São Paulo, terça-feira, 04 de abril de 2000


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JANIO DE FREITAS
Dever de ofício

Incoerência é lastimável em qualquer um, mas, nos que exercem função pública, põe em xeque a sua capacidade de serem leais e éticos, intelectualmente honestos e respeitáveis como pessoas. Não, nada disso vem a propósito de um certo palaciano de Brasília, cujas características já são tão conhecidas que a sua rejeição pelos brasileiros é recorde histórico.
Ocupo-me, por dever de ofício, de uma carta do governador Anthony Garotinho, mandada também, mesmo que possa haver outros motivos, por dever de ofício. Sua causa foi o artigo de domingo, "Uma imagem ao avesso", do qual o governador se ocupa com objetividade de apenas dois trechos. O restante são considerações à margem ou alheias ao artigo.
À afirmação de que papéis assinados por Luiz Eduardo Soares são agora esmiuçados, à cata de algum equívoco com que o desmoralizar, Anthony Garotinho opõe esta frase: "Gostaria de esclarecer-lhe que não há nenhuma investigação com a intenção de desmoralizar o Luiz Eduardo".
O noticiário não contestado pelo governador incluiu sua ordem para que os papéis fossem examinados. Com mais precisão, foi na manhã da segunda-feira seguinte a declarações de Luiz Eduardo Soares, feitas no "Fantástico", que Anthony Garotinho telefonou ao secretário da Segurança, coronel Josias Quintal, mandando examinar todos os atos administrativos de Luiz Eduardo, nos 15 meses em que esteve no governo. E, mais, mandando esmiuçar a relação desse ex-coordenador com o episódio de que são personagens o documentarista João Moreira Salles e o traficante Marcinho VP. Se o serviço de recortes do Palácio Guanabara não tem tais registros, disponha aqui da coluna ou da Folha.
Outra vez Anthony Garotinho, agora em referência que só pode ser a artigo anterior: "Devo dizer-lhe que os nomes da banda podre citados por ele (Luiz Eduardo) foram encaminhados em documento oficial, por mim, ao Ministério Público". Devo dizer que a primeira explicação de Anthony Garotinho, em seguida ao afastamento do formulador e coordenador da pretensa reforma da polícia, foi a "quebra da hierarquia", quando Luiz Eduardo "entregou ao Ministério Público (e à imprensa) coisas que o governador ainda não sabia". Depois Anthony Garotinho apresentou outras versões, e continua a fazê-lo, mas a primeira continua registrada e é a menos distante do verossímil.
A observação seguinte do governador diz respeito a esta frase do artigo: "ameaça e demite os denunciantes e protege os acusados e os suspeitos". Anthony Garotinho é claro e firme: "Não demiti nenhum denunciante e nem protegi acusados".
Diante de toda a crise em que o governo fluminense entrou, será preciso lembrar que o seu início se deu quando Anthony Garotinho demitiu o coordenador da Secretaria da Segurança, Luiz Eduardo Soares? Então, vale a pena lembrar também como o fez: reproduzindo, para os repórteres convocados a isso, a gravação clandestina do telefonema em que comunicou a demissão a Luiz Eduardo. A forma da demissão foi ainda mais antiética porque, da parte do demitido, era um telefonema generoso e compreensivo.
Anthony Garotinho demitiu, na semana passada, o presidente da estatal de processamento de dados, Sérgio Rosa, por denunciar contratações de empresas sem licitação, feitas sob pressões originadas no gabinete do governador.
Na semana anterior, Anthony Garotinho ameaçou publicamente o subsecretário de Planejamento, Élvio Gaspar. Ou daria nomes, nas irregularidades que denunciou, ou seria demitido (o cargo prevaleceu sobre a moralidade). O dever de um governador não é, como faz Anthony Garotinho, demitir o denunciante e depois fazer, para efeito público, uma comissão supostamente investigatória. É, sim, determinar sindicância em seguida à denúncia, que só pode produzir demissão se comprovadamente infundada. O inverso disso cala novas denúncias e protege a corrupção.
Um dos trechos de Anthony Garotinho sobre Anthony Garotinho: "Levo uma vida muito simples. Não cultivo vaidades, prepotências, orgulhos, nem outros sentimentos comuns na vida pública". Ótimo. Mas não será demais cultivar coerência e firmeza.


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