São Paulo, terça-feira, 04 de maio de 2004

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JANIO DE FREITAS

Paiol aberto

Antes de mais nada, foi uma grossa falta de educação. Não esperaram nem a passagem de um dia para o outro. Foi só o general-comandante do Exército dar a tranqüilizadora informação de que as Forças Armadas adotam "sempre os critérios mais rígidos possíveis" na guarda de suas armas, e em horas uns marginais desrespeitosos entraram no Depósito de Armas da Aeronáutica no Rio, fizeram uma limpa e ainda foram embora em transporte da casa. Como diria Paulo Maluf, rouba mas não tripudia.
Apenas horas depois, vai a polícia à caça de um bandido em favela suburbana, não o encontra mas, para não não perder a viagem, encontra um depósito de armas. Depósito paisano, armas e munições militares. Até bazucas.
Logo na primeira apreensão de arma no episódio da Rocinha, lá veio um fuzil com o emblema da FAB. As minas descobertas (além de granadas e vasta munição) em um depósito bandido foram identificadas pelo fabricante como de um lote vendido à Aeronáutica.
Mesmo que não houvesse muitos outros precedentes, só esses casos atuais já negariam que "a quantidade de armas desviadas das Forças Armadas é muito menor do que se imagina", como disse o general Francisco Albuquerque, horas antes do roubo no depósito da Aeronáutica. Não sei quanto o comandante do Exército imagina que nós imaginamos, mas não são necessárias novas demonstrações para saber-se que o desvio de armas e munições das Forças Armadas para a criminalidade é um problema gravíssimo no sentido e na dimensão.
O simples fato de que ocorra algum desvio já é uma aberração. Nada pode explicar que o controle dos depósitos, paióis e demais setores com armas militares não ofereça segurança e controle absolutos. Não há dificuldade alguma para isso. Há pessoal em quantidade, muito tempo disponível e meios materiais. O que falta, portanto, não deixa bem as Forças Armadas.
Os bandidos não esperam pelo noticiário para saber, como acontece conosco, que entre eles e as armas do Depósito da Aeronáutica haveria apenas cinco pessoas. E que, uma vez no Depósito, armas e munições seriam facilmente acessíveis. Em outros roubos, a operação pode ser diferente, mas a facilidade, por certo, é a mesma: fuzis AK e bazucas, para não falar armas maiores, não cabem em bolsas nem sob a roupa. Desviá-las depende de controle e guarda precários. E, no entanto, são armas que a polícia apreende freqüentemente, com sinais que não deixam dúvida sobre sua procedência.
Já é tempo de que o corporativismo militar deixe de reagir mal e escamotear suas falhas, quando evidenciadas. O direito de indignar-se, no caso, é da população, que se torna vítima das armas que saem dos quartéis para os bandidos. São muitas. E já fizeram muitas vítimas. Vá lá que as Forças Armadas comprem porta-aviões e esquadrilhas, mas desde que comprem também alguns cadeados. E os usem.


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