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Documentos detalham ação de quadrilha de juízes, diz PF
Papéis da Operação Têmis mostram como agia grupo acusado de vender decisões judiciais
Esquema que também envolve advogados tem conversas cifradas, encontros às escondidas
e dinheiro para o exterior
MARIO CESAR CARVALHO
FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Documentos inéditos da
Operação Têmis, da Polícia Federal, obtidos pela Folha revelam como funcionava o grupo
acusado de vender decisões judiciais em São Paulo.
O retrato feito pela PF é o de
uma quadrilha: as conversas
são cifradas, os encontros são
às escondidas e o dinheiro arrecadado é remetido ilegalmente para o exterior. Tudo
executado por juízes e desembargadores de um lado e advogados e empresários do outro.
Os juízes federais Maria
Cristina Barongeno e Djalma
Moreira Gomes se comunicavam com telefones Nextel pagos pelo escritório do advogado
Luís Roberto Pardo, a figura
central da suposta quadrilha.
Maria Cristina circula com
motorista em um Gol branco,
registrado em seu nome e cujo
proprietário anterior é a firma
Pollet Advogados Associados
-a PF suspeita que o carro foi
dado à juíza. O advogado Márcio Pollet é um dos 43 acusados
de negociar sentenças para favorecer bingos e empresas.
Às vésperas de proferir decisões de interesse do grupo, a
juíza foi a reuniões nos escritórios de Pollet e de Pardo, com
quem se encontrou várias vezes em cafés e restaurantes. Ela
costumava trocar telefonemas
diários com o lobista.
"Você vai ter que contar"
A juíza adquiria o que a PF
julga ser dólares de seu cunhado Fabiano de Souza Cintra.
Um dia depois de proferir sentença favorável aos bingos, Maria Cristina marca encontro
com Fabiano, a quem diz, possivelmente referindo-se a dinheiro: "Eu acho que você vai
ter que contar, porque eu não
contei". Ele: "É pessoa de confiança, não tem problema". A
juíza completa: "Tá, porque talvez tenha até muito mais".
Um dia antes da sentença dos
bingos, houve reunião no escritório de Pardo, para "acertar
arestas solicitadas pela juíza".
Presentes, o procurador da Fazenda Nacional Sérgio Ayala,
que atua na vara de Maria Cristina, e o empresário Sidney Ribeiro. Segundo a PF, no dia seguinte, Pardo é avisado por Ribeiro que "já pode emitir a fatura", pois "estava tudo certo".
Durante a licença-maternidade, Maria Cristina mandava
seu motorista buscar processos
na 23ª Vara Federal, da qual é
titular. Ele também entregou
documentos no escritório de
Pardo. A PF fotografou visitas
que Pardo fez à juíza na casa dela, levando envelopes.
Nas fotos feitas pela polícia, o
juiz Djalma Gomes aparece entregando caixas na residência
da magistrada. Como a foto foi
feita após o grupo saber que estava sob investigação, a suspeita da PF é de que o juiz levava
documentos para serem destruídos. Djalma Gomes é
amigo de Pardo.
A juíza e o pai
Segundo a PF, "há fortes indícios" de que o advogado Joaquim Barongeno, pai da juíza
Maria Cristina, "receba comissão devido a sua influência naquela vara". Ele possui contratos com os frigoríficos Margem
e Friboi, "ambos com processos
em andamento na 23ª Vara Federal". Ainda segundo a PF,
Joaquim atua por meio do advogado Márcio Pollet. Nos telefonemas, Pollet costumava
chamar a juíza de "Sandra".
Ele diz que o nome não era
um disfarce -é que a juíza lhe
lembrava uma antiga namorada chamada Sandra.
Numa gravação, o procurador da Fazenda Sérgio Ayala
diz a Sidney Ribeiro: "Você não
sabe o que descobri... Bate tudo
lá no papai dela... (...) da empresa que o pai dela mexe lá".
Ayala é suspeito de receber
propinas. Em fevereiro, Ribeiro
avisa em telefonema à casa do
procurador que um "menino
vai levar um dinheiro aí".
Entre as decisões favoráveis
a clientes de Pardo, a PF cita a
reabertura de bingos e um crédito tributário de R$ 214,3 milhões para a SAB Trading.
Segundo a PF, "há fortes suspeitas e indícios de que as decisões de Maria Cristina viabilizam a realização de procedimentos e diligências, dentro da
Receita, como compensações,
expedição de CND [Certidão
Negativa de Débito], exame de
defesas administrativas etc".
Advogados e a juíza trocavam
informações e orientação sobre
os processos. Num dos telefonemas do advogado Gustavo
Bachega, ligado a seu pai, Maria
Cristina sugere: "Você tem que
me passar por e-mail o nome e
o CNPJ das empresas, que eu
passo lá, eles vêem o que dá para fazer". O advogado diz que tinha receio de usar e-mail. A juíza sugere então conversarem
por "skype", via internet.
Nos telefonemas em código,
há menções a "pegar um livro"
na vara (processo), "teses"
(orientação para sustentar decisões judiciais), gastos com
"reforma da igreja", "entrega
do travesseiro" (supostamente
propinas). Por diversas vezes a
juíza Maria Cristina utiliza-se
do advogado Luiz Roberto Pardo para transmitir recados ou
para marcar encontros com o
juiz federal Djalma, utilizando-se da expressão "nosso amigo".
Maria Cristina orienta Bachega sobre processo de um supermercado que tramita na 25ª
Vara, do juiz Djalma Gomes.
"Cê pode lá explicar com ele, falar com ele, que ele falou que
ele indefere". Bachega comenta: "Maravilha. Não acredito
que cê fez isso!" E passam a tratar de outro negócio: "Muito
obrigado mesmo. Agora, nossa
"tese" vai ficar boa", diz.
Em outra ligação, Bachega
refere-se à "tese" e diz que "o
custo daquele "material didático", (...) aquele "livro" lá ficou um
pouco caro... ficou em torno de
vinte". Ela pergunta: "Ele mesmo que te passou o custo?".
"Lembra que eu te falei, como
era um pacote, a gente conseguia até mais em conta."
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