São Paulo, domingo, 04 de março de 2001

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NO PLANALTO
M$T começa a entregar os anéis em SP

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A semeadura iniciada com a ocupação dos porões do M$T por reluzentes fachos de luz começa a germinar. Eis o broto mais vistoso: está a um passo da profissionalização o complexo agroindustrial controlado pela Cocamp, a cooperativa que tem na figura brejeira de José Rainha Jr. sua face mais festejada. Sairá a diretoria de militantes do M$T; entrarão técnicos chefiados por um especialista a ser pinçado no mercado.
Esse talvez seja o último feito de Mário Covas. A idéia nasceu há seis meses, em reunião de um grupo de "emee$$etês" da região do Pontal do Paranapanema, entre eles o próprio Rainha, com um Covas ainda na ativa.
Os "emee$$etês" foram ao governador para passar-lhe o chapéu, uma especialidade de Rainha. Reclamavam da insensibilidade de Brasília, que vem submetendo as cooperativas ligadas ao M$T a um implacável torniquete financeiro.
Disseram que, mantida a sequidão no trato, os negócios da Cocamp iriam definitivamente à breca. Está-se falando de uma estrutura que já beliscou quase R$ 4 milhões da bolsa da viúva.
Municiado por auxiliares, Covas foi ao ponto: o problema dos negócios da Cocamp é de gerenciamento. Dispôs-se a ajudar. Desde que o M$T topasse pôr fim ao amadorismo.
Difícil saber, a esta altura, onde começa o amadorismo e onde termina a e$perteza. Seja como for, o M$T mostrou-se aberto à idéia da profissionalização. Agiu desse modo, diria Guimarães Rosa, não por boniteza, mas por precisão. É o único modo de reabrir as torneira$ oficiais.
Além da gestão profissional, o governo exige presença de representante do governo no conselho das cooperativas e contratação de auditorias independentes.
Sob a coordenação do governo paulista, organizou-se uma parceria entre Sebrae e Fundação Getúlio Vargas para estudar a viabilidade econômica do complexo. Deseja-se abrir picadas do roçado à mesa do consumidor. O objetivo final é a emancipação do assentado, que se veria livre de dois cabrestos: o do governo e o do M$T.
No momento, discutem-se os termos de um protocolo que definirá as bases gerenciais do negócio. Devem assinar o documento: o Itesp (Instituto de Terras do Estado de São Paulo), o Ministério do Desenvolvimento Agrário, a Cocamp (leia-se M$T), o Sebrae e a FGV.
Ainda que venha mesmo a ser assinado (é preciso ver se o M$T não dará para trás), o convênio não apaga as malfeitorias já detectadas na Cocamp por auditores da Secretaria Federal de Controle do Ministério da Fazenda. O contribuinte continua a merecer uma satisfação.
Dois exemplos, apenas para refrescar a memória:
1) em janeiro de 97, o governo repassou à Cocamp dois empréstimos, num total de R$ 203 mil. Um deles, de R$ 133 mil, o M$T usou para comprar uma fábrica de farinha. Vencido, o financiamento foi levado no beiço. A Cocamp alegou que, por falta de recursos, a farinheira "operou apenas alguns meses nos exercícios de 98 e 99". E mais não disse. Nem um pio acerca das receitas e despesas, por exemplo. O outro repasse serviu para a compra de três caminhões Mercedes-Benz. No contrato levado aos arquivos do Banco do Brasil, os caminhões têm uma idade (modelos 1984, 1981 e 1979). Nos certificados emitidos pelo Detran, eles envelhecem dez anos (1974, 1971 e 1978). Laudos entregues ao banco informavam que os caminhões encontravam-se em perfeitas condições. Um deles, em viagem, não pôde ser vistoriado. Outro estava sem uma roda e sem retrovisor. O último mofava em uma oficina desde 98. Faltava-lhe o motor. A dívida dos caminhões também já venceu. Beiço. Corrigidos, os dois débitos já superam R$ 350 mil;
2) em janeiro de 98, o governo creditou na conta da Cocamp empréstimo de R$ 3.741.696, destinado à construção do complexo agroindustrial que agora se tenta pôr em movimento. A unidade deveria ter começado a operar naquele mesmo ano. Em relatório datado de 21 de agosto de 2000, os auditores a classificaram como "inoperante". Pior: descobriu-se que o projeto original era um aleijão. Embora se destinasse à instalação de laticínio, despolpadeira de frutas, silos e armazém, não previa necessidades básicas: energia elétrica, rede de distribuição de água e caldeira de máquinas, por exemplo. Havia à época da auditoria "obras ainda em andamento". De resto, as únicas coisas que se moviam eram cinco caminhões, comprados a R$ 493.782, especialmente para servir ao complexo. Embora não tivessem ainda o que transportar, seus hodômetros registravam quilometragens que variavam entre 48.451 km e 73.317 km. O que levou os auditores à inevitável conclusão de que vinham sendo usados "com propósitos diversos do previsto".
Junto com a prometida profissionalização da agroindústria da Cocamp - inegável avanço- devem vir novos cifrões. Brasília se dispõe a injetar no negócio mais R$ 215 mil. São Paulo injeta outros R$ 300 mil.
Falta pouco, pouquíssimo, para completar a cadeia da felicidade. Basta que se ofereça ao contribuinte um bom lote de explicações. Algo consistente o bastante para arrancar de sua face a velha aparência de idiota. O Ministério Público, sempre tão ativo, bem que poderia ajudar.



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