|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Obra não alivia falta d'água na zona rural
Projeto do governo não prevê sistema de bombeamento da água transposta para canais para levá-la ao interior dos
municípios
Apesar de serem cortadas
pelo São Francisco, cidades
do semiárido de MG e BA
sofrem com a estiagem e
não têm acesso a água doce
EDUARDO SCOLESE
ENVIADO ESPECIAL A SERRA DO RAMALHO (BA) E A ITACARAMBI (MG)
No semiárido, ter água no
município não significa necessariamente usufruí-la, como
revelam as realidades de Serra
do Ramalho (BA) e de Itacarambi (MG). Esses municípios
são cortados pelo rio São Francisco, mas habitantes da zona
rural sofrem com a falta d'água.
No município baiano, a 859
km de Salvador, por exemplo,
todos os dias moradores de diferentes povoados se organizam em filas para esperar uma
água que nem sempre chega.
Outros, de localidades mais
distantes, têm a situação mais
complicada: como a água do
São Francisco não chega nem
de vez em quando, são obrigados a beber a água salgada (com
calcário) dos poços artesianos.
Em Itacarambi (a 673 km de
Belo Horizonte) a realidade é
parecida. Comunidades da zona rural não recebem as águas
do rio. "Teria de haver um investimento muito alto. A população não morre de sede, mas
perde o gado e a produção no
período de estiagem", afirma a
coordenadora local da Defesa
Civil, Maria Oliveira.
Quando fala na transposição,
o governo se refere à abertura
de dois grandes canais para
abastecer rios, açudes e adutoras nos Estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande
do Norte, onde vivem 12 milhões de pessoas. Não há, porém, nenhum plano traçado para tirar a água desses canais e
levá-la para o interior dos municípios e do próprio Estado.
Os exemplos vistos em Serra
do Ramalho e em Itacarambi
indicam que, mesmo que essa
água transposta passe dentro
do município, ela não serve de
nada, caso não tenha um sistema local de adutoras largas e
com bombeamento possante
para tirá-la dos canais e distribuí-la aos habitantes da sede e
dos povoados.
O rio passa desde sempre por
Serra do Ramalho e até hoje
não há uma solução para a falta
d'água para os moradores locais. No ano passado, por exemplo, o município também cortado pelo rio Corrente passou
seis meses em estado de emergência por conta da estiagem.
Renice dos Santos, 40, casada
e mãe de três filhos, vai pelo
menos duas vezes por semana
ao chafariz do povoado em que
vive para encher quatro galões
de água, dois com 50 litros e
dois com 30 litros. "Eu chego às
7h, mais ou menos. Se a água
não chegar na mangueira até as
10h, vamos todos embora, porque nesse dia não vem mais."
A água só chega ao chafariz
em que está Renice, caso não se
esgote no caminho. Puxada do
rio, ela abastece o centro da cidade, e o que sobra é distribuído para 14 dos 19 povoados,
chamados de agrovilas.
A partir do centro, a água segue por uma tubulação menor.
Distribuída em sequência, ela
só chega ao chafariz da Agrovila
4, por exemplo, se não se esgotar na Agrovila 6, onde está Renice e o lavrador aposentado
Geraldino Albuquerque, 79.
"Só não venho pegar água todo
o dia porque eu não aguento [o
peso do galão de 30 litros, puxado num carrinho de mão."
Não há tubulação para quatro das agrovilas. "Para eles não
têm [distribuição]. O jeito pra
eles é tomar água salgada mesmo", afirma João Neto Silva,
45, diretor do órgão da prefeitura que distribui a água.
A água salgada, dizem, não é
indicada nem mesmo para regar plantas. "A gente bebe do
poço mesmo. [Políticos] prometem, mas nunca fazem nada", diz Ilma dos Santos, 21, que
vive na Agrovila 17, onde a água
do São Francisco não chega.
Quem quer beber água doce
nessa agrovila precisa pagar
R$ 10 para um morador local
que recolhe os galões do interessado e busca água todos os
dias na Agrovila 6.
Serra do Ramalho foi criado
nos 70, tendo como pioneiras
as famílias desalojadas pela
barragem de Sobradinho, no
norte baiano. O município tem
2.668,30 km2, o equivalente à
soma das áreas de São Paulo,
Campinas e Guarulhos.
Publicidade
A propaganda oficial de que
12 milhões de nordestinos terão água assegurada com a
transposição de parte das águas
do rio São Francisco não pode
ser levada ao pé da letra, de
acordo com a CPT (Comissão
Pastoral da Terra).
"É uma contradição que denunciamos. No Vale do São
Francisco há municípios que
não têm sistema de abastecimento urbano", diz Roberto
Malvezzi, pesquisador da CPT.
Procurado, o Ministério da
Integração Nacional informou
que, até 2010, investirá R$ 300
milhões no programa Água para Todos, na implantação de
projetos de abastecimento de
água potável em Minas Gerais e
em quatro Estados do Nordeste
(AL, BA PE e SE).
Texto Anterior: Lula quer entregar parte de obras no São Francisco em 2010 Próximo Texto: Transposição pode irrigar maconha em Pernambuco Índice
|