São Paulo, quinta-feira, 04 de agosto de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/LIGAÇÕES CRUZADAS

Ex-ministro António Mexia diz em entrevista que publicitário se apresentou como emissário do Planalto; presidência e Valério negam

Para português, Valério era "consultor de Lula"

ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO

O empresário Marcos Valério Fernandes de Souza se apresentou ao governo português como consultor do presidente Lula, segundo declaração do ex-ministro de Obras Públicas, Transportes e Comunicações António Mexia, publicada no mês passado pelo semanário ""Expresso", de Lisboa.
Na entrevista, Mexia disse que recebeu Valério ""na qualidade de consultor do presidente do Brasil e a pedido de Miguel Horta e Costa, presidente da PT (Portugal Telecom)". O encontro aconteceu no final de outubro do ano passado, segundo informação obtida pela Folha.
Em nota divulgada ontem, a Portugal Telecom admitiu ter tido ""contatos" com Marcos Valério, mas não esclareceu quantos, quando nem que tipo de contatos manteve com ele. Em declaração à parte da nota oficial, informou que o empresário só esteve uma vez em sua sede, em Lisboa, no final de outubro.

Cortesia
O ex-ministro de Obras de Portugal afirmou ao ""Expresso" que teve um encontro ""de cortesia" com o publicitário e que a reunião durou de 10 minutos a 15 minutos. Disse que trataram de ""conversa de circunstância", sem ""tema específico".
Segundo o semanário, Mexia qualificou de ""ridículo" o envolvimento de seu nome com Marcos Valério e afirmou estar disponível a prestar esclarecimentos ao Congresso brasileiro.
A Folha tentou localizar o ex-ministro durante todo o dia de ontem, mas nem o celular nem o telefone residencial dele atendiam. O ex-porta-voz de António Mexia no Congresso, Paulo Campos, disse que ele está em férias, fora da capital portuguesa.

Telemig
Segundo a Portugal Telecom, os contatos com Valério aconteceram em razão de ela estar ""potencialmente interessada" na compra da Telemig Celular, operadora de telefonia móvel de Minas Gerais controlada por fundos de pensão, Citigroup e pelo Opportunity, de Daniel Dantas. Os sócios estão em litígio pelo controle da Telemig e de outras empresas em que têm investimentos conjuntos -a Brasil Telecom, a Tele Norte Celular e o Metrô do Rio.
Em 2004, começaram as negociações para a venda da Telemig e da Tele Norte. A Vivo (maior operadora de telefonia celular do país, com 28 milhões de assinantes), pertencente à Portugal Telecom e à Telefónica de España, era uma das candidatas. A compra, que não se concretizou, daria à Vivo uma cobertura nacional, o que explica seu interesse pelo negócio. Hoje, ela só não está presente em Minas e na região Norte.
Executivos do mercado de telecomunicações ouvidos pela Folha disseram que desconheciam a participação de Marcos Valério nas negociações para a venda da Telemig. Segundo os especialistas, o objetivo de Daniel Dantas era vender a tele para a Brasil Telecom. As conversas com a Vivo, no entendimento do mercado, seriam apenas para ""formar preço".
O grupo Opportunity, procurado ontem pela Folha, não quis comentar a negociação de Valério com a Portugal Telecom.

Repúdio
A Portugal Telecom, que já havia contestado as declarações de Roberto Jefferson sobre supostas negociações com Marcos Valério para saldar dívidas do PT e do PTB, voltou a negar que tenha se encontrado com o publicitário nos dias 24, 25 e 26 de janeiro, em Lisboa, como disse Jefferson.
""A Portugal Telecom assegura que jamais participou de qualquer encontro com o objetivo de discutir ou negociar operações que envolvessem o financiamento de partidos políticos brasileiros", diz o texto divulgado ontem pelo grupo português.
Em relação a audiências com Lula, disse que foi recebida duas vezes pelo presidente ""para comunicar investimentos no Brasil". O grupo, segundo afirmou, investiu mais de US$ 7 bilhões no Brasil, sobretudo na Vivo.
As supostas investidas de Valério junto a empresas portuguesas são alvos de notícias em Portugal desde o mês passado, mas, até então, o foco principal era o Banco Espírito Santo, um dos principais acionistas da Portugal Telecom.
A edição do ""Expresso" (de 16 de julho) que trouxe as declarações de Mexia, contém também uma entrevista com o deputado Roberto Jefferson, em que afirma ter tido informação de que Marcos Valério teria se encontrado ""três ou quatro vezes" com o ex-ministro António Mexia, em nome do ex-chefe da Casa Civil José Dirceu, para negociar a Varig. Disse também que recebeu proposta de Valério para interferir na política de investimentos do IRB (Instituto de Resseguros do Brasil) e favorecer, com aplicações, o Banco Espírito Santo.
Anteontem, durante o depoimento de José Dirceu ao Conselho de Ética da Câmara, Jefferson disse que o ex-ministro patrocinou "uma aproximação" de Lula com o grupo Portugal Telecom, e depois emissários foram despachados para Lisboa. Dirigindo-se ao ex-ministro, o deputado disse: "(...) para que nós negociássemos de lá, depois do encontro que V. Exa. patrocinou do grupo da Portugal Telecom com o presidente Lula, um acordo que pusesse em dia as contas do PTB e do PT".
Dirceu negou: "Não é verdade, não é fato. Nunca tive relação com a Portugal Telecom de nenhum tipo, nem administrativa nem funcional, nunca tratei com a Portugal Telecom nenhuma matéria. (...) Trata-se de uma mentira".
Ontem, o ministro do Turismo, Walfrido dos Mares Guia, também negou ter conversado com o presidente Lula sobre a Portugal Telecom, como sugeriu Jefferson.


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