São Paulo, domingo, 04 de julho de 2004

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ELIO GASPARI

A esperteza do PT jogou o Ibope numa enrascada

O Ibope entrou na campanha eleitoral com o pé esquerdo. Resultou num vexame sua pesquisa, divulgada pelo PT, informando que José Serra e Marta Suplicy estavam tecnicamente empatados na casa dos 20%. Sete dias depois desse resultado surpreendente, o Datafolha bateu de frente com o Ibope e informou que Serra tinha dez pontos de vantagem sobre Marta. A prefeita de São Paulo não conseguira nem o segundo lugar, estava atrás de Paulo Maluf. Quando as pesquisas trombam, ganha o eleitor, pois uma das duas terá que baixar a cabeça e sair do caminho. No dia seguinte à divulgação dos números do Datafolha, o Ibope trouxe novos resultados, de um trabalho contratado pela TV Globo. Neles Serra liderava com folga. Marta? Estava em terceiro lugar, cinco pontos atrás de Maluf.
É bom que isso tenha acontecido em junho porque dá tempo às empresas do ramo das pesquisas para medir os riscos que correm aceitando encomendas ardilosas. O PT contratou o Ibope num lance de astúcia. Ele deveria medir a intenção de voto dos paulistanos entre 15 e 17 de junho, um dia depois de um longo programa de propaganda gratuita no horário nobre da TV. Os comissários petistas manipularam o calendário e transformaram os entrevistadores do Ibope num complemento de sua propaganda. No mais, tudo foi feito nos conformes: a pesquisa foi registrada antes de o PT saber o seu resultado e foi divulgada três dias depois do fim do trabalho de campo. Como o próprio Ibope explicou: toda e qualquer pesquisa fotografa um momento. A pesquisa encomendada pelo PT fotografou os dias seguintes à sua propaganda gratuita na TV.
A astúcia deu certo demais e muita gente boa acreditou que os números do Ibope refletiam um quadro relativamente fiel da divisão do eleitorado de São Paulo. Refletia apenas a variação obtida pelas marquetagens de Duda Mendonça, em cuja empresa trabalha o marido da prefeita, Luis Favre. É provável que o choque provocado pelo confronto dos números da pesquisa encomendada pelo comissariado com os da outra, divulgada pelo mesmo Ibope, oito dias depois, tenha liberado o canibalismo petista contra a prefeita.
Logo Marta Suplicy, que em 1998 foi derrubada dentro da área pelo efeito de uma pesquisa do Ibope divulgada na véspera da eleição para a escolha do governador de São Paulo. O instituto disse que Maluf liderava as intenções de voto (31%), seguido por Francisco Rossi (18%), Mário Covas (17%) e Marta Suplicy (15%). Essa previsão sugeria aos eleitores de Marta que eles poderiam estar ajudando a levar Rossi para o segundo turno, destruindo a candidatura de Mário Covas. Ficou o gosto de voto inútil. Quando abriram-se as urnas, Marta tivera 22% dos votos. Rossi, apenas 17%. Mesmo drenada, Marta ficou apenas um ponto percentual abaixo de Covas.
O Ibope tem 62 anos de idade. Tornou-se um neologismo da língua portuguesa e já passou por quatro regimes, duas ditaduras e cinco Constituições. Começou a funcionar no tempo em que Duda Mendonça e Luiz Gushiken se chamavam Lourival Fontes.
Os institutos de pesquisa que vendem serviços de pesquisa tanto a partidos e candidatos como a órgãos de imprensa sabem os riscos que correm. É sabido que são pesquisas diferentes, feitas para clientes diferentes, mas as empresas de pesquisas não são o Chacrinha, que veio para confundir. Há pesquisadores que não permitem a divulgação dos trabalhos que fazem para partidos ou candidatos. Há também empresas como o Datafolha, que só fazem pesquisas eleitorais para órgãos de imprensa. O Ibope continuará fazendo como acha melhor, mas pode-se acreditar que, se amanhã aparecer um comissário querendo pendurar uma pesquisa numa marquetagem, sua equipe técnica pensará 12 vezes antes de permitir que a instituição seja associada a acrobacias eleitorais. Em tempo: Lourival Fontes (1899-1967) chefiava o Departamento de Imprensa e Propaganda de Getúlio Vargas.

A rede de coincidências de Palocci

Recomeçaram as pressões em cima do ministro Antonio Palocci e da ekipekonômica.
Portanto, pode-se prever que nas próximas semanas, por coincidência, acontecerão as seguintes coisas:
1) Algum hierarca do Fundo Monetário, do Banco Mundial ou da Secretaria do Tesouro dos Estados Unidos fará grandes elogios ao equilíbrio da política econômica brasileira. Em geral, a vice-diretora Anne Krueger se desincumbe desse acaso.
2) Alguns dos economistas que ajudaram a alimentar a hiperinflação e/ou conceber o Plano Real para depois se aninharem na banca darão entrevistas ou escreverão artigos assustando a patuléia com o dragão da inflação. No máximo, insinuarão que respondem ao senador Aloizio Mercadante.
3) A cada 72 horas aparecerão novas previsões de êxitos no desempenho da economia. Não se pode prever se o governor Henrique Meirelles voltará a anunciar estatísticas do IBGE antes que o instituto as ofereça à choldra. Há pouco, ele fez isso com os números da produção industrial.
4) Lula voltará a dizer que no seu governo não haverá Plano Lula. Em Nova York, Paulo (Goldman Sachs) Leme, dirá que as reformas do governo petista são tímidas.
5) No aperto, aparecerá em algum lugar a inconfidência de que Palocci (ou Meirelles) pensou em pedir demissão. Será prontamente desmentida.

A trilha estratégica do comissário

Justiça se faça ao comissário José Dirceu. Ele montou e azeitou uma máquina de tramitação dos pleitos de empresas privatizadas com recursos do BNDES e de fundos de pensão de estatais.
Na privataria do tucanato, essas empresas ficaram com o patrimônio da Viúva em nome de um processo de modernização, na busca da produtividade.
Na nova gestão, trata-se de botar dinheiro público nas propriedades privadas em nome de novas palavras-chave: trata-se de amparar "setores estratégicos" para a "retomada do desenvolvimento".

O Recife e a invenção da ekipekonômica

Uma nova biografia de Alexander Hamilton, o pai de todas as ekipekonômicas, informa que ele foi educado por judeus descendentes da comunidade que vivia no Recife e foi obrigada a deixar o Brasil em 1654, depois da restauração portuguesa. Hamilton nasceu em 1755 e foi criado nas Antilhas. Conheceu os judeus descendentes de brasileiros em Nevis, onde há um cemitério com as lápides dos Arrobas, Mendes, Lobato e Gomes.
Os judeus do Recife comeram o pão que Asmodeu amassou. Foram seqüestrados por piratas e mendigaram em Nova York. Um deles, Asser Levy tornou-se o primeiro judeu a ter propriedade territorial na América do Norte. Hoje ele é nome de piscina pública na rua 23. O capitalismo, quem diria, esteve no Recife, mas foi obrigado a se mudar para Nova York.
A associação dos descendentes de judeus sefarditas brasileiros à figura de Hamilton os coloca na cena da formação intelectual da principal fonte inspiradora do capitalismo americano. Foi Hamilton quem concebeu um governo federal robusto, com moeda sólida, respeito ao crédito e banco central respeitado. Em economês de hoje, ele criou os marcos regulatórios que semearam economia de mercado americana. Tudo o que Thomas Jefferson tinha de pastoral e romântico (ou de aristocrata sonso), Hamilton teve de prático e empreendedor (ou de burguês interesseiro). Nas palavras do biógrafo Ron Chernow, se Jefferson ofereceu aos seus seguidores a visão de um Jardim do Éden, "Hamilton foi o Mefistófeles americano".
Para quem não gosta do gênero, a vida extraordinária de Hamilton tem duas peculiaridades. Sua mãe passou uns meses na cadeia, por má conduta. Vai daí que seu pai não foi o marido da senhora. Pior: pode não ter sido nem o "outro". Ele amargou uma infância miserável e viveu a delícia de se tornar quindim da banca.
Terminou seus dias em 1804, num duelo, e construiu a lenda segundo a qual não disparou sua arma. Falso. Parece que outro (o vice-presidente Aaron Burr) atirou para errar e o acertou na barriga.
Má notícia para as ekipekonômicas: Hamilton foi o único dos jovens gênios da Revolução Americana que não chegou à Presidência. Quando morreu, já era carta dólar fora do cofre.

PPP faz água

Apesar das garantias que vêm sendo dadas ao Planalto e aos empreiteiros interessados, o projeto que cria as Parcerias Público-Privadas não passa pelo Senado nos próximos meses.
Essa parceria é o que se poderia chamar de Privataria Petista. Destina-se, entre outras coisas, a tirar as despesas com obras públicas da vigilância do Tesouro. Sua aprovação sempre foi difícil, mas a oposição dos senadores se cristalizou na semana passada, com um desastroso depoimento do ministro do Planejamento, Guido Mantega. Ele deu a impressão de não saber do que falava nem para quem falava.

Falo, mas não faço

É dura a vida da choldra desempregada.
Lula, o campeão do novo mapa geopolítico do comércio internacional, anda num Ômega australiano. O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, secretário-geral do Itamaraty e batalhador da causa do comércio das nações em desenvolvimento, move-se em Brasília numa das enormes Mercedes Benz do cerimonial da Casa.

PSDB e PSTU

As reformas sindical e trabalhista aproximaram o PSDB e o PFL das lideranças do PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado). Na terça-feira, o presidente do PSTU, José Maria de Almeida, encontrou-se com parlamentares tucanos.
Não se trata de aliança como a do PT com o PP e o PTB. Os dois descobriram que têm o que aprender e o que ensinar.
O governo e as centrais anunciam uma reforma que acabará com o imposto sindical. Falso. Eles querem apenas consolidar as tungas do sindicalismo oficial.

Elogio de aluguel?

Como o ministro Ciro Gomes se mostrou um crítico da "ortodoxia que nos é imposta por esse modelo econômico", vale a pena lembrar o que ele dizia há um ano, numa entrevista às repórteres Helena Chagas e Catia Seabra:
"Eu sigo defendendo [a mudança do modelo econômico]. A única diferença é que a minha defesa agora é para os ouvidos do presidente da República e do meu companheiro Palocci... [...] A própria sabedoria do presidente Lula me ensinou alguma coisa que eu via de forma diferente. A prudência e a cautela com que ele agiu foram fundamentais. Algumas das minhas propostas poderiam não ter dado ao país a mesma tranqüilidade que temos neste momento. Isso foi a sabedoria do presidente Lula que fez".

PTriga

Um exemplo do mal que as intrigas vêm fazendo ao governo de Lula.
Na semana passada, para um ministro anunciando boas novas (Luiz Fernando Furlan prevendo exportações de US$ 88 bilhões em 2004), o governo tinha dois ministros vagando como penitentes, queixando-se da fritura petista: José Viegas, da Defesa, e Aldo Rebelo, da Coordenação Política. Nos dois casos, queixaram-se em público. As intrigas petistas são apenas intrigas petistas. A imprensa não tem nada a ver com elas.

Juan Lula

O senador peronista Antonio Cafiero disse numa entrevista ao repórter Ariel Palacios que, "se Lula fosse argentino, seria peronista". Um caso a se pensar, mas é certo que, se Perón fosse brasileiro, estaria no governo de Lula. Ao fim de seu governo, Lula terá mais seguidores parecidos com os peronistas argentinos do que com aquele personagem que antigamente se denominava petista.


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