|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Terras indígenas detêm devastação na fronteira
Dados do Instituto Socioambiental mostram que desmate é menor que 1% nessas áreas
Cálculo considerou 26 terras
que fazem fronteira com
outros países; povos nativos
protegem mais a floresta
do que parques nacionais
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
Se floresta em pé for critério
de soberania nacional, então as
terras indígenas em faixa de
fronteira na Amazônia deveriam ser estimuladas -e não
criticadas- pelos militares.
Um novo levantamento mostra
que essas reservas são eficientes em conter o avanço da grilagem e do desmatamento. Na
maioria delas, o desmate acumulado até 2006 é igual ou menor que 1% de sua área.
No mês passado, o general
Augusto Heleno, comandante
militar da Amazônia, causou
polêmica ao dizer, ecoando o
pensamento militar, que a demarcação contínua de terras
indígenas na região de fronteira era uma ameaça à soberania
nacional e precisava ser revista.
Do ponto de vista da integridade ambiental do território,
no entanto, os novos dados
mostram que não há ameaça.
Os cálculos foram feitos a pedido da Folha pelo ISA (Instituto Socioambiental), com base em dados de desmatamento
do Inpe (Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais). Eles consideraram 24 terras indígenas
que fazem fronteira com outros países e que têm 50% ou
mais de sua área mapeada pelo
Prodes, sistema do Inpe que faz
o cálculo da área desmatada
(veja quadro nesta página).
Entre as áreas computadas
está Raposa/Serra do Sol, pivô
da confusão envolvendo militares, arrozeiros e várias instâncias do governo federal ao
longo das últimas semanas. Raposa, no entanto, é uma exceção no quesito desflorestamento, pois apenas 13% de sua área
é floresta (o resto são savanas
abertas e campos naturais).
O mapeamento do ISA mostra que, dessas 24 áreas, apenas
uma registra desmatamento
maior que 20%, percentual
máximo permitido por lei na
Amazônia. Trata-se da terra indígena Tukuna Umariaçu, de
cerca de 4.900 hectares, no
Amazonas. "Essa área é uma
exceção, porque é uma terra
pequena e colada à zona urbana de Tabatinga", diz Alicia Rolla, coordenadora de Sensoriamento Remoto do ISA.
Áreas grandes, como a terra
indígena Ianomâmi, na divisa
com a Venezuela, e a Vale do
Javari, contígua à Colômbia,
têm 0,26% e 0,27% de sua área
desmatada, respectivamente.
Estas, porém, estão em regiões
chuvosas ou de serra, inadequadas para a agropecuária.
Os maiores exemplos do papel de proteção das áreas indígenas estão nos Estados onde a
ocupação humana é mais intensa: Rondônia e Acre, com
uma terra indígena (Sagarana,
vizinha a uma zona de cerrado)
com 13% de sua área desmatada e todas as outras com desmatamentos totais menores
que 2% -no caso do Acre, menores que 1%.
"Até o Parque Nacional da
Serra do Divisor é mais ocupado que as terras indígenas",
disse Rolla, referindo-se à unidade de conservação de proteção integral na fronteira do
Acre com o Peru.
Proteção ativa
Os cálculos do ISA confirmam algo que estudos anteriores já apontavam: o papel dos
índios de frear a expansão das
atividades predatórias na Amazônia, papel este ainda maior
que o dos parques nacionais.
Um estudo publicado em
2006 por Rolla e outros cientistas na revista "Conservation
Biology", liderado pelo ecólogo
Daniel Nepstad, da Universidade Federal do Pará, mostrou
que as terras dos índios são
"hoje a maior barreira contra o
desmatamento na Amazônia".
O grupo mediu o desmatamento dentro e fora de 121 terras indígenas, 15 parques nacionais, 10 reservas extrativistas e 18 florestas nacionais.
Descobriu que o corte raso fora
de parques e áreas indígenas
era 20 vezes maior que dentro
dessas reservas, mas com uma
diferença: os parques estão geralmente fora do alcance da
agropecuária e as terras indígenas, não. Muitas vezes elas são
cortadas por estradas ou linhas
de transmissão de energia.
A proteção ocorre por dois
motivos principais: primeiro,
uma vez demarcadas, tanto
unidades de conservação quanto terras indígenas "saem do
mercado", ou seja, tornam-se
arriscadas demais para a grilagem, porque ganham limites
geográficos facilmente verificáveis e um dono -a União.
No entanto, diferentemente
dos parques, as terras indígenas excluem ativamente os invasores. "É onde tem gente tomando conta", diz André Lima,
diretor de Políticas para o
Combate aos Desmatamentos
do Ministério do Meio Ambiente. "Com raras exceções, as
comunidades indígenas têm relações com o seu entorno. Como regra, terras indígenas são
uma coisa mais bem cuidada."
Lima cita o caso dos ashanincas, um povo do Acre que habita a fronteira com o Peru. "Eles
freqüentemente pedem ajuda à
Polícia Federal para ajudar a
combater madeireiros peruanos", conta.
Texto Anterior: Painel Próximo Texto: Viés de alta: Desmatamento cresce em quatro áreas indígenas Índice
|