São Paulo, domingo, 04 de abril de 2004

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Governo identifica articuladores do novo partido à esquerda do PT como defensores da greve unificada

Abril começa com 10 mil servidores em greve

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Junto com palavras de ordem contra a política econômica do governo, a ameaça de greve unificada dos funcionários públicos chegou às portas do Ministério do Planejamento em cima de um carro de som em meados de março. Pouca gente notou, embora funcionários da Polícia Federal e advogados da União já tivessem cruzado os braços dias antes.
Menos de duas semanas depois, o governo do ex-sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva começa o mês de abril com o seguinte quadro: mais de 10 mil servidores em greve e mais de 600 mil ameaçando parar nas próximas semanas aulas em universidades federais, plantões da Receita Federal -na reta final da declaração do Imposto de Renda- e até a concessão de seguro-desemprego.
Tudo indica que chegou ao fim a trégua dos servidores públicos, que durou todo o primeiro ano da administração de Lula. Em 2003, os funcionários tiveram 1% de reajuste linear e um abono de menos de R$ 60, mas decidiram esperar por momentos melhores.
Para o governo, a movimentação dos servidores tem outro diagnóstico. Ela seria resultado de disputas políticas estimuladas por segmentos à esquerda do PT, como militantes do PSTU e ex-petistas engajados na formação de um novo partido no país.
Em resumo, ainda segundo a avaliação do governo, haveria mais barulho do que mobilização capaz de parar a administração pública. Mas é o tipo de barulho que incomoda. Na dúvida sobre a eficácia dos gritos dos sindicalistas, Lula autorizou o estudo de uma nova proposta a ser apresentada aos servidores na próxima reunião da Mesa Nacional de Negociação Permanente, marcada para terça-feira.
Além do R$ 1,5 bilhão já reservado do Orçamento de 2004 para o reajuste dos servidores do Executivo, haverá verba extra, informou o Planejamento. Falta definir quanto. O principal teste do governo ainda está por vir. Será no dia 18, data da plenária da Cnesf (Coordenação Nacional das Entidades de Servidores Federais), que reúne dez entidades de funcionários públicos.

Negociação
O governo nem discute a possibilidade de recompor perdas que os salários dos servidores teriam acumulado desde o início do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso e já somariam 127%. Mas, diante das críticas à proposta apresentada na última quarta, já estuda melhorar o reajuste oferecido aos aposentados.
A maioria deles não receberia nem a inflação acumulada desde o último reajuste, de 9,3%. Para os servidores da ativa, a correção dos salários deve variar mesmo de 10,79% a 29,38%.
Na mesa de negociação, os interlocutores escalados pelo governo são, em grande parte, ex-sindicalistas. Na semana passada, eles fizeram dobradinha com a CUT, braço sindical do PT, cuja representação vem sendo questionada pelos servidores.
"O governo Lula criou expectativas maiores que aquelas que o Estado pode atender, mas trabalhamos para ter uma boa proposta, capaz de evitar a greve", disse Luiz Marinho, presidente da CUT. Paralelamente à conversa com a Cnesf, o governo mantém negociações com categorias que recebem salários mais altos e cujo impacto de uma eventual paralisação seria maior.
Exemplo: passados 40 minutos da meia-noite de quarta-feira, o Sindireceita, que reúne técnicos da Receita Federal, recebeu oferta de melhores condições de trabalho e aumento nas gratificações. A greve por tempo indeterminado, iniciada havia pouco, foi suspensa até 12 de abril. Os auditores da Receita, com greve marcada para esta semana, também resolveram dar mais tempo ao governo.
Segundo a contabilidade do Planejamento, os acordos de reestruturação de carreiras acertados desde a equipe de transição e na operação antigreve nos últimos meses custarão neste ano cerca de R$ 1 bilhão.
Já estão incluídos nesse valor os acordos mais recentes, como o que encerrou a greve dos servidores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, responsáveis pela fiscalização em portos, aeroportos e fronteiras, e o selado com fiscais agropecuários, que obtiveram reajustes de 24%, em média.
Na sexta-feira, seguia sem horizonte de acordo a greve de agentes, escrivães e papiloscopistas (especialistas em impressões digitais) da Polícia Federal, então com 24 dias. A greve dos advogados da União, procuradores federais, da Fazenda e do Banco Central, que reúne toda a área jurídica do governo, completou na sexta 18 dias, igualmente sem acordo.

Viés político
Há de tudo entre os sindicatos de funcionários que pararam ou ameaçam parar em abril. Há até quem ponha a culpa da "coincidência" no próprio governo: "Para nós, nem seria interessante juntar várias categorias, mas muitas estavam em negociação, e o governo, por falta de jogo de cintura, não conseguiu evitar a greve há mais tempo", disse Reynaldo Puggi, presidente do sindicato dos técnicos da Receita Federal.
O líder da greve dos funcionários da PF, Francisco Garisto, foi cotado no governo de transição para comandar a instituição, mas perdeu para Paulo Lacerda. À frente da Federação Nacional dos Policiais Federais, radicaliza o movimento que só encontra precedente na greve de 1994, quando a PF parou por 64 dias.
O Sindilegis, dos servidores do Legislativo, está mais próximo do PDT. O Andes, sindicato dos professores das universidades federais, tem influência do PSTU e uma tradição de promover greves. Aguarda o resultado de consultas às bases para decidir, no dia 18, se vai parar neste ano.
A Fenasps (Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social) já aprovou indicativo de greve por tempo indeterminado a partir do dia 20.
Embora a maioria das entidades reunidas na Cnesf esteja filiada à CUT, é entre essas entidades que o discurso mais radical contra o governo vem ganhando espaço.
O governo tem razão em identificar os articuladores do novo partido à esquerda do PT como defensores da greve unificada. "Os funcionários públicos são o setor social mais importante na formação do novo partido socialista", calcula o deputado Babá (sem partido-PA), expulso do PT em dezembro e presente à manifestação em frente ao Ministério do Planejamento na manhã chuvosa de 17 de março.


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