São Paulo, quinta-feira, 04 de março de 2004

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JANIO DE FREITAS

No mundo dos anjinhos

O PT ainda está muito longe das contribuições feitas por PMDB, PFL e PSDB para destacar o Brasil entre os países reconhecidamente mais corruptos do mundo, mas o seu rol de práticas incabíveis mostra-se mais promissor a cada dia.
Tem passado como coisa tolerável, de pleno conhecimento do jornalismo de Brasília e alhures, a presença de dirigentes do PT entre os quadros da Presidência da República. Não há lugar mais impróprio do que o ambiente da Presidência para um encarregado da coleta e guarda do dinheiro do partido governista, como é o caso do tesoureiro petista Delúbio Soares. A simples permanência já suscita, em certo tipo de interessados, hipóteses e iniciativas que comprometem o governo.
Mesmo que fosse convincente, e nem se aproxima de sê-lo, a explicação dada para o encontro do tesoureiro petista com o vice-presidente da Associação dos Empreiteiros de Obras Rodoviárias não justificaria que o fato se passasse em instalações da Presidência. Ainda por cima, a anotação do encontro feita por uma secretária na agenda do ministro dos Transportes, Anderson Adauto, não se confunde com registro posterior à maneira de um diário, que um ministro não deixa a cargo de auxiliares.
Em nome de que o secretário de Organização do PT, Silvio Pereira, deve ou precisa estar no palácio da Presidência da República? Nem da parte da Organização do PT, nem da parte da Presidência e do governo, há motivo eticamente aceitável para a mistura de conveniências de direção partidária e centro de decisões administrativas do país.
No capítulo das nomeações o cenário não é menos interrogativo. A revelação do repórter Rubens Valente, na Folha de quarta-feira, por exemplo, contém mais sugestão do que aparenta, sobre nomeações. O nomeado presidente da estatal Cobra Computadores não era, até o final do governo Fernando Henrique, apenas procurador e presidente de uma empresa multinacional. Além de presidente de uma subsidiária, era procurador, com amplos poderes de movimentação financeira, de uma empresa posta sob suspeições graves, em negócios com a Caixa que a situaram no centro do caso Waldomiro Diniz.
Os problemas, hoje suspeitos, nas relações comerciais da Caixa com a GTech já eram conhecidos no governo Fernando Henrique, quando estranhas ordens sustaram a informatização das loterias federais, em benefício da contratada multinacional.
Graciano dos Santos Neto pode estar isento de toda implicação nas transações afinal questionadas entre a GTech e a Caixa. Mas o governo não poderia desprezar a sua profunda conexão com a multinacional envolvida em suspeitas até que investigações esclarecessem tudo. E o governo nem se ocupou das investigações.
Curioso é que a Presidência fez saber-se, desde o início do mandato, que todas as possíveis nomeações passariam por crivo duplo. No Planalto, personificado em Marcelo Sereno; e, em geral, nas investigações de agentes da Abin, o serviço de informações. Desses agentes é que saiu o dossiê capaz, enfim, de levar Gilberto Gil a afastar do Ministério da Cultura o seu compadre Roberto Pinho. Mas Waldomiro Diniz não é única presença imprópria no governo no mundo de anjinhos que o PT diz ser.


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