São Paulo, domingo, 04 de agosto de 2002

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ELIO GASPARI

Caixa dois
Todos os candidatos a presidente dizem que não tem caixa dois. O Tribunal Superior Eleitoral e a Secretaria da Receita Federal informam que vão cooperar para impedir que haja caixa dois de candidatos na eleição de novembro.
A patuléia, agradecida, acredita. O que ela não entende é por que os candidatos não colocam sua contabilidade na internet.

Krueger perguntou
A doutora Anne Krueger, vice-diretora do FMI, passou pelo Brasil sem dizer uma única palavra sobre as propostas dos candidatos à sucessão presidencial.
Como economista, perguntou apenas se em Pindorama se sabia que o "imposto Kaldor" foi aplicado na Índia e no Sri Lanka nos anos 50 e 60. Nos dois países foi mandado ao lixo depois de provocar uma queda na arrecadação.
O "imposto Kaldor" faz parte do programa de Ciro Gomes e foi inventado por lord (Nicholas) Kaldor. Sua idéia era taxar a diferença entre o que o sujeito ganhou, poupou e consumiu. Quem poupasse pouco e consumisse muito entrava na faca.

Eu uso, tu usas
A prefeita Marta Suplicy disse o seguinte ao repórter Jorge Bastos Moreno:
"Existe algo mais acintoso do que o uso descarado da mulher para servir aos propósitos eleitorais do marido?".
A prefeita assegura que se referia a Rosinha Matheus, mulher de Anthony Garotinho e candidata ao governo do Rio de Janeiro. Isso depois de ter ficado a certeza de que se referia a Patrícia Pillar, mulher de Ciro Gomes.
Existe. É o uso do marido para servir aos propósitos eleitorais da mulher que, uma vez eleita, divorcia-se, como disse Rosinha. Ao que se saiba, o casal Garotinho sobreviverá aos resultados eleitorais, quem vota na mulher leva o marido. No caso dos Suplicy, para o bem ou para o mal, isso não aconteceu.

Coisas da vida
No início do governo, em 1995 (dólar a R$ 0,90), Pedro Malan ameaçou se demitir caso FFHH não o nomeasse chefe da delegação brasileira às reuniões do Banco Mundial.
Na semana passada (dólar em algum lugar entre R$ 3 e R$ 3,30), Malan não foi a Washington conversar com o FMI e a Casa Branca. Mandou Amaury Bier, secretário-executivo do Ministério da Fazenda.

Ciro e a oligarquia alheia

Com alguma frequência Ciro Gomes se apresenta como adversário das oligarquias. Chegou a escrever um artigo intitulado "O Estado contra as oligarquias" e já acusou FFHH de representar "a oligarquia parlamentar", sustentando-a com "pão-de-ló". Também acusou o ex-senador Antonio Carlos Magalhães de representar a oligarquia nordestina e chegou a dizer que era necessário recorrer à "retórica explícita da mobilização popular contra o encastelamento institucional das oligarquias". É seu direito dizer o que quiser, mas fica a impressão de que Ciro Gomes confunde adversário político com oligarca.
Os fatos mostram que as relações de parentela fazem de sua ascendência a única entre os candidatos a presidente com direito a verbete no "Dicionário das Famílias Brasileiras".
Nem o mais rematado bajulador seria capaz de achar a origem do Silva de Lula. Serra, por sua vez, é filho de um imigrante italiano. Ciro está na família Ferreira Gomes, cujo rastro vem do século 18. Poderia ser apenas família velha, visto que Lula e Serra, como todos os demais filhos de Deus, têm um ascendente no século 18, mas há um Ferreira Gomes (Antônio) presidindo a Câmara de Vereadores de Sobral em 1825. A família governou a cidade pela primeira vez em 1890. O bisavô, o avô e o pai de Ciro governaram Sobral, uma típica cidade nordestina, singular apenas pela presença, no seu centro, de um arco do triunfo, semelhante, em escala menor, ao de Paris. É homenagem à Nossa Senhora de Fátima.
Os Gomes poderiam ser apenas um caso de família velha com esparsas vocações políticas. Não é o caso. Hoje, Sobral é governada pelo ex-deputado Cid Gomes, irmão de Ciro. Patrícia, sua primeira mulher, é candidata ao Senado e foi deputada estadual. O responsável pela captação de recursos para a campanha de Ciro é seu irmão Lúcio, mas isso não é da conta de ninguém.
Poderia ainda ser um caso de família unida, porém solitária, na política. Também não é. O principal assessor econômico de Ciro é o professor e deputado Mauro Benevides Filho, que, como diz o nome, é filho de Mauro Benevides, ex-senador, que por sua vez é filho do deputado Carlos Benevides e pai do deputado Carlos Benevides Neto, noves fora o sogro e um cunhado deputados.
O candidato de Ciro ao governo do Ceará é o senador Lúcio Alcântara, filho do senador Waldemar Alcântara e pai do deputado Léo Alcântara.
Liderado por Tasso Jereissati, que certamente terá o gosto de se eleger senador (como seu pai), a coligação de que Ciro faz parte tem tudo para completar 20 anos ininterruptos de poder no Ceará. Seja qual for o nome desse tipo de longeva composição, nenhuma oligarquia nordestina conseguiu virar título de livro de professora do Massachusetts Institute of Technology ("Bom Governo nos Trópicos", de Judith Tendler).
Todos os candidatos oferecem um futuro melhor. Ciro Gomes, ao se apresentar como um santo guerreiro contra o dragão das oligarquias, oferece uma novidade: um passado melhor.

Stiglitz e a incompetência do FMI

O Fundo Monetário Internacional voltou a ser o remédio de todos os males. Tudo bem, é ele quem tem o dinheiro, e é o governo brasileiro quem o está pedindo, mas isso não significa que seus remédios tenham o valor que lhes dá a ekipekonomica. Pelo contrário. O FMI é acusado de ser uma fábrica de ruínas. Houve um tempo em que essa acusação partia de economistas e governos que pretendiam gastar o que não tinham. Hoje, a competência do Fundo é posta em dúvida por pessoas prestigiadas naquele mundo que se poderia chamar de bem pensante.
O último tiro foi dado em junho passado pelo economista Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia (2001), presidente do Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca durante o governo Clinton e economista-chefe do Banco Mundial de 1997 a 2000. Ele publicou um livro intitulado "Globalization and its Discontents" ("Os Descontentes da Globalização"), no qual acusa o FMI de ter destroçado a economia asiática na crise de 1997 e de arrastar o mundo para uma desgraça sem fim por conta de uma mistura de incompetência e dogmatismo. Nas suas palavras, referindo-se à trapalhada asiática:
"O FMI não estava metido numa conspiração, mas estava refletindo os interesses e a ideologia da comunidade financeira ocidental".
Stiglitz sustenta que o FMI pensa com a cabeça da banca. Pior: pensa só com a cabeça dos banqueiros e acha que todos os outros pensares são irrelevantes.
Até aí, nada demais, pois os banqueiros podem estar certos. Stiglitz mostra que o FMI opera em níveis de assombrosa incompetência. Diz e prova com exemplos que não exigem conhecimento de economia. Alguns deles:
-O FMI se recusava a aceitar que a avaliação da economia da Etiópia levasse em conta a ajuda externa que ela recebia de outros países. O argumento dos economistas do FMI era sólido: sendo volátil, a ajuda não devia ser levada em conta. Stiglitz, em nome do Banco Mundial, argumentava que esse critério podia ser válido na Inglaterra, mas na Etiópia a realidade era outra. Provava o que dizia mostrando que, na série histórica, a arrecadação de impostos (que o FMI considera indicador adequado) oscilava mais que a ajuda externa. Não adiantou.
-Nos anos 90 o FMI disse ao governo americano que sua economia entraria num período de inflação se a taxa de desemprego ficasse abaixo de 6%. Para evitar esse risco, recomendava que subisse a taxa de juros. Foi mandado passear. O desemprego americano caiu a 4%, a taxa de juros não subiu e o país entrou num inédito ciclo de crescimento, sem inflação. (Ele lembra que o estudo do desemprego não faz parte do currículo básico em algumas universidades onde o FMI recruta seus economistas.)
-Stiglitz conta que as missões do FMI chegam aos países que visitam trazendo relatórios preliminares, redigidos em Washington. Acrescenta que em alguns casos os burocratas do Fundo tiram parágrafos inteiros do relatório de um país e colam-nos na avaliação de outro. Num caso, teria ocorrido um erro de digitação e o computador não registrou o comando de "ache e substitua". Resultado: o relatório falava de um país e a missão estava em outro.
Serviço para quem esteja interessado em comprar o livro (US$ 25): são 252 páginas de texto chato, repetitivo e caótico.

Documento
Arthur Bernardes
(presidente do Brasil de 1922 a 1926)

Pedro Corrêa do Lago encontrou entre seus alfarrábios uma carta de Bernardes ao ministro das Relações Exteriores, Félix Pacheco. Foi escrita em março de 1923, na esteira da revolta gaúcha contra o governo de Borges de Medeiros, mas boa parte dela podia ser postada por FFHH amanhã. Seus principais trechos:
"Meu caro ministro e amigo,
Acabo de ler, numa cópia que me fez o favor de enviar, os telegramas que lhe passaram nossos embaixadores em Washington e Londres, dando ao governo conhecimento das explorações que ali são feitas contra o crédito do Brasil, com base em alarmantes boatos sobre a revolução no Rio Grande do Sul.
É urgente, como pondera, autorizá-los a um desmentido e uma declaração: desmentido quanto à impontualidade na satisfação de nossos compromissos financeiros, que constituem ponto de honra para o governo, e declaração sobre o caráter local do movimento revolucionário sem repercussão na vida econômica e financeira do país.
Devem os nossos embaixadores acentuar que tais boatos só podem ser divulgados por interessados no jogo de títulos brasileiros, agora mais garantidos com o novo aumento de impostos, que vão determinando a elevação de nossas rendas.
Não convém referência alguma, no momento, a garantias ao capital estrangeiro, porque isso importaria um compromisso para nós nos casos da Light e Great Western, que aspiram no país a situação de privilégio. Essas empresas querem para si favores especiais, que se não concedem aos nacionais, e auxiliam talvez a campanha do nosso descrédito, com o intuito de forçar o governo e atender aos seus pontos de vista. (...)
Se julgar prudente avisar o ministro da Fazenda antes de enviar as instruções, posso informá-lo de que ele deve achar-se em Campos de Jordão, caso não esteja em São Paulo. (...)
Seu afetuoso amigo e admirador
Arthur Bernardes".

Longe de Roma
Pode não ser muita coisa, mas FFHH decidiu não ir para os Estados Unidos depois de deixar o governo.
Está em dúvida entre passar dois meses em Portugal ou na França. Como bom tucano, acabará indo a Portugal e à França.

Ter o que fazer
Um curioso achou entre os projetos em andamento na Câmara dos Deputados a seguinte pérola do deputado Itamar Serpa (PSDB-RJ):
"Fica proibida a utilização de motocicletas, motonetas e ciclomotores por condutor e passageiro, ambos do sexo masculino, nas cidades com mais de 75 mil habitantes".



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