São Paulo, segunda, 4 de janeiro de 1999

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DESENVOLVIMENTO
Novo ministro afirma que pretende fazer com que as pequenas e médias empresas exportem mais
Indústria não terá protecionismo, diz Lafer

Juca Varela - 28.dez.98/Folha Imagem
O ministro do Desenvolvimento, Celso Lafer, que diz pretender acatar as definições da política econômica de Pedro Malan


CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília

ELIANE CANTANHÊDE
Diretora da Sucursal de Brasília


Na primeira entrevista como ministro do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio, Celso Lafer mandou dois recados à grande indústria nacional: o governo não adotará políticas protecionistas e sua prioridade serão as pequenas e médias empresas, inclusive na área de exportação.
"Vamos respeitar os compromissos internacionais assumidos, mas não vamos avançar além disso", disse Lafer para justificar por que o protecionismo não voltará.
Em mangas de camisa, conversou 70 minutos com a Folha, ontem, véspera de assumir o cargo, em seu gabinete, no sexto andar do antigo Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo.
De acordo com seu raciocínio, em um mundo interdependente como o atual, a multilateralidade é uma defesa para o Brasil.
"Nós somos um país que é um grande "global trader', mas um pequeno "global player'. É melhor, portanto, viver de acordo com as regras multilaterais do que sem elas", afirmou.
Para fazer isso com maior eficiência, argumenta Lafer, é preciso continuar importando, mas também exportar mais.
Seu projeto é fazer com que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) se converta num banco de comércio exterior.
A ênfase nesse setor será colocar pequenas e médias empresas no circuito de exportação. Cerca de 200 companhias respondem por mais de 80% do comércio exterior brasileiro, e Lafer quer mudar isso.
"A pequena e média empresas fazem parte do tecido social brasileiro. Se nós adensarmos o seu papel nas cadeias produtivas, estaremos fortalecendo o tecido social do país", afirmou.
² Faltam instrumentos
Lafer reconhece que o seu papel para estimular o desenvolvimento nacional será limitado porque os grandes obstáculos para esse processo estarão fora do alcance de seu ministério.
Ele listou quatro empecilhos para o crescimento econômico: o "custo Brasil" (características próprias do Brasil que tornam o país muito caro para o investidor), a estrutura tributária, o custo do capital (juros) e a política de câmbio.
Com exceção do "custo Brasil" (que tem alguns aspectos que poderão ser equacionados pelo Ministério do Desenvolvimento), Lafer admite que todos os outros problemas estão na alçada exclusiva do Ministério da Fazenda.
Ele já deixou claro, desde o dia em que foi indicado para o cargo, que acata as definições da política econômica feitas pelo ministro Pedro Malan. No entanto, repetiu várias vezes ontem que pretende ser um "interlocutor" ("não porta-voz") junto a Malan, para levar pontos de vista do empresariado.
Para Lafer, a reivindicação mais justa dos empresários é a de que deve haver "isonomia competitiva" entre os produtos nacionais e os estrangeiros. E ele pretende conversar com Malan sobre o que pode ser feito para garanti-la.
²
Efeito psicológico
Embora concorde que muito do que está a seu alcance realizar levará tempo para acontecer e que os empresários estão em busca de alguns sinais concretos e rápidos de ação, Lafer diz que seu trabalho já tem apresentado resultados.
Por exemplo, a Taxa de Juros de Longo Prazo (usada para empréstimos de investimentos) caiu de 18,06% para 12,84% ao ano após "pedido explícito" de Lafer a Malan, que concordou que a metodologia de cálculo da TJLP precisava ser alterada.
Lafer diz que "não pode nem quer fazer milagre". "Se eu puder dar ao empresariado brasileiro a segurança de que terá no ministério um interlocutor sério, confiável, atento aos seus problemas e aberto para encontrar soluções para eles, terei feito meu papel."
Ele, entretanto, não descartou a possibilidade de medidas mais rápidas a favor do setor industrial: "Aguardem...", disse, com um ar maroto e sem deixar pistas.
Para realçar que atuará em harmonia com a política macroeconômica do governo, Lafer afirmou que "não há contradição entre defender a estabilidade da moeda e estimular o desenvolvimento".
De acordo com ele, "não há competitividade sem moeda estável". Ele citou o exemplo do euro como uma prova dessa teoria: "A necessidade de uma moeda estável comandou as discussões do euro".
Quando o país vivia sob a inflação, disse Lafer, a "variável chave" do empresário era proteger seus ativos; a maior parte da sua energia era gasta com essa tarefa, pouco restava para pensar em formas e estratégias de como aumentar a competitividade de seu produto.
Por isso, seu ministério não será um pólo alternativo à atual política econômica, mas "uma complementação estruturada" a ela.
² Personalidade
Lafer disse ter conversado bastante com Luiz Carlos Mendonça de Barros, que foi o idealizador e já estava convidado para o cargo que ele agora ocupa, mas deixou o governo por causa da crise dos grampos telefônicos.
A visão dos dois sobre o ministério, sua importância e suas funções coincide muito, de acordo com a avaliação do ministro.
Agora, ele pretende fazer o que Mendonça de Barros já havia feito ao se preparar para o ministério: viajar pelo país, conhecendo a realidade de setores e de indústrias fora do eixo Rio-São Paulo.
Lafer admite haver uma diferença de personalidade entre ele e Mendonça de Barros. "Mas ninguém monta ou concebe uma estratégia para depois construir uma personalidade para realizá-la."
Cada pessoa tem a sua estratégia de personalidade, argumentou Lafer. "Ninguém pode pedir a Fernando Henrique que seja como Antonio Carlos, ou vice-versa, e os dois são muito bem-sucedidos", disse, referindo-se aos presidentes da República e do Congresso.
A experiência pessoal de Lafer, de acordo com sua própria apreciação, o qualifica para o cargo.
Ele lembrou sua prática de 30 anos como empresário: "Eu sei o que é investir, fazer projetos, pedir financiamento, vender um produto; eu conheço o chão das empresas". Aos críticos que o consideram um teórico, responde: "Quem passou tanto tempo em empresas está acostumado a decidir".
Os últimos anos como embaixador do Brasil junto à Organização Mundial do Comércio também o credenciam, a seu ver, para os desafios do ministério.
"Na OMC, pratica-se a diplomacia do concreto. Estamos lidando ali com produtos reais. Para poder defender os interesses do Brasil, tive de ouvir produtores agrícolas, industriais, sindicalistas, empresários da área de telecomunicações, autoridades financeiras."
²
Amigo do rei
Outra condição que Lafer, 57, julga ter para a função é a amizade de 35 anos com o presidente Fernando Henrique Cardoso, a quem conheceu quando FHC preparava seu famoso estudo sobre o empresariado brasileiro, nos anos 60.
Depois, os dois compartilharam interesses acadêmicos, fundaram juntos o Cebrap (um centro de estudos sociais) e atuaram no MDB (o partido de oposição no regime militar). Lafer participou de todas as campanhas eleitorais de Fernando Henrique.
Entre as medidas mais rápidas que Lafer pretende tomar (em menos de seis meses) está a instalação de um conselho de empresários, que terá dois objetivos: sinalizar, de maneira estruturada, como deve ocorrer o diálogo entre o empresariado e o governo e participar do encaminhamento a ser dado aos seus problemas.
O conselho terá representação pessoal, não institucional, não será grande (algo como 12 pessoas) e terá abrangência nacional.



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