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JANIO DE FREITAS
Dever de ofício
Incoerência é lastimável em
qualquer um, mas, nos que exercem função pública, põe em xeque
a sua capacidade de serem leais e
éticos, intelectualmente honestos
e respeitáveis como pessoas. Não,
nada disso vem a propósito de um
certo palaciano de Brasília, cujas
características já são tão conhecidas que a sua rejeição pelos brasileiros é recorde histórico.
Ocupo-me, por dever de ofício,
de uma carta do governador Anthony Garotinho, mandada também, mesmo que possa haver outros motivos, por dever de ofício.
Sua causa foi o artigo de domingo, "Uma imagem ao avesso", do
qual o governador se ocupa com
objetividade de apenas dois trechos. O restante são considerações
à margem ou alheias ao artigo.
À afirmação de que papéis assinados por Luiz Eduardo Soares
são agora esmiuçados, à cata de
algum equívoco com que o desmoralizar, Anthony Garotinho
opõe esta frase: "Gostaria de esclarecer-lhe que não há nenhuma
investigação com a intenção de
desmoralizar o Luiz Eduardo".
O noticiário não contestado pelo governador incluiu sua ordem
para que os papéis fossem examinados. Com mais precisão, foi na
manhã da segunda-feira seguinte
a declarações de Luiz Eduardo
Soares, feitas no "Fantástico", que
Anthony Garotinho telefonou ao
secretário da Segurança, coronel
Josias Quintal, mandando examinar todos os atos administrativos
de Luiz Eduardo, nos 15 meses em
que esteve no governo. E, mais,
mandando esmiuçar a relação
desse ex-coordenador com o episódio de que são personagens o
documentarista João Moreira Salles e o traficante Marcinho VP. Se
o serviço de recortes do Palácio
Guanabara não tem tais registros,
disponha aqui da coluna ou da
Folha.
Outra vez Anthony Garotinho,
agora em referência que só pode
ser a artigo anterior: "Devo dizer-lhe que os nomes da banda podre
citados por ele (Luiz Eduardo) foram encaminhados em documento oficial, por mim, ao Ministério
Público". Devo dizer que a primeira explicação de Anthony Garotinho, em seguida ao afastamento do formulador e coordenador da pretensa reforma da polícia, foi a "quebra da hierarquia",
quando Luiz Eduardo "entregou
ao Ministério Público (e à imprensa) coisas que o governador
ainda não sabia". Depois Anthony Garotinho apresentou outras versões, e continua a fazê-lo,
mas a primeira continua registrada e é a menos distante do verossímil.
A observação seguinte do governador diz respeito a esta frase do
artigo: "ameaça e demite os denunciantes e protege os acusados
e os suspeitos". Anthony Garotinho é claro e firme: "Não demiti
nenhum denunciante e nem protegi acusados".
Diante de toda a crise em que o
governo fluminense entrou, será
preciso lembrar que o seu início se
deu quando Anthony Garotinho
demitiu o coordenador da Secretaria da Segurança, Luiz Eduardo
Soares? Então, vale a pena lembrar também como o fez: reproduzindo, para os repórteres convocados a isso, a gravação clandestina
do telefonema em que comunicou
a demissão a Luiz Eduardo. A forma da demissão foi ainda mais
antiética porque, da parte do demitido, era um telefonema generoso e compreensivo.
Anthony Garotinho demitiu, na
semana passada, o presidente da
estatal de processamento de dados, Sérgio Rosa, por denunciar
contratações de empresas sem licitação, feitas sob pressões originadas no gabinete do governador.
Na semana anterior, Anthony
Garotinho ameaçou publicamente o subsecretário de Planejamento, Élvio Gaspar. Ou daria nomes,
nas irregularidades que denunciou, ou seria demitido (o cargo
prevaleceu sobre a moralidade). O
dever de um governador não é,
como faz Anthony Garotinho, demitir o denunciante e depois fazer, para efeito público, uma comissão supostamente investigatória. É, sim, determinar sindicância em seguida à denúncia, que só
pode produzir demissão se comprovadamente infundada. O inverso disso cala novas denúncias e
protege a corrupção.
Um dos trechos de Anthony Garotinho sobre Anthony Garotinho: "Levo uma vida muito simples. Não cultivo vaidades, prepotências, orgulhos, nem outros sentimentos comuns na vida pública". Ótimo. Mas não será demais
cultivar coerência e firmeza.
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