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São Paulo, quarta-feira, 04 de junho de 2003

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JANIO DE FREITAS

Entre Alencar e Palocci

A altitude dos juros já está custando caro, não só à imagem do governo, mas às pessoas de Antonio Palocci e, de quebra, Luiz Inácio Lula da Silva. A divergência que com eles tem o vice-presidente José Alencar expõe uma fragilidade conceitual do ministro da Fazenda que vai muito além, no pior sentido, do problema dos juros. Lula, por sua vez, já precisou passar à atitude de discursar em uma direção, contra os juros, e agir na outra, com apoio absoluto à política econômica centrada em juros estrangulantes.
Como preliminar, fique claro que o vice Alencar e o ministro não estavam respondendo um ao outro, como as aparências dadas ao noticiário sugeriram, ao falarem dos juros. As considerações de ambos foram quase simultâneas, o ministro em Genebra, o vice na interinidade presidencial em Brasília. Mas o choque foi frontal. José Alencar sustentando que a fixação de juros deve ser decisão política, Antonio Palocci afirmando que juros e Banco Central são assuntos apenas técnicos.
Para começar pelo Banco Central, quando Lula e Palocci escolheram um ex-presidente do BankBoston sem experiência alguma no setor público, mas ligado ao setor financeiro internacional privado, não escolheram um técnico de reconhecida capacitação, teórica e prática, para o cargo de governo. A escolha não foi feita em razão do Banco Central, mas da tranquilização de setores influentes. A nomeação do presidente do BC, portanto, não foi técnica, mas política. E o próprio Banco Central foi transformado em instrumento político. Também por motivo político, declarado "autônomo", como teria sido prometido a investidores norte-americanos em um certo encontro que Lula e assessores ainda não estão por narrar.
De um Banco Central em tais condições não sairá decisão alguma que não seja também política, se não for sobretudo política. Ainda que fosse outra a situação atual do BC, é inquietante que o ministro da Fazenda não se dê conta de que é componente sempre importante de política econômica. Repito: POLÍTICA econômica. E componente de política, política é. Daí que a direção de juros tenha funções, além de políticas, até ideológicas, por exemplo para direcionar a renda no sentido da concentração de classe.
Não tem procedência alguma, então, a idéia do ministro da Fazenda de que "ou se tem um Banco Central que combate a inflação ou se tem um BC político". Na mesma medida, é uma fantasia a sua idéia de que "a única pressão que vale para a política monetária é a pressão da inflação". Quando as ruas reagem a modos perversamente anti-sociais de combate à inflação, todos os governos, até hoje, reconsideraram depressa sua política socialmente elitista. Bolívia e Peru passaram por isso há bem pouco.
Com sua crítica didática aos juros de Palocci/Lula/Meirelles, o vice José Alencar está prestando também um serviço à democracia. Usa sua condição de segunda autoridade, na hierarquia do país, para impedir a sufocação do direito de divergência, que o governo tenta por meios cada vez mais sem disfarce.


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