São Paulo, terça-feira, 04 de setembro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DIPLOMACIA

Para Rubens Barbosa, tratado para uso de base no MA favorece o país

Embaixador defende acordo espacial

MARCIO AITH
DE WASHINGTON

Devido a uma discussão "fora de foco", o Congresso poderá excluir o Brasil de um mercado anual de US$ 12 bilhões se rejeitar o tratado que regulamenta o uso comercial, por empresas norte-americanas, da base de lançamento de foguetes de Alcântara.
Essa é a opinião do embaixador do Brasil em Washington, Rubens Barbosa, que acompanhou, no ano passado, a conclusão das negociações com o governo norte-americano. "Fomos nós que quisemos o acordo, porque ele nos beneficia. O governo e o setor privado norte-americanos nunca se interessaram por ele", disse Barbosa em entrevista à Folha.
O tratado está sendo debatido pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara. O relator da matéria, deputado Waldir Pires (PT-BA) e o presidente da comissão, Hélio Costa (PMDB-MG) querem vetá-lo sob a alegação de que fere a soberania nacional e impede o avanço tecnológico brasileiro.
A seguir, trechos da entrevista.

 

Folha - O acordo de Alcântara fere os interesses e a soberania do Brasil?
Rubens Barbosa -
Não. As pessoas se esquecem de que a iniciativa do acordo foi brasileira. Não houve pressão norte-americana. Os EUA nem o queriam, por temerem que a tecnologia dos veículos lançadores de satélites pudesse ser usada para uso militar. Esse acordo só pôde ser negociado por insistência nossa e por interferência direta do ex-presidente Bill Clinton e de seu assessor para assuntos de segurança nacional, Sandy Berger.

Folha - De que forma o acordo serve aos interesses brasileiros?
Barbosa -
Ele viabiliza o uso comercial da base de Alcântara. Esse foi nosso único objetivo, e as pessoas se esquecem disso. Mais de 80% dos lançamentos de foguetes são feitos por companhias norte-americanas. Essas companhias estão proibidas de lançar satélites em países que não aderem a esse tipo de acordo. Estão previstos mais de 800 lançamentos de satélites nos próximos dois anos. Paga-se de US$ 25 a US$ 30 milhões para fazer um único lançamento. Portanto, estamos falando de um mercado de até US$ 24 bilhões nos próximos dois anos.

Folha - Há quem considere as condições do acordo inaceitáveis.
Barbosa -
Não são. As condições são as mesmas colocadas em tratados similares fechados pelos EUA com países como China, Rússia, Ucrânia e Cazaquistão. O único objetivo dos EUA é o de proteger a tecnologia desenvolvida pelas empresas norte-americanas. Isso é compreensível. O brasil estava disposto a pagar um preço para aumentar o uso da base de Alcântara. O acordo pode ser entendido como o preço que teremos de pagar. Não há cessão de soberania, porque estamos negociando e aceitando as condições sabendo exatamente quais são.

Folha- O acordo proíbe a transferência de tecnologia ao Brasil e veda o uso de recursos provenientes do aluguel da base na construção de veículos de lançamento. Essas restrições não barram o desenvolvimento de nossa indústria tecnológica?
Barbosa -
A discussão está fora de foco. A oposição aborda esses temas como se o acordo fosse um tratado de cooperação tecnológica. Ele é apenas uma maneira de regulamentar o uso comercial da base. Seu texto não prevê transferência de tecnologia porque não é um acordo bilateral para colaboração no campo espacial. Quanto ao uso do dinheiro do aluguel da base, a restrição não tem qualquer efeito prático. Talvez tenha apenas para fins internos norte-americanos.

Folha - Pelo texto do acordo, os contêineres com os equipamentos entrarão lacrados no país e só poderão ser abertos por representantes dos EUA. Isso não lhe parece uma perde de soberania?
Barbosa -
Pelo acordo, a companhia norte-americana que quiser fazer o lançamento terá que declarar por escrito aos governos americano e brasileiro o conteúdo dos contêineres. Isso é sério. Ninguém vai declarar uma coisa por outra.

Folha - Se o governo brasileiro não pode checar o que há nos contêineres, como saberemos se as declarações estão corretas?
Barbosa -
Veja, não será uma caixa preta no sentido de não se saber o que há dentro dos contêineres. A restrição vale para operações espaciais em particular. É limitada a áreas definidas como sensíveis. Não se trata de uma novidade. Malas diplomáticas, por exemplo, não podem ser abertas por alfândegas.

Folha - O sr. acredita que seria possível renegociar o acordo com os EUA, adaptando-o às exigências e preocupações do Congresso brasileiro?
Barbosa -
Eles dificilmente vão aceitar. Os EUA não têm interesse nesse acordo. Tire suas próprias conclusões. Aliás, mudou o presidente norte-americano. Talvez George W. Bush nem o queira mais. Quando entramos nesse acordo, foi para atender ao interesse nacional brasileiro, não para satisfazer os desejos dos EUA. Vencemos todas as resistências dos EUA e agora, depois de tudo, diríamos: "Não, não queremos o acordo porque ele fere a soberania". Seria uma pena.



Texto Anterior: Petista quer rever só as novas privatizações
Próximo Texto: Caso banpará: Ex-gerente não sabe destino de cheques desviados
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.