São Paulo, quinta-feira, 04 de maio de 2006

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JANIO DE FREITAS

O gás da reação

O governo brasileiro não "levou susto" nem foi "apanhado de surpresa" pelo governo boliviano, que no mês passado mandou ao Brasil um representante com a clara mensagem confirmadora da nacionalização e de sua proximidade, omitidos apenas o dia então previsto e o novo imposto sobre o gás, assegurada, porém, a continuidade do fornecimento.
Foi nessa informação prévia que o presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli, nos Estados Unidos e ainda sem conhecer todo o teor do decreto de Evo Morales, confiou para tranqüilizar Lula, prontamente, quanto ao fornecimento. Como o próprio Evo Morales viria a fazer no dia seguinte, terça-feira.
A falta de clareza sobre o alcance e os pormenores da decisão boliviana é que criou inquietação, inclusive no governo, quando jornais e TV surgiram com o alarmismo da falta de gás já em futuro imediato. Imprensa e TV, tão carentes de esclarecimento quanto o governo, logo demonstraram o quanto continuam nostálgicas dos seus tempos de Guerra Fria.
O espírito de Tio Sam baixou já para os primeiros comentários pós-nacionalização. Morales "simplesmente abriu guerra", tem "sua força interna para bombardear os aliados potenciais externos", "Morales expropriou a Petrobras", "é hora de o presidente Lula e o Itamaraty serem firmes e duros", "não dá para não reagir". Estilo Bush nos seus melhores dias. Influência extensiva ao Senado, de onde veio a advertência de que "não podemos ser condescendentes com esse desvario contra o nosso país" (contribuição desvairada do próprio presidente da casa, Renan Calheiros). Ainda bem que os "marines" estão com a audição prejudicada pelas explosões no Iraque.
Em toda essa histeria está mal disfarçado o propósito de responsabilizar Hugo Chávez, incentivador, sem dúvida, do ato de Evo Morales. Mas incentivador e só. O vigor e a difusão do sentimento nacionalista na Bolívia, muito anteriores à existência de Chávez, não têm paralelo na América do Sul. E a presença desse sentimento em Evo Morales não é questionável desde sua liderança do movimento nacionalista que tirou da Presidência, em 2003, o boliviano-americano Sanchez de Losada.
São freqüentes as afirmações de que a Bolívia "expropriou bens e investimentos brasileiros". Ainda candidato e depois como presidente, Evo Morales disse no Brasil que seu movimento quer a Bolívia e a Petrobras como sócias. A Lula reiterou, na terça-feira, a previsão de pagamento das ações da Petrobras que passem à propriedade da Bolívia. Se o nome de tal operação é expropriação, pode-se lembrar que não é usado no Brasil a respeito de casos idênticos: as nacionalizações, pelo Brasil, de "bens e investimentos" da Telefônica, da Light, da ITT, da Bond and Share, da Carris, Luz e Força, senão de outras mais. Reclamadas pela esquerda, durante décadas, com exceção da ITT foram feitas pela ditadura militar, já a partir do governo Castello.
Nacionalização e nacionalismo não são atos caracterizáveis como de esquerda nem de direita. Se os generais Castello e Geisel não bastam como exemplos, Hitler e Mussolini foram dois expoentes do nacionalismo e do governo nacionalizante, assim como os fundamentalistas do Irã são nacionalistas extremados.
Evo Morales e Hugo Chávez poderão mostrar-se esquerdistas por outros motivos, nunca pelo nacionalismo que exaspera os nossos discípulos de Tio Sam subitamente preocupados com o "ataque aos interesses brasileiros".


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