São Paulo, domingo, 04 de agosto de 2002

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JANIO DE FREITAS

O compromisso único

O compromisso que está sendo cobrado dos candidatos com o FMI é um autoritarismo que não cabe no regime democrático. E que mal se disfarça sob o falso argumento de defesa da estabilidade ou conveniência do país. Candidato do governo, José Serra pode comprometer-se, e já o fez enfaticamente, com a extensão, pelo próximo mandato adentro, da política ditada pelo FMI e por ele duramente criticada por sete anos e meio. Aos demais, o regime democrático assegura plena liberdade de concepções para o próximo mandato, e qualquer restrição a esse direito é restrição também à escolha eleitoral e ato próprio de regimes autoritários.
O que está por baixo do surto que acometeu o real, nos últimos dias, não são especuladores nem são as circunstâncias típicas das campanhas eleitorais. Isso é o que está por cima. Por baixo está um país muito enfraquecido, cujas péssimas condições econômicas o tornam absolutamente incapaz de proteger-se seja do que for -crise em remoto país asiático, especulação de bancos mafiosos, roubo em empresa nos Estados Unidos, tudo são tufões sobre a mentirosa estabilidade brasileira.
Nos últimos dias falou-se muito em crise. O Brasil está com doença crônica, sujeita a surtos que mais o debilitam. Doença para a qual só há um remédio: produção.
Toda a política ditada pelo FMI e fielmente aplicada pelo governo consiste, porém, em retrair a produção cada vez mais. Desde o começo do ano, caem os pedidos à indústria. Dois exemplos eloquentes: a indústria automobilística, com seus milhares de ramificações industriais e comerciais, produziu menos 20% no primeiro semestre e, apesar disso, está com 100 mil veículos em estoque; a indústria de transformação de plástico, das mais ativas dentre todas, está com a ociosidade dos equipamentos aumentada em 100%.
Diante desse agravamento, a receita seguida pelo governo conduziu à maior redução dos financiamentos à exportação, a prazos de crédito tão mais encurtados que a indústria não os pode encarar e, claro, à permanência dos juros astronáuticos, que sufocam as indústrias e, como sobremesa, somam-se à queda geral do poder aquisitivo para afastar o consumidor, reduzindo as vendas do comércio e estas, a produção industrial.
Com esse círculo vicioso estrangulante, alguma surpresa com o desemprego e a corrosão social que provoca, além de mais empobrecer a Previdência?
Nada provém de uma continência imprevisível, repentina e inelutável na economia. A doença do Brasil vem sendo construída ano a ano, envenenamento diário como nos piores romances policiais. Além da realidade óbvia, há números para retratar a doença e sua construção incessante. Entediantes embora, alguns têm o poder de síntese: ao começar o atual governo, o Brasil tinha o oitavo PIB do mundo, ou seja, a soma do que nele é realizado em um ano, chegando a US$ 546,5 bilhões, só era superado por sete países. O Brasil encerrou 2001 em 11º lugar, aí pelos US$ 522 bilhões, ultrapassado pela China, pela pequena Espanha e pelo México, que, em 94, ocupava o 11º hoje brasileiro.
Um pouco mais de síntese expressiva: a dívida externa dobrou, a dívida interna, de R$ 59,4 bilhões ao começar o governo, no final do ano passado encostara nos R$ 700 bilhões, com crescimento de cerca de 1.100% em sete anos.
O governo que se entendeu tão bem com o FMI para gerar tal situação deve, agora, entender-se com ele para dar sobrevida de cinco meses à sua obra de sete anos e meio. E nem um dia a mais. Mesmo José Serra, que já declarou apoio enfático a um acordo que desde logo comprometa o futuro eleito com a política do FMI, que renove ele o acordo, se eleito. E se o país consentir ainda.
Candidatos não têm nem que conversar com o governo sobre novo acordo. Sua conversa é com o eleitorado. E seu compromisso também, para que nenhum faça, depois, o papel daquele que pôs nos dedos a lembrança dos seus compromissos e, eleito, mandou-os todos àquela parte. Quer dizer, ao FMI.



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