|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JANIO DE FREITAS
O gás da reação
O governo brasileiro
não "levou susto" nem foi
"apanhado de surpresa" pelo governo boliviano, que no mês passado mandou ao Brasil um representante com a clara mensagem confirmadora da nacionalização e de sua proximidade,
omitidos apenas o dia então previsto e o novo imposto sobre o
gás, assegurada, porém, a continuidade do fornecimento.
Foi nessa informação prévia
que o presidente da Petrobras,
Sérgio Gabrielli, nos Estados
Unidos e ainda sem conhecer todo o teor do decreto de Evo Morales, confiou para tranqüilizar
Lula, prontamente, quanto ao
fornecimento. Como o próprio
Evo Morales viria a fazer no dia
seguinte, terça-feira.
A falta de clareza sobre o alcance e os pormenores da decisão boliviana é que criou inquietação, inclusive no governo,
quando jornais e TV surgiram
com o alarmismo da falta de gás
já em futuro imediato. Imprensa
e TV, tão carentes de esclarecimento quanto o governo, logo
demonstraram o quanto continuam nostálgicas dos seus tempos de Guerra Fria.
O espírito de Tio Sam baixou já
para os primeiros comentários
pós-nacionalização. Morales
"simplesmente abriu guerra",
tem "sua força interna para
bombardear os aliados potenciais externos", "Morales expropriou a Petrobras", "é hora de o
presidente Lula e o Itamaraty serem firmes e duros", "não dá para não reagir". Estilo Bush nos
seus melhores dias. Influência
extensiva ao Senado, de onde
veio a advertência de que "não
podemos ser condescendentes
com esse desvario contra o nosso
país" (contribuição desvairada
do próprio presidente da casa,
Renan Calheiros). Ainda bem
que os "marines" estão com a
audição prejudicada pelas explosões no Iraque.
Em toda essa histeria está mal
disfarçado o propósito de responsabilizar Hugo Chávez, incentivador, sem dúvida, do ato de Evo
Morales. Mas incentivador e só.
O vigor e a difusão do sentimento nacionalista na Bolívia, muito
anteriores à existência de Chávez, não têm paralelo na América do Sul. E a presença desse sentimento em Evo Morales não é
questionável desde sua liderança
do movimento nacionalista que
tirou da Presidência, em 2003, o
boliviano-americano Sanchez de
Losada.
São freqüentes as afirmações
de que a Bolívia "expropriou
bens e investimentos brasileiros".
Ainda candidato e depois como
presidente, Evo Morales disse no
Brasil que seu movimento quer a
Bolívia e a Petrobras como sócias. A Lula reiterou, na terça-feira, a previsão de pagamento
das ações da Petrobras que passem à propriedade da Bolívia. Se
o nome de tal operação é expropriação, pode-se lembrar que
não é usado no Brasil a respeito
de casos idênticos: as nacionalizações, pelo Brasil, de "bens e investimentos" da Telefônica, da
Light, da ITT, da Bond and Share, da Carris, Luz e Força, senão
de outras mais. Reclamadas pela
esquerda, durante décadas, com
exceção da ITT foram feitas pela
ditadura militar, já a partir do
governo Castello.
Nacionalização e nacionalismo não são atos caracterizáveis
como de esquerda nem de direita. Se os generais Castello e Geisel
não bastam como exemplos, Hitler e Mussolini foram dois expoentes do nacionalismo e do governo nacionalizante, assim como os fundamentalistas do Irã
são nacionalistas extremados.
Evo Morales e Hugo Chávez
poderão mostrar-se esquerdistas
por outros motivos, nunca pelo
nacionalismo que exaspera os
nossos discípulos de Tio Sam subitamente preocupados com o
"ataque aos interesses brasileiros".
Texto Anterior: Mensalão/Hora da impunidade: Câmara livra o 10º acusado de vínculo com o mensalão Próximo Texto: Escândalo do mensalão/CPI dos Bingos: Suposta testemunha vincula PT a assassinato em Campinas Índice
|