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JANIO DE FREITAS
A rebelião silenciosa
Chinaglia foi a face exposta de uma operação com inteligência e habilidade como não se via há muito
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O CENÁRIO produzido pela
eleição para presidente da
Câmara é muito menos linear do que suas interpretações,
com uma divisão de derrotas e vitórias que nada tem de simplória.
As observações necessárias começam pela natureza da candidatura de contestação apenas aparente a
Aldo Rebelo. Arlindo Chinaglia lançou-se mais do que à revelia de Lula,
que tinha Aldo como seu candidato
explícito. Chinaglia foi um desafio
não verbalizado, mas praticado com
clareza e determinação, sem momento algum de recuo diante do desagrado de Lula. Não consultado e
surpreendido pelo correligionário,
Lula procurou guardar o seu perceptível aborrecimento, na medida
possível, por ainda serem mais promissoras as perspectivas de Aldo
Rebelo e, seja lá em que proporção
for, pelo previsível desgaste de afastar de campo mais um petista da
primeira linha.
Quando, evidenciada a recusa da
bancada e da direção petistas a
pressionar Chinaglia, Lula o chamou com Aldo ao Planalto, o propósito não haveria de ser, claro, a retirada do seu candidato. O teor da
conversa não foi revelado, a imprensa atribuiu-o à advertência
contra um "tertius" a la Severino,
mas a fisionomia de Chinaglia e
suas poucas palavras a respeito
("continuo candidato e vou até o
fim", entre outras de igual sentido)
não escondia uma situação de constrangimento. A sisudez de Aldo resumia o propósito frustrado.
Mesmo que a atitude do PT fosse
só de passividade, já seria algo novo
em sua relação com Lula e o governo. A extensão da atitude, porém,
indicou mais do que isso: por trás da
candidatura desafiante havia um
entendimento amplo, envolvendo a
bancada e, se não toda, parte importante da direção petista. O que logo
se confirmaria na atividade, subterrânea mas intensa, em favor de Chinaglia. Mas teria também confirmação, além de eloqüente, visível: a comemoração dos petistas, incluídos
os que ali se despediam da Câmara,
pela derrota imposta à recandidatura que surgira e só se sustentara graças ao interesse e apoio de Lula.
Perderam-se ainda na distração
jornalística duas frases de Arlindo
Chinaglia, ditas a meio das primeiras e rápidas palavras aos repórteres, depois da vitória. "A raiz da candidatura está na Câmara" -ou seja,
não está nem esteve na Presidência
da República. "Vou presidir com a
Constituição, com o regimento [da
Câmara] e com imparcialidade"
-ou seja, não com o governo e o que
mais lhe convenha. Duas frases preciosas, cujos temas não estavam suscitados, mas não se contiveram
no seu recôndito. Como certos desabafos.
O PT derrotou deliberadamente o
"governo do PT". O que só se torna
compreensível por um caminho. Arlindo Chinaglia foi a face exposta de
uma operação com inteligência e habilidade como não se via há muito,
muito tempo, na política brasileira:
o PT fez uma rebelião silenciosa. Se
essa rebeldia da inconformidade
tem futuro idealizado, ou que futuro
poderia ser, por ora não há sequer
indícios. O fato, no entanto, aí está, e
nem a falta de futuro o mudaria.
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