São Paulo, terça-feira, 04 de março de 2008

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JANIO DE FREITAS

A história outra vez


Temos a oportunidade de testemunhar outro embate de um confronto insolúvel entre religião e ciência

NESTE PAÍS considerado o mais católico do mundo, o apoio absoluto de 75% e parcial de mais 20% da população às pesquisas com células-tronco embrionárias deveria, em tese, significar a opção nacional nesta divergência: de uma parte, a hierarquia da Igreja Católica, que rejeita as pesquisas; de outra, a ciência em busca de uma revolução na medicina que pode proporcionar a cura de males insanáveis de coração, pulmão, fígado, pâncreas, músculos, numerosos tipos de câncer. Mas o julgamento estará restrito à responsabilidade, e talvez à grandeza, de apenas 11 pessoas. É improvável que alguma delas haja um dia se imaginado em situação, a um só tempo, humanamente tão honrosa e moralmente tão perigosa: o julgamento -quem sabe, irreparável- também de cada um deles.
A nós outros, o que está oferecido, na questão das células-tronco embrionárias e seu exame em tribunal, é a oportunidade de testemunhar mais um embate de um confronto histórico e insolúvel entre religião e ciência. A história não registra para a religião nenhuma vitória verdadeira, ou não mais que o retardamento, às vezes por séculos, de avanços merecidos pela humanidade em muitos sentidos -sociais, científicos, políticos, existenciais e até mesmo religiosos.
O confronto atravessa sem solução os séculos e já milênios, como tende a atravessar o futuro imaginável, em razão de sua própria natureza. A fé é a certeza que se sobrepõe à dúvida e a repele, o seu reino é o da verdade acabada e do absoluto definitivo; a ciência é, por definição, o questionamento permanente, a consciência da incompletude, o território da dúvida em busca de novas respostas que vão ao encontro de mais dúvidas.
Muitos dos que estamos por aí fomos contemporâneos da fase final de um esforço comovente para o encontro de religião e ciência. Paleontólogo importante, morto em 1955, o jesuíta Teilhard de Chardin dedicou-se a formular uma teoria de unidade do conhecimento científico e da concepção religiosa, a respeito do universo e seus fenômenos. A paleontologia lhe agradece o achado e identificação do sinantropo, um elo a mais em nosso passado. O Vaticano repeliu seu "cientificismo" e aplicou-lhe a censura, a reprovação e o esquecimento.
Na pesquisa do Ibope, ainda mais significativo do que os dados expostos acima é este: entre os brasileiros que consideram ser "uma atitude em defesa da vida" o uso de células-tronco embrionárias, na pesquisa científica e na medicina, estão 94% dos católicos.

A origem
Ao lamentar a morte de Raúl Reyes, o segundo das Farc, vítima de bombardeio colombiano em território do Equador, o governo francês informou ser ele o seu contato para a libertação da seqüestrada franco-colombiana Ingrid Betancourt. Com isso, proporcionou a provável explicação para a invasão de território e bombardeio, determinados pelo presidente colombiano Álvaro Uribe.
Toda guerrilha precisa de uma área segura para contatos indispensáveis com o mundo fora da selva. A falta desse contato, para dar um exemplo, é apresentada no diário boliviano de Guevara como fator da situação desesperadora que antecedeu sua morte. Uma fronteira próxima está entre as melhores hipóteses para uma área de encontros seguros e de partida e chegada para guerrilheiros em trânsito.
Governo e militares colombianos sabiam do acampamento das Farc no Equador, citado mais de uma vez por Uribe e por muitos outros, inclusive como acusação ao governo equatoriano. A decisão repentina de acabar com o acampamento por bombardeio só pode ser atribuída à informação de que lá estava o guerrilheiro negociador. Uribe, agora desejoso do terceiro mandato, prometeu que acabaria com as Farc. Não por negociações.
O bombardeio matou Raúl Reyes e outros, mas não é menor seu efeito correlato: as bombas caíram sobre o processo de liberação de seqüestrados.


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