São Paulo, quarta-feira, 04 de março de 2009

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ELIO GASPARI

O resgate do fundo dos advogados


A caixa de aposentadoria dos doutores paulistas perdeu a prebenda e está fazendo água

A ORDEM dos Advogados de São Paulo notabilizou-se em 2007 ao participar do movimento que se autodenominava "Cansei" e pretendia ser uma cruzada cívica contra a voracidade do Estado. Um de seus lemas dizia: "Cansei de pagar tantos impostos". Passados dois anos, a mesma nobiliarquia da OAB participa da equipe de negociadores do resgate da carteira de previdência privada dos advogados de São Paulo, ameaçada de colapso financeiro. Se os ideais do movimento "Cansei" estão de pé, a OAB-SP não permitirá que a Bolsa da Viúva seja colocada no pano verde.
A Carteira de Previdência dos Advogados de São Paulo tem 32 mil segurados ativos e 3.500 inativos. (10% do universo desses profissionais na região.) Ela oferece aposentadorias que vão de um a dez salários mínimos. O doutor que pingou R$ 37 mensais durante uma década e depois disso contribuiu com R$ 148 por mês durante 25 anos pode se aposentar aos 65 com algo em torno de R$ 4.400. No mercado, não há quem pratique semelhante generosidade.
À primeira vista, os administradores da carteira dos advogados são mágicos. À segunda vista a mágica era simples. Ao contrário do que sucede com a previdência privada individual da patuleia, mais da metade da receita da carteira dos doutores era alimentada pela Viúva. As contribuições dos segurados cobriam R$ 3 milhões mensais. Outra parte, que chegou a R$ 4 milhões, derivava do cumprimento de uma lei estadual que privatizou uma percentagem de 17,5% das custas judiciais pagas pelos cidadãos. Algo tão lógico quanto transferir aos arquitetos uma percentagem dos tributos arrecadados com a aprovação de plantas de casas. Em 2003, essa prebenda foi extinta e a carteira dos advogados desequilibrou-se. Arrisca secar, pulverizando o pecúlio de dezenas de milhares de aposentados e pensionistas.
(Outra prebenda, que rende R$ 1,9 milhão por mês, sobrevive.)
Na média, os segurados inativos da carteira têm 70 anos e recebem um benefício de R$ 2.000 por mês. No ano passado havia 856 mulheres pensionistas, com R$ 1.100 mensais e 72 anos de idade média. Não fazem parte desse grupo os advogados do serviço público, com aposentadorias bem maiores e perfeitamente asseguradas.
À parte o problema social (semelhante ao dos demitidos da Embraer e ao das vítimas do fundo de pensão da Varig), há no naufrágio da carteira dos advogados uma questão de direito, pois ela era administrada pelo Instituto de Previdência do Estado de São Paulo. Se a Viúva pode ser responsabilizada por uma parte dessa conta, a questão legal só pode ser resolvida nos tribunais.
Um estudo da Fundação Universa mostra que já neste ano a carteira gastará mais do que arrecadará, sobrevivendo graças ao saldo de caixa e aos ganhos de mercado. A partir de 2019, a carne acaba e ela se transforma num esqueleto que, a longo prazo, custaria absurdos R$ 11 bilhões.
Fazendo-se nada, é certa a quebra. Contudo, mexendo-se no sistema de contribuição e no cálculo dos benefícios, a carteira pode sobreviver ao que será um tenebroso inverno. Desde que os advogados não chamem o PMDB para cuidar do seu fundo de pensão, é possível que cheguem a uma conta capaz de ficar em pé. O governo pode contribuir removendo entraves legislativos e sem dúvida responderá pela legalidade dos seus atos, inclusive os que drenaram a prebenda. O que não se pode é olhar para a Bolsa da Viúva.


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