São Paulo, domingo, 04 de agosto de 2002

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NO PLANALTO

Conheça os fantasmas que assombram o caixa dois

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A atual campanha presidencial trouxe uma boa novidade: minguou o caixa dois. Ainda há dinheiro passando por debaixo da mesa. Nada comparável, porém, ao trânsito de envelopes das duas eleições que consagraram FHC. Muito menos ao pé-de-meia amealhado por Collor.
Entre quatro paredes, FHC chamou de "efeito Lunus" o fenômeno que esvazia as arcas de campanha. Uma referência à imagem que carbonizou o sonho presidencial de Roseana Sarney -R$ 1,3 milhão sobre a escrivaninha, em maços de notas de R$ 50.
Deve-se à obstinação do Ministério Público e à disciplina imposta por Everardo Maciel ao Fisco esse ensaio de moralização dos costumes eleitorais. Disseminou-se a percepção de que o "por fora" virou coisa perigosa.
Dias atrás, representante de grande empreiteira compareceu a um jantar de adesão. Desses em que as pessoas chegam para comer e terminam mordidas. Lembrou-se de PC Farias, que o visitara no passado. E decidiu ouvir um advogado antes de assumir novos compromissos.
Na semana passada, um estagiário da banca advocatícia que serve à empreiteira foi aos arquivos da 7ª Vara da Justiça Federal de Brasília. Constatou que permanecem inconclusos processos que esquadrinham as relações financeiras que uniram o alto empresariado à EPC, firma de consultoria de PC Farias. São sete processos. Um deles, mais antigo, foi aberto em 1993. Os outros, em 1995.
A lista de réus é eloquente: Odebrecht, Cetenco, Votorantim, Cimento Portland Itaú, Tratex etc. Morto PC, reduziram-se muito as chances de condenação. Mas o fantasma da execração ainda assombra.
Orientado pelo advogado, o empreiteiro informou ao procurador do candidato que o assediava que, desta vez, pingará pouco. Bem menos do que dele se esperava. E quer o recibo de cada centavo.
As assombrações do passado pairam sobre a atmosfera seca de Brasília como uma advertência. Sobretudo depois que PC voltou ao noticiário, pelas mãos do repórter Mário Magalhães, para assombrar José Carlos Martinez, do time de procuradores das burras de Ciro Gomes.
Martinez não padece só. Longe dos olhos da imprensa, a Justiça ouviu, na última terça-feira, o testemunho de Maria Isabel Teixeira. Arquiteta, ela participou da famosa reforma da Casa da Dinda, custeada com o dinheiro sujo de PC.
Aberto na surdina, em maio do ano passado, o processo que traz o nome de Maria Isabel no rol de testemunhas tenta responsabilizar criminalmente o ex-presidente Collor, inabilitando-o novamente para o exercício de cargo público.
A iniciativa é do procurador da República José Cardoso Lopes. Ele se escora em trabalho da equipe de Everardo Maciel. O Fisco acusa Collor de sonegação. Auditou as verbas ilegais que recebeu de PC e taxou-as.
Embora desbastado por sucessivas contestações de Collor, o débito com o Fisco soma R$ 8,4 milhões. Esgotadas as possibilidades de recurso na esfera administrativa, foi à dívida ativa. E a Receita tenta receber nos tribunais.
Collor esquiva-se como pode. Pleiteia em foro paulista a anulação da dívida. Alega que sobra de campanha, mesmo quando convertida em renda, não é tributável. Instado a oferecer bens em penhora, portou-se como nos bons tempos.
Ofereceu um lote de títulos públicos. Eram papéis podres, emitidos no século 19. Foram recusados. Apresentou então uma ilha, que fica em Maceió. Chama-se Ilha das Andorinhas. Curiosamente, não pertence a Collor, mas à firma Halagoas - Empresa Alagoana de Hotéis Ltda.
Visto pelo ângulo de suas declarações de renda, Collor exibe, nas palavras da Fazenda Nacional, situação de "insolvência". Algo que contrasta com o fausto que ostenta. Na vida pessoal e em fornida campanha ao governo de Alagoas.
No Imposto de Renda entregue em 2001, relativo ao exercício de 2000, declarou patrimônio de R$ 2,4 milhões. Vendendo tudo, não paga as contas. Afora a pendura da Receita, mencionou dívidas de R$ 20,9 milhões.
O maior credor de Collor (R$ 18,1 milhões) é, supostamente, a TV Gazeta de Alagoas, uma retransmissora da Globo controlada pela família dele. O bem mais vistoso que admite possuir, uma casa em Miami, encontrava-se gravado em US$ 1,4 milhão, dos quais só havia pago US$ 262,1 mil.
Embora se apresente à Receita como diretor de empresa, Collor é, na prática, um desocupado. Na coluna de rendimentos tributáveis, anotou míseros R$ 100, recebidos da Empresa Folha da Manhã S/A, que edita a Folha, por conta de artigo escrito para a seção Tendências/Debates do jornal. Deduziu R$ 16,4 mil em despesas médicas. Pagou zero de imposto.
Ouvido, Felipe Amodeo, um dos advogados de Collor, disse que é "natimorta" a ação que tenta impingir condenação criminal ao ex-presidente. As sobras de campanha foram, a seu juízo, "enterradas pelo STF", que absolveu o seu cliente.
Outro fato age como inibidor da generosidade empresarial: nem o baú do tucanato escapou à sanha da Receita. Sob a supervisão do Ministério Público, prossegue a devassa fiscal nas contas de oito coletores que besuntaram a campanha reeleitoral de FHC com pelo menos R$ 10,12 milhões em doações ilegais.
Entre os investigados estão Ricardo "no limite da irresponsabilidade" Sérgio, ex-caixa de José Serra, e Luiz Fernando Furquim, novo caixa do mesmo José Serra.
De resto, a menção de FHC ao "efeito Lunus" é premonitória. A dinheirama clicada na firma de Roseana e de seu marido, Jorge Murad, encontra-se retida por ordem judicial. Murad pede, em mandado de segurança, a sua devolução. Atendido, terá a Receita no seu encalço. Busca-se a origem do numerário. É barulho certo.
O melhor que podem fazer os candidatos é mesmo lacrar o caixa dois. A coleta mal começou. Ainda está em tempo. Acrescentar ao desastre econômico uma nova crise política não parece bom negócio. Melhor não se expor em demasia à fúria de um procurador enfezado ou de um auditor aplicado.



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