São Paulo, quinta-feira, 04 de agosto de 2005

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JANIO DE FREITAS

Consultor de mentira

Uma conclusão está estabelecida: todos os pagadores, recebedores e demais envolvidos com os dinheiros expelidos por Marcos Valério são absolutamente inocentes e nenhum tem informação alguma sobre a maluca história de corrupção que anda por aí. Mas não anda sozinha, não. Como Lula tem dito nos seguidos discursos populares, a imprensa é a responsável pelas mentiras difundidas a cada dia aos cidadãos. E, desde que assumiu a Presidência, ninguém é portador de mais autoridade do que Lula para falar de mentiras, tapeações, invencionices, logros de que o eleitorado tem sido vítima.
Há uma semana, aqui foi dito que a crise chegava à porta do palácio presidencial. Os discursos agressivos de Lula não a afastaram. O fato, positivo para Lula e para o governo, de José Dirceu aparecer para sua pretensa defesa, nem a intimidou. A crise ontem chegou aos pés de Lula. Por uma ironia perversa: a ida e a atitude de José Dirceu ao Conselho de Ética da Câmara, que agradaram muito a Lula, é que ensejaram o surgimento das informações que enrolaram o próprio presidente brasileiro nos fios dos negócios telefônicos que ocorrem nos subterrâneos deste país.
Para não fugir à regra, como disse José Dirceu, era mais uma mentira de Roberto Jefferson. A Portugal Telecom manteve a regra, e logo soltou uma nota mentirosa, no entanto forçada à correção por um inadvertido ex-ministro português e seu interessante esclarecimento: a Portugal Telecom recebeu, sim, um consultor do presidente brasileiro -claro, Marcos Valério, além de financista do oficialismo, agora embaixador privado.
O depoimento de José Dirceu não rendeu muito mais do que o canhonaço luso-brasileiro lançado por Roberto Jefferson. No pouco a mais, porém, ficaram duas das tantas intervenções. Uma, formalmente exemplar, do deputado paulista Mendes Thame, que foi reunindo as partes constitutivas da crise até, por sua óbvia conexão, concluir pela existência de uma organização com tarefas distintas, distribuídas e coordenadas como um sistema orgânico para ilegalidades financeiras. A outra intervenção competente foi do deputado gaúcho Fernando Coruja, que desenvolveu um raciocínio condutor à conclusão de forçosa presença de parte, ou partes, do governo no esquema que a crise desvenda.
É impossível imaginar, de fato, R$ 55 milhões emprestados ao PT por amizade, a justificativa de Marcos Valério e Delúbio Soares ainda de pé. Mais: R$ 55 milhões garantidos só pela palavra de Delúbio, ou Genoino, ou Dirceu? Por isso mesmo, o que a defesa de José Dirceu houvesse conquistado -o que se deveu sobretudo à recusa de renúncia- ruiu, de repente. É impossível não admitir que Roberto Jefferson seja verdadeiro ao dizer que falou do "mensalão" a José Dirceu. Falou a Ciro Gomes, falou a Miro Teixeira, falou a Antonio Palocci, falou até a Lula, e nenhum desses o desmentiu. Por que não falaria a Dirceu, se era mais lógico e fácil que o fizesse?
A negação de José Dirceu à conversa é inconvincente. E chama atenção para outro fraquejo seu, ao atribuir, titubeante, a intensa transferências de parlamentares para partidos governistas, já em 2003, à simples vontade de apoio ao governo. Ansiosos neolulistas que vinham até lá da ponta direita. José Dirceu era, então, coordenador da ação política do governo no Congresso. Nem que fosse só em homenagem à alta função, já que não deseja homenagear a inteligência geral, devia uma resposta menos miúda.
Paciência, que a crise ainda tem muito fôlego. E só agora se aproxima da fase crucial, que, provavelmente, espera a queda das fortíssimas resistências à investigação dos fundos de pensão estatais.


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