São Paulo, domingo, 04 de fevereiro de 2007

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JANIO DE FREITAS

A rebelião silenciosa


Chinaglia foi a face exposta de uma operação com inteligência e habilidade como não se via há muito

O CENÁRIO produzido pela eleição para presidente da Câmara é muito menos linear do que suas interpretações, com uma divisão de derrotas e vitórias que nada tem de simplória.
As observações necessárias começam pela natureza da candidatura de contestação apenas aparente a Aldo Rebelo. Arlindo Chinaglia lançou-se mais do que à revelia de Lula, que tinha Aldo como seu candidato explícito. Chinaglia foi um desafio não verbalizado, mas praticado com clareza e determinação, sem momento algum de recuo diante do desagrado de Lula. Não consultado e surpreendido pelo correligionário, Lula procurou guardar o seu perceptível aborrecimento, na medida possível, por ainda serem mais promissoras as perspectivas de Aldo Rebelo e, seja lá em que proporção for, pelo previsível desgaste de afastar de campo mais um petista da primeira linha.
Quando, evidenciada a recusa da bancada e da direção petistas a pressionar Chinaglia, Lula o chamou com Aldo ao Planalto, o propósito não haveria de ser, claro, a retirada do seu candidato. O teor da conversa não foi revelado, a imprensa atribuiu-o à advertência contra um "tertius" a la Severino, mas a fisionomia de Chinaglia e suas poucas palavras a respeito ("continuo candidato e vou até o fim", entre outras de igual sentido) não escondia uma situação de constrangimento. A sisudez de Aldo resumia o propósito frustrado.
Mesmo que a atitude do PT fosse só de passividade, já seria algo novo em sua relação com Lula e o governo. A extensão da atitude, porém, indicou mais do que isso: por trás da candidatura desafiante havia um entendimento amplo, envolvendo a bancada e, se não toda, parte importante da direção petista. O que logo se confirmaria na atividade, subterrânea mas intensa, em favor de Chinaglia. Mas teria também confirmação, além de eloqüente, visível: a comemoração dos petistas, incluídos os que ali se despediam da Câmara, pela derrota imposta à recandidatura que surgira e só se sustentara graças ao interesse e apoio de Lula.
Perderam-se ainda na distração jornalística duas frases de Arlindo Chinaglia, ditas a meio das primeiras e rápidas palavras aos repórteres, depois da vitória. "A raiz da candidatura está na Câmara" -ou seja, não está nem esteve na Presidência da República. "Vou presidir com a Constituição, com o regimento [da Câmara] e com imparcialidade" -ou seja, não com o governo e o que mais lhe convenha. Duas frases preciosas, cujos temas não estavam suscitados, mas não se contiveram no seu recôndito. Como certos desabafos.
O PT derrotou deliberadamente o "governo do PT". O que só se torna compreensível por um caminho. Arlindo Chinaglia foi a face exposta de uma operação com inteligência e habilidade como não se via há muito, muito tempo, na política brasileira: o PT fez uma rebelião silenciosa. Se essa rebeldia da inconformidade tem futuro idealizado, ou que futuro poderia ser, por ora não há sequer indícios. O fato, no entanto, aí está, e nem a falta de futuro o mudaria.


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