pedia para matar, mas para julgar. Os guerrilheiros faziam tribunais de exceção e matavam na hora.
Semana passada, li um relatório da CIA. Fala que houve
um treinamento para assassinos argentinos, chilenos e uruguaios. O Brasil se recusou a
participar, segundo o relatório.
Eles seriam destacados para assassinar no exílio as pessoas
consideradas perigosas. Isso o
Brasil nunca fez.
O que parece ridículo são as
pessoas que dizem que não podia extraditar senão de acordo
com a lei. A gente estava em
uma guerra! Uma guerra não-declarada. Não ia prender o sujeito para depois o Supremo
Tribunal Federal se pronunciar. Nós estávamos com o
AI-5. É de uma injustiça brutal.
FOLHA - Por que injustiça?
PASSARINHO - Essas pessoas foram presas lendo a Bíblia? Elas
vieram para cá como comunistas, como no Chile. Depois do
AI-5, o meu amigo Fernando
Henrique Cardoso e o meu
amigo José Serra saíram com
bagagem despachada e passaporte. Quando chegaram ao
Chile de Salvador Allende, foram imediatamente abrigados.
Havia uma rede internacional capaz de abrigar as pessoas
que iam de um país para o outro
como exilados. Não havendo
realmente a anistia como esquecimento, não tem jeito. Esse Paulo Vannuchi [ministro da
Secretaria Especial dos Direitos Humanos] fica querendo
revogar a Lei da Anistia, que
nunca foi lei de efeito binário,
sempre foi para um lado só.
E os estrangeiros que foram
mortos pelo outro lado? Não
podem pedir reparação? O
Charles Chandler, dos EUA,
por exemplo.
FOLHA - Qual o saldo desses processos até agora?
PASSARINHO - Os mais amargurados se perguntam se não era
melhor ter entregue o país aos
comunistas em 68. Correram
risco de vida, alguns foram
mortos. Houve 200 mortes do
lado de cá. Isso não se fala nunca. Mas eu tenho a consciência
tranqüila. Não tenho as mãos
sujas de sangue.
Texto Anterior: Presidente quer idéias de como gastar melhor Próximo Texto: Frase Índice
|