São Paulo, segunda-feira, 04 de junho de 2007

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Documentos detalham ação de quadrilha de juízes, diz PF

Papéis da Operação Têmis mostram como agia grupo acusado de vender decisões judiciais

Esquema que também envolve advogados tem conversas cifradas, encontros às escondidas e dinheiro para o exterior

MARIO CESAR CARVALHO
FREDERICO VASCONCELOS

DA REPORTAGEM LOCAL

Documentos inéditos da Operação Têmis, da Polícia Federal, obtidos pela Folha revelam como funcionava o grupo acusado de vender decisões judiciais em São Paulo.
O retrato feito pela PF é o de uma quadrilha: as conversas são cifradas, os encontros são às escondidas e o dinheiro arrecadado é remetido ilegalmente para o exterior. Tudo executado por juízes e desembargadores de um lado e advogados e empresários do outro.
Os juízes federais Maria Cristina Barongeno e Djalma Moreira Gomes se comunicavam com telefones Nextel pagos pelo escritório do advogado Luís Roberto Pardo, a figura central da suposta quadrilha.
Maria Cristina circula com motorista em um Gol branco, registrado em seu nome e cujo proprietário anterior é a firma Pollet Advogados Associados -a PF suspeita que o carro foi dado à juíza. O advogado Márcio Pollet é um dos 43 acusados de negociar sentenças para favorecer bingos e empresas.
Às vésperas de proferir decisões de interesse do grupo, a juíza foi a reuniões nos escritórios de Pollet e de Pardo, com quem se encontrou várias vezes em cafés e restaurantes. Ela costumava trocar telefonemas diários com o lobista.

"Você vai ter que contar"
A juíza adquiria o que a PF julga ser dólares de seu cunhado Fabiano de Souza Cintra. Um dia depois de proferir sentença favorável aos bingos, Maria Cristina marca encontro com Fabiano, a quem diz, possivelmente referindo-se a dinheiro: "Eu acho que você vai ter que contar, porque eu não contei". Ele: "É pessoa de confiança, não tem problema". A juíza completa: "Tá, porque talvez tenha até muito mais".
Um dia antes da sentença dos bingos, houve reunião no escritório de Pardo, para "acertar arestas solicitadas pela juíza". Presentes, o procurador da Fazenda Nacional Sérgio Ayala, que atua na vara de Maria Cristina, e o empresário Sidney Ribeiro. Segundo a PF, no dia seguinte, Pardo é avisado por Ribeiro que "já pode emitir a fatura", pois "estava tudo certo".
Durante a licença-maternidade, Maria Cristina mandava seu motorista buscar processos na 23ª Vara Federal, da qual é titular. Ele também entregou documentos no escritório de Pardo. A PF fotografou visitas que Pardo fez à juíza na casa dela, levando envelopes.
Nas fotos feitas pela polícia, o juiz Djalma Gomes aparece entregando caixas na residência da magistrada. Como a foto foi feita após o grupo saber que estava sob investigação, a suspeita da PF é de que o juiz levava documentos para serem destruídos. Djalma Gomes é amigo de Pardo.

A juíza e o pai
Segundo a PF, "há fortes indícios" de que o advogado Joaquim Barongeno, pai da juíza Maria Cristina, "receba comissão devido a sua influência naquela vara". Ele possui contratos com os frigoríficos Margem e Friboi, "ambos com processos em andamento na 23ª Vara Federal". Ainda segundo a PF, Joaquim atua por meio do advogado Márcio Pollet. Nos telefonemas, Pollet costumava chamar a juíza de "Sandra".
Ele diz que o nome não era um disfarce -é que a juíza lhe lembrava uma antiga namorada chamada Sandra.
Numa gravação, o procurador da Fazenda Sérgio Ayala diz a Sidney Ribeiro: "Você não sabe o que descobri... Bate tudo lá no papai dela... (...) da empresa que o pai dela mexe lá".
Ayala é suspeito de receber propinas. Em fevereiro, Ribeiro avisa em telefonema à casa do procurador que um "menino vai levar um dinheiro aí".
Entre as decisões favoráveis a clientes de Pardo, a PF cita a reabertura de bingos e um crédito tributário de R$ 214,3 milhões para a SAB Trading.
Segundo a PF, "há fortes suspeitas e indícios de que as decisões de Maria Cristina viabilizam a realização de procedimentos e diligências, dentro da Receita, como compensações, expedição de CND [Certidão Negativa de Débito], exame de defesas administrativas etc".
Advogados e a juíza trocavam informações e orientação sobre os processos. Num dos telefonemas do advogado Gustavo Bachega, ligado a seu pai, Maria Cristina sugere: "Você tem que me passar por e-mail o nome e o CNPJ das empresas, que eu passo lá, eles vêem o que dá para fazer". O advogado diz que tinha receio de usar e-mail. A juíza sugere então conversarem por "skype", via internet.
Nos telefonemas em código, há menções a "pegar um livro" na vara (processo), "teses" (orientação para sustentar decisões judiciais), gastos com "reforma da igreja", "entrega do travesseiro" (supostamente propinas). Por diversas vezes a juíza Maria Cristina utiliza-se do advogado Luiz Roberto Pardo para transmitir recados ou para marcar encontros com o juiz federal Djalma, utilizando-se da expressão "nosso amigo".
Maria Cristina orienta Bachega sobre processo de um supermercado que tramita na 25ª Vara, do juiz Djalma Gomes. "Cê pode lá explicar com ele, falar com ele, que ele falou que ele indefere". Bachega comenta: "Maravilha. Não acredito que cê fez isso!" E passam a tratar de outro negócio: "Muito obrigado mesmo. Agora, nossa "tese" vai ficar boa", diz.
Em outra ligação, Bachega refere-se à "tese" e diz que "o custo daquele "material didático", (...) aquele "livro" lá ficou um pouco caro... ficou em torno de vinte". Ela pergunta: "Ele mesmo que te passou o custo?". "Lembra que eu te falei, como era um pacote, a gente conseguia até mais em conta."


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