São Paulo, domingo, 04 de abril de 2004

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ELIO GASPARI

1964 + 40 = 2004 e 1954 + 50= 2004

Deve ter sido coisa do marechal Humberto Castello Branco, o primeiro ditador (encabulado) da canastra de generais. Ele tinha um raro senso de humor. Gostava de se livrar dos interlocutores, encerrando a audiência com a seguinte frase: "Agora o senhor vai me dar o prazer da sua ausência".
Deve ter sido coisa do Castello obrigar o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e um pedaço da nação petista a saírem de seus gabinetes no dia 31 de março de 2004 para denunciar: "Havia, de fato, [...] uma espécie de conspiração. Para quê? Para apurar o caso Waldomiro? Para descobrir delitos cometidos por essa pessoa, que é o que a fita indicava? Não. Muito mais que isso [...]. Pretendia-se "ferrar" o ministro Zé Dirceu e derrubar o governo Lula".
Na mosca. A conversa dos procuradores José Roberto Santoro e Marcelo Serra Azul com o bicheiro Carlos Cachoeira foi aquilo que antigamente se chamava de "coisa de subversivo".
Espécie de conspiração, e da boa. Quando um subprocurador diz a um bicheiro que ele não deve recorrer à Polícia Federal para anexar uma prova a um processo, subverte-se a investigação. Apurando o caso de um larápio (de vídeo passado) com domicílio comercial no Gabinete Civil da Presidência, desviou-se a atividade dos funcionários do Estado para uma operação que teria como resultado danificar o governo da República.
Muito mal comparando, tanto pela dimensão dos personagens, como pela extensão das conexões, os coronéis do IPM, instalado na Base Aérea do Galeão em 1954, não estavam interessados em apurar o atentado ao jornalista Carlos Lacerda, no qual morrera um major. Estavam interessados em derrubar o presidente Getúlio Vargas. Em agosto, essa crise completará 50 anos. Não se conhece um só depoimento que associe Vargas ao crime e à decisão de Gregório Fortunato, chefe de sua guarda pessoal e mandante do atentado.
As obras e pompas de Waldomiro Diniz, bem como sua relação com o comissário José Dirceu, são uma coisa. Ir atrás de Waldomiro para "ferrar" Dirceu, é outra. Embora seja politicamente legitimo desejar que Dirceu se ferre, essa atribuição é estranha aos poderes dos procuradores da República.
Diante da proposta de Charlie Waterfalls para que a polícia apreendesse em sua casa o vídeo em que Waldomiro o achaca, o doutor Santoro ensinou:
Ä Eles iam pegar o documento na tua casa, carteira de identidade da tua mulher, e essa fita nunca ia aparecer, tá?
Noutro trecho da conversa, quando Charlie sugere que a fita seja apreendida em outro lugar, o subprocurador elabora:
Ä Você sabe o que vai acontecer com essa fita? A busca e apreensão vai ser feita pela Polícia Federal, a Polícia Federal vai lá bater... é isso?... A primeira coisa que vai ser, vai ser periciada, e a primeira pessoa que vai ter acesso a essa fita é o Lacerda (diretor da PF), o segundo é o ministro da Justiça, e o terceiro é o Zé Dirceu. E o quarto, o presidente.
A reunião dos procuradores Santoro e Serra Azul com o contraventor Cachoeira foi uma "espécie de conspiração". Se foi grande ou pequena, séria ou ridícula, a questão fica para mais tarde. Se o PT já fez coisa pior, pouco importa. Grave é saber que um cidadão, depois de ouvir Santoro, pode ficar com medo que o ferrem.
Ao contrário do que disse o PSDB, Thomaz Bastos não tentou intimidar ninguém. Quem intimida são procuradores agindo como Santoro e Serra Azul.

Milagre, Lula ganhou um Ruga-Zero

Durante o último fim de semana, Lula recolheu-se ao Alvorada. De volta ao batente, mostrou-se repaginado.
As rugas da testa e as marcas de 58 anos sobre o cenho desapareceram. Dependendo do ângulo em que é iluminada, sua fronte adquiriu o brilho que o Padre Eterno só concede às pessoas com mais de 50 anos quando elas trabalham no mundo das artes e dos espetáculos.
Caso Lula tenha passado por algum trato especial, chega-se a mais um ponto em comum com FFHH. Seu antecessor, infernizado por um par de olheiras, passou por uma cirurgia plástica rejuvenescedora. No caso de Lula, algumas aplicações de Botox poderiam ter resultado num calmante para sua fisionomia.

O espetáculo da incompetência

Há um livraço na praça. Chama-se "O espetáculo do crescimento", de William Easterly, um veterano economista do Banco Mundial. É um pesticida que ajuda a proteger as economias dos países subdesenvolvidos da praga das ekipekonômicas.
Easterly demonstra que nos últimos 50 anos os sábios europeus e americanos inventaram cinco teorias econômicas sucessivas para produzir progresso. Produziram atraso e ruína. Lista as seguintes teorias:
1) O aumento dos investimentos traz progresso. Dentre 138 países estudados entre 1965 e 1995, isso aconteceu em três (Israel, Libéria, Tunísia).
2) O aumento da escolaridade traz progresso. Easterly sustenta que o progresso melhora a educação, mas a recíproca não é verdadeira. Sem crescimento, engenheiros viram taxistas.
3) Com menos capitas haveria mais renda, portanto o negócio era controlar a natalidade. A Argentina está no ralo com taxas de fertilidade baixas, e o Botsuana vai bem com taxas altas.
4) A nova mágica foi o "ajuste com crescimento", lançada depois da crise de 1982. Salvo na Ásia e em exceções, como Gana, crescimento não houve.
5) Tentou-se o perdão da dívida dos miseráveis e produziu-se a seguinte gracinha: entre 1989 e 1997, perdoaram-se US$ 33 bilhões de 41 países. Em 2001, eles deviam US$ 44 bilhões. Easterly é um daqueles intelectuais que melhoram a cabeça de quem não pensa como ele.

Poesia: Alex Polari de Alverga

(53 anos, autor de "Inventário de Cicatrizes" e "Camarim de Prisioneiro", de 1979 e 1980. Militante da VPR, participou do seqüestro do embaixador alemão. Foi preso aos 20 anos. Saiu em 1979 com a anistia. Vive hoje na vila Céu do Mapiá, na Amazônia, praticando e ensinando a cultura do Santo Daime.)
A célula do setor secundarista
À noite sonhávamos
e durante o dia
comíamos os sonhos
da padaria em frente.
Carta aberta sobre partos futuros
Companheiros:
Quando meu filho nascer
não façam desta vida um estandarte
nem acenem para ele
com esperanças de melhores tempos.
Quem garante?

Ciúmes Permitidos
Não quero que você gaste
as melhores emoções
em cada companheiro nosso
querido libertado
Quero que você guarde
quase tudo pra minha saída.

Tráfico de Influências
O anarquista
que há em mim
se junta com o ingênuo
que há em você
e propõe:
Ä Vamos fazer uma república utópica?
O princípio da realidade,
que passava com a sirene aberta,
pára,
e nos autua em flagrante.

Analgésico contra o comunismo
Liberal liberal liberal
é melhor
e não faz mal

A nova tática e o velho instinto

Juro
não tem autocrítica
que me tire
as saudades
de uns tiros.

Olho na História
O comissariado petista deve se cuidar. Tudo indica que o Supremo votará o recurso dos senadores Jefferson Peres e Pedro Simon em defesa do instituto da CPI com um olho na praça e outro na história. Há nuvens sobre a praça.
Se Peres e Simon perderem, a minoria parlamentar perderá o direito de instalar Comissões Parlamentares de Inquérito. Quando o governo, com sua maioria, não quiser que uma CPI se instale, bastará que não indique representantes para compô-la. Como vem fazendo agora.

Ricos 100
No seu primeiro ano de governo, Lula conseguiu o seguinte resultado na Grande São Paulo:
Entre janeiro de 2003 e janeiro de 2004, os 10% mais ricos aumentaram sua renda em 4,9%.
Nesse mesmo período, os 10% mais pobres perderam 6,5%.
No rumo que a ekipekonômica escolheu, dentro de 34 anos terá desaparecido a renda de nove em cada dez pobres de hoje.
Nessa mesma linha, os 10% mais ricos terão se apropriado de 90% da renda.
Um país sem pobres, onde cerca de 80% das pessoas poderão comer 33 vezes por dia é bem mais do que Lula prometia nos seus comícios.

Vôo surdo
O doutor Maurício Botelho, presidente da Embraer, revelou-se "perplexo" com as notícias de que a FAB compraria caças russos Sukhoi-35, em vez de comprar seus aviões Mirage-2000BR. Negócio de US$ 700 milhões.
Não devia reclamar. Quando Lula resolveu comprar um Airbus europeu e amparou a decisão na necessidade de o avião ter autonomia para voar, sem escalas, de Brasília a Paris, o doutor Botelho aceitou o argumento.
Mais: anunciou que nos próximos cinco anos a Embraer não pretende fabricar um avião semelhante.
Empresário que chuça negócio acaba chuçado de negócios.

Erro
Estava errada a informação aqui publicada segundo a qual o general francês Paul Aussaresses admite, no documentário "Esquadrões da Morte A Escola Francesa", ter lecionado técnicas de tortura no Brasil entre 1973 e 1975, período em que foi adido militar em Brasília.
Ele admitiu ter participado de torturas e assassinatos de presos na Argélia, em 1957. Contou que deu aulas de técnica de tortura em Fort Bragg, nos Estados Unidos. Lá, teve alunos brasileiros. O ex-chefe da DINA chilena Manuel Contreras revelou que Aussaresses operava no "serviço de inteligência" brasileiro e dava aulas num centro de treinamento antiguerrilha, em Manaus. Só.
Daí a dizer-se que Aussasserres admitiu ter dado aulas de tortura em território brasileiro vai uma distância. Pode não ser grande, mas é do tamanho de um erro.



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