São Paulo, domingo, 4 de maio de 1997.

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DOMINGUEIRA
A luz do cinema e a luz do Aterro

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editor de Domingo

``O que é isso, companheiro?!'' -foi o que pensei quando Luis Fernando Guimarães, no filme de Bruno Barreto, explica aos clientes de um banco, do alto de um balcão, que o assalto em curso é uma ``expropriação''.
Resignei-me à espera do pior, sem saber direito se era para rir ou levar a sério.
Mas, surpreendentemente, as coisas foram melhorando e o filme terminou inteiro, de pé.
Se Barreto e Leopoldo Serran, autor do roteiro, não foram fiéis aos detalhes factuais da história, fizeram, certamente, um filme com qualidades -e é disso, principalmente, que se trata.
Evidentemente, os militantes da época gostariam de maior precisão histórica e de um ponto vista mais empenhado.
A esquerda gosta da redundância, da missa para convertido, da reverberação especular de sua identidade.
Dizer, porém, que o filme é simpático com a ditadura e os torturadores é um exagero.
Alguém poderia, perfeitamente, nessa linha de cobrança, desejar que Barreto fosse mais crítico em relação à guerrilha. Foi uma estratégia acertada? O que fariam os companheiros se chegassem ao poder? Quem seria sumariamente fuzilado? Barreto poderia fazer esse filme ou seria vetado pela Censura revolucionária?
Bem, hoje, o espólio do MR-8 apóia Quércia -um final que nem a mais sórdida ficção seria capaz de engendrar.
O filme peca, evidentemente, na apresentação superficial do grupo que articula o sequestro e na contextualização do aparecimento das organizações armadas. Isso contribui para a aparência caricata, de ``brincadeira'', que tudo tem no início -reforçada por um ``casting'' marcado pela comédia.
Barreto foi asséptico na tortura e procurou, no geral, ser mais ``politicamente correto'' do que precisava. Mas isso não lhe retira o mérito: fez um filme que prende o espectador na poltrona, que emociona e que promete levar público aos cinemas para visitar, com serenidade, um período da história cuja dimensão humana é frequentemente velada pelo sectarismo dos envolvidos.
O Rio está belíssimo no filme de Barreto. Foi nos anos 60 que a cidade viu nascer o Parque do Flamengo, o conhecido Aterro, uma das áreas urbanas mais bonitas do mundo.
Digo isso para reforçar a insatisfação que já se manifestou na cidade em relação a um projeto inútil e suspeito: mudar o sistema de iluminação do parque -por sinal, tombado.
A idéia é defendida pelo arquiteto Paulo Casé, o mesmo que concebeu aquela coisa na divisa de Ipanema e Leblon.
Casé diz que os postes alteram a ``antiga escala'' da paisagem. Uma pessoa que fez o que ele fez não deveria falar em escala.
Dona Lota de Macedo Soares, a grande entusiasta do parque, deve estar furiosa no céu. O projeto, idealizado para mimetizar a luz do luar, foi realizado pelo norte-americano Richard Kelly, o maior luminotécnico da época.
Por que a Prefeitura do Rio gosta tanto de trocar postes?


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