São Paulo, quinta-feira, 04 de agosto de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/DEPOIMENTO

Simone Vasconcelos confirma versões de Marcos Valério e alega desconhecer mais detalhes de operações financeiras da SMPB

Diretora foge de perguntas e irrita a CPI

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Maior sacadora das contas do publicitário Marcos Valério de Souza, a diretora financeira da SMPB, Simone Vasconcelos, sustentou ontem, na CPI dos Correios, a versão de que a origem desses recursos foram empréstimos bancários tomados pelas empresas de Valério e repassados ao PT. Apesar de haver deputados entre os destinatários dos recursos, ela disse não ter conhecimento de que os pagamentos fossem referentes a um "mensalão".
"Não tenho memória para números. Não me perguntem sobre números. Diretora financeira não tem obrigação de saber números de cabeça, me desculpem", disse ela, em determinado momento.
Apesar de lapsos de memória que pontuaram o depoimento, que começou às 11h e terminou às 11h30, Simone mostrou-se segura e foi até considerada "arrogante" pelos parlamentares.
Ela chegou a ironizar perguntas. O deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS) questionou, em tom ríspido, se ela havia se cansado de carregar malas de dinheiro. "Nunca carreguei mala de dinheiro, só de roupa, e minha mala tem rodinha, não fico cansada."
Simone tentou fazer seu depoimento a portas fechadas, sem sucesso. "Acho isso detestável. A base do meu trabalho é a confidencialidade e eu estou me expondo."
Mesmo com a insistência dos parlamentares, ela não forneceu dados novos às investigações. "Meu objetivo aqui é esclarecer o que eu sei, não vou inventar", disse ela ao senador Álvaro Dias (PSDB-PR), que pedia nomes que estariam no comando da operação financeira, além do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares.
Conhecido por sua calma e bom-humor, o relator da CPI, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), saiu do sério pela primeira vez desde o início dos trabalhos, há cerca de dois meses. "Eu é que vou estabelecer como conduzir o interrogatório", disse o deputado à diretora financeira da SMPB.
Simone dizia não se lembrar de nada do que o relator perguntava e insistia que ele consultasse a lista de beneficiários do dinheiro entregue por ela à Procuradoria Geral da República nesta semana. "De certo modo, à medida que ela diz não saber de questões óbvias, pode estar mentindo", disse Serraglio sobre o depoimento.
Para a deputada Juíza Denise Frossard (PSDB-RJ), é inverossímil o relato feito por Simone de que pegou um avião de Minas Gerais até São Paulo, com Marcos Valério, mas que ficou na copa da sede do PT enquanto o publicitário e o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares faziam uma reunião. "Foi exatamente isso", disse a convocada, sem se abalar.
A deputada não gostou da reação. "O deputado Onyx [Lorenzoni] disse que a senhora seria cúmplice do Marcos Valério. Eu discordo, a senhora é operadora, é autora, é um dos braços do sistema", afirmou a juíza.
A diretora financeira e o próprio Marcos Valério apresentaram à Procuradoria Geral da República nesta semana duas listas de beneficiários do dinheiro, uma com 31 nomes e outra com 12 nomes. Ela sacou cerca de R$ 7,7 milhões, repassados a políticos.
Foi anunciada, no entanto, uma retificação nessas listagens. O ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha (PT-SP) teria sacado R$ 50 mil, e não R$ 200 mil como constava da lista de Valério. A correção foi feita pelo próprio empresário anteontem em depoimento à Procuradoria Geral da República e anunciada ontem pelo relator da CPI.

 

DUDA MENDONÇA - Parlamentares da oposição insistiram no esclarecimento dos repasses que totalizaram R$ 15,5 milhões para a publicitária Zilmar Silveira, sócia de Duda Mendonça. Ela disse apenas que foi uma solicitação de Delúbio a Valério. "A informação que sempre chegou a mim é que era acerto de campanha", disse.
Segundo Simone, algumas vezes o dinheiro destinado a Zilmar era retirado pelo policial David Rodrigues Alves, o segundo maior sacador das contas de Valério, com cerca de R$ 5 milhões. Questionada ainda se Duda Mendonça seria sócio oculto da SMPB, ela respondeu que não.
MODUS OPERANDI - Simone afirmou que os saques de elevadas quantias em dinheiro nas agências do Banco Rural foram substituídos por depósitos para a corretora Bônus-Banval, repassados ao PT, e para a Guaranhuns Empreendimentos, que eram passados ao presidente do PL, Valdemar Costa Neto. A mudança teria ocorrido por ela não querer fazer pagamentos de valores tão altos.
LISTAS - Simone afirmou que a lista de 12 beneficiários do dinheiro sacado das contas de Marcos Valério e apresentada por ela nesta semana à Procuradoria Geral da República foi elaborada a partir da relação de 31 pessoas elaborada pelo publicitário e entregue também à Procuradoria.
Afirmou não ter comprovante de que essas pessoas receberam o dinheiro entregue por ela, ao contrário de Valério, que teria entregue anteontem à Procuradoria cerca de cem documentos, entre eles recibos.
PETISTAS - A diretora financeira disse que Silvio Pereira sabia dos repasses feitos a políticos, por meio dos saques nas agências bancárias. Questionada se esses recursos eram utilizados para o pagamento de "mensalão" a deputados, ela disse não ter conhecimento disso.
FATURAMENTO DA SMPB - Apesar de ser diretora financeira da agência, Simone disse desconhecer o faturamento da empresa nos anos de 2003 e 2004. Também não informou os cinco maiores clientes da agência.
EMPRÉSTIMOS AO PT - Simone foi questionada sobre a contabilização do dinheiro que era sacado por políticos. Segundo ela, todos os recursos, incluindo os saques realizados a mando de parlamentares do PL, do PP e do PTB, eram contabilizados como "empréstimos ao PT". Ela declarou que não sabe como o contador fazia para legalizar essas operações.
MALAS - "Não havia malas de dinheiro, uma vez que o volume não era alto", revelou Simone. Ela disse que nunca contou dinheiro. A secretária Fernanda Karina Somaggio, em seu depoimento à CPI no mês passado, afirmou que Simone dizia que ficava "cansada" de contar dinheiro em um quarto de hotel em Brasília.
JOSÉ BORBA - Simone descreveu uma ocasião em que o deputado federal José Borba (PMDB-PR) teria ido sacar dinheiro na agência do Banco Rural, em Brasília. "Ele não queria assinar a documentação", recordou. "Fui obrigada a vir a Brasília para resolver o assunto." De acordo com a diretora financeira da SMPB, a intransigência do deputado "ficou marcada" entre os funcionários da agência.
FERNANDA KARINA - "Eu demiti Fernanda Karina", disse. Segundo a diretora financeira, isso aconteceu porque a agência estava passando por dificuldades em 2003, embora o faturamento da SMPB tenha sido de R$ 200 milhões naquele ano, segundo o deputado Onyx Lorenzoni (PFL-RS). "O Marcos Valério viajava muito e a Karina ficava sem função."
(FERNANDA KRAKOVICS, CHICO DE GOIS E LEILA SUWWAN)

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