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Comandante do Exército acha normal ato por reajuste
ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O comandante do Exército, general Francisco Roberto Albuquerque, 68, acha que o 31 de março de 1964 já entrou para a história e se diz preocupado com algo bem mais atual: baixo soldo.
Ele considera normais as manifestações de militares da reserva e de famílias de militares da ativa pelo aumento, como a prevista para hoje em frente ao Planalto e a que plantou cruzes diante do Congresso no último dia 31.
E o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra)? Fala o comandante: "Eu não fico preocupado, porque entendo que o governo, na medida em que achar necessária nossa participação, vai nos acionar".
Leia a seguir a entrevista, concedida no próprio dia 31.
Folha - Como o sr. vê o 31 de março 40 anos depois?
General Francisco Albuquerque - Como mais um fato da história do Brasil. Se nós tivermos que olhar o 31 de março daqui a 50 anos, a nossa sensação e o nosso sentimento vão ser iguais.
Folha - Na sua ordem do dia lida hoje (31 de março), o sr. falou em olhar a história sem ressentimentos. O que quis dizer com isso?
Albuquerque - Essa é a mensagem mais importante da minha ordem do dia. Falei aos meus comandados, do general ao recruta, alertando para essa visão. Não tem de haver ressentimentos. [...] O que passou, passou, é história.
Qual sua opinião, então, sobre a manifestação do grupo Ternuma (Terrorismo Nunca Mais), com as 120 cruzes em memória dos mortos pela esquerda no regime militar?
Albuquerque - Temos visto inúmeras manifestações. Dentro de um pensamento democrático que nós temos hoje em dia, todos têm direito de se manifestar, desde que respeitem as imposições da ordem legal. O que não podemos aceitar são manifestações que atinjam a lei e a ordem.
Folha - E quando essas manifestações se somam a outras contra baixos salários?
Albuquerque - Esse é um problema que nós de fato estamos vivendo, como tantas outras categorias. Eu entendo que essas reivindicações têm sentido, porque é realmente necessário haver uma atualização dos soldos dos militares, para que eles mantenham sua qualidade de vida, seu poder aquisitivo. Mas essas reivindicações, numa instituição como a nossa, devem ser feitas respeitando a orientação regulamentar e ocorrendo dentro da cadeia de comando. Cabe a nós, comandantes, atuar junto aos responsáveis pelo assunto.
Folha - O governo decidiu na terça passada conceder reajustes acima da inflação a quase 600 mil servidores, mas excluiu os militares.
Albuquerque - [...] Oferecemos três linhas de ação [alternativas], que variam de 22% a 33% de reajuste. A primeira considera o índice da Fundação Getúlio Vargas, a outra prevê equiparação com uma das carreiras de Estado, a de auditor fiscal, e a terceira é puramente atualizando as gratificações. Uma das três vai ser considerada pelo presidente.
Folha - Os agentes da Polícia Federal estão em greve por salários. Qual a relação dos salários deles com os do Exército?
Albuquerque - Não queremos interferir nas reivindicações dos outros, [...] mas a verdade é que um agente da PF se equipara a um tenente-coronel do Exército, que tem cerca de 20 anos de serviço e passou pela Academia Militar, que é curso superior, e pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, com nível de mestrado.
Folha - Como o sr. viu o fato de cadetes do Exército no Rio prestarem concurso à Polícia Rodoviária Federal?
Albuquerque - Sob o aspecto do vencimento, é uma coisa, porque é realmente importante. Se analisarmos pelo ângulo de uma criatura que muda de carreira e de rumo só por esse aspecto financeiro, acho que ele não tem pendor para a carreira militar.
Folha - Vão ser punidos?
Albuquerque - Existe uma norma administrativa segundo a qual qualquer criatura que tome uma medida assim tem de comunicar a seu superior. Caso contrário, ele infringe uma determinação administrativa. [...] A sanção tem caráter leve, educativo.
Folha - O Exército vem tendo alguns problemas com a Justiça, que dá liminar até em questões disciplinares. O que o sr. acha?
Albuquerque - Tem ocorrido alguns casos, e nós achamos que é por falta de conhecimento mais profundo do que é a vida militar, baseada em disciplina, hierarquia, aspectos éticos e morais e atributos de personalidade, como coragem, lealdade e camaradagem. Digo que são cláusulas pétreas da profissão. Quem não conhece essa filosofia pode ser levado a tomar decisões que prejudicam a coesão e a disciplina.
Folha - Como o sr. vê essa mudança do perfil do militar brasileiro, que antes vinha maciçamente da classe média e agora vem das classes mais pobres?
Albuquerque - A Força é uma grande representatividade da sociedade, tem elementos de todas as classes, raças e religiões. Nos orgulhamos disso. Porém, está havendo, sim, mudança do perfil, já não há mais correspondência fiel da sociedade. Não é bom.
Folha - Não há o que fazer?
Albuquerque - Não. O concurso é universal, e, se começa a haver desinteresse por determinadas classes em participar, é preciso fazer avaliação. Os motivos são variados, desde baixos vencimentos até influência as mais variadas.
Folha - A marca negativa do regime militar, por exemplo?
Albuquerque - Não. As pesquisas, inclusive a última delas, feita pelo Ibope a pedido do Ministério Público, mostram que as Forças continuam em segundo lugar.
Folha - De certa forma, isso confirma a hipótese de que é o baixo soldo que está tornando a carreira desinteressante?
Albuquerque - É um elemento que afeta, com certeza.
Folha - O Exército é muito concentrado no Rio, Estado marcado por violência, tráfico, contrabando. O sr. não teme a contaminação?
Albuquerque - A concentração já não é tão grande. Nós estamos transferindo tropas para Amazônia, Brasília, Rio Grande do Sul. [...] Mas, de fato, isso nos preocupa. Se há contaminação por parte de um setor da sociedade, nós também corremos o risco de transferência à nossa instituição.
Folha - O Exército vem tendo casos de corrupção?
Albuquerque - Dentro da Força, isso é praticamente zero, mas não que nunca tenha ocorrido. Pode haver desvios, pois somos 200 mil criaturas, aliás, 3.000 mulheres.
Folha - O sr. não acha preocupante o surgimento ou o fortalecimento de grupos como o Ternuma neste momento de soldos baixos?
Albuquerque - São sintomas, precisam de análise. O que observamos é que isso vem ocorrendo em diversas categorias, em razão da perda do poder aquisitivo.
Folha - E se as famílias de militares da ativa aderirem à manifestação de domingo?
Albuquerque - Vivemos numa democracia, e elas têm direito de aderir, como também os militares da reserva. O que não pode é o da ativa aderir. Isso não aceitamos.
Folha - Quando o MST fala em "infernizar" e em "abril vermelho", como o Exército monitora e reage?
Albuquerque - Nosso trabalho é orientado pelo escalão superior. Então, é preciso que o escalão superior traduza os fatos que possam colocar em risco suas atividades. [...] Os órgãos governamentais vêm acompanhando, e nós entendemos que está tudo dentro de uma maneira de pensar.
Folha - O que isso quer dizer?
Albuquerque - Que eles acham que tudo ainda está dentro da normalidade. Eu não fico preocupado, porque entendo que o governo, na medida em que achar necessária a nossa participação, vai nos acionar.
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