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DIPLOMACIA
Para Rubens Barbosa, tratado para uso de base no MA favorece o país
Embaixador defende acordo espacial
MARCIO AITH
DE WASHINGTON
Devido a uma discussão "fora
de foco", o Congresso poderá excluir o Brasil de um mercado
anual de US$ 12 bilhões se rejeitar
o tratado que regulamenta o uso
comercial, por empresas norte-americanas, da base de lançamento de foguetes de Alcântara.
Essa é a opinião do embaixador
do Brasil em Washington, Rubens Barbosa, que acompanhou,
no ano passado, a conclusão das
negociações com o governo norte-americano. "Fomos nós que
quisemos o acordo, porque ele
nos beneficia. O governo e o setor
privado norte-americanos nunca
se interessaram por ele", disse
Barbosa em entrevista à Folha.
O tratado está sendo debatido
pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara. O relator da matéria, deputado Waldir Pires (PT-BA) e o
presidente da comissão, Hélio
Costa (PMDB-MG) querem vetá-lo sob a alegação de que fere a soberania nacional e impede o
avanço tecnológico brasileiro.
A seguir, trechos da entrevista.
Folha - O acordo de Alcântara fere
os interesses e a soberania do Brasil?
Rubens Barbosa - Não. As pessoas se esquecem de que a iniciativa do acordo foi brasileira. Não
houve pressão norte-americana.
Os EUA nem o queriam, por temerem que a tecnologia dos veículos lançadores de satélites pudesse ser usada para uso militar.
Esse acordo só pôde ser negociado por insistência nossa e por interferência direta do ex-presidente Bill Clinton e de seu assessor
para assuntos de segurança nacional, Sandy Berger.
Folha - De que forma o acordo
serve aos interesses brasileiros?
Barbosa - Ele viabiliza o uso comercial da base de Alcântara. Esse
foi nosso único objetivo, e as pessoas se esquecem disso. Mais de
80% dos lançamentos de foguetes
são feitos por companhias norte-americanas. Essas companhias
estão proibidas de lançar satélites
em países que não aderem a esse
tipo de acordo. Estão previstos
mais de 800 lançamentos de satélites nos próximos dois anos. Paga-se de US$ 25 a US$ 30 milhões
para fazer um único lançamento.
Portanto, estamos falando de um
mercado de até US$ 24 bilhões
nos próximos dois anos.
Folha - Há quem considere as condições do acordo inaceitáveis.
Barbosa - Não são. As condições
são as mesmas colocadas em tratados similares fechados pelos
EUA com países como China,
Rússia, Ucrânia e Cazaquistão. O
único objetivo dos EUA é o de
proteger a tecnologia desenvolvida pelas empresas norte-americanas. Isso é compreensível. O brasil
estava disposto a pagar um preço
para aumentar o uso da base de
Alcântara. O acordo pode ser entendido como o preço que teremos de pagar. Não há cessão de
soberania, porque estamos negociando e aceitando as condições
sabendo exatamente quais são.
Folha- O acordo proíbe a transferência de tecnologia ao Brasil e veda o uso de recursos provenientes
do aluguel da base na construção
de veículos de lançamento. Essas
restrições não barram o desenvolvimento de nossa indústria tecnológica?
Barbosa - A discussão está fora
de foco. A oposição aborda esses
temas como se o acordo fosse um
tratado de cooperação tecnológica. Ele é apenas uma maneira de
regulamentar o uso comercial da
base. Seu texto não prevê transferência de tecnologia porque não é
um acordo bilateral para colaboração no campo espacial. Quanto
ao uso do dinheiro do aluguel da
base, a restrição não tem qualquer
efeito prático. Talvez tenha apenas para fins internos norte-americanos.
Folha - Pelo texto do acordo, os
contêineres com os equipamentos
entrarão lacrados no país e só poderão ser abertos por representantes dos EUA. Isso não lhe parece
uma perde de soberania?
Barbosa - Pelo acordo, a companhia norte-americana que quiser
fazer o lançamento terá que declarar por escrito aos governos americano e brasileiro o conteúdo dos
contêineres. Isso é sério. Ninguém vai declarar uma coisa por
outra.
Folha - Se o governo brasileiro
não pode checar o que há nos contêineres, como saberemos se as declarações estão corretas?
Barbosa - Veja, não será uma
caixa preta no sentido de não se
saber o que há dentro dos contêineres. A restrição vale para operações espaciais em particular. É limitada a áreas definidas como
sensíveis. Não se trata de uma novidade. Malas diplomáticas, por
exemplo, não podem ser abertas
por alfândegas.
Folha - O sr. acredita que seria
possível renegociar o acordo com
os EUA, adaptando-o às exigências
e preocupações do Congresso brasileiro?
Barbosa - Eles dificilmente vão
aceitar. Os EUA não têm interesse
nesse acordo. Tire suas próprias
conclusões. Aliás, mudou o presidente norte-americano. Talvez
George W. Bush nem o queira
mais. Quando entramos nesse
acordo, foi para atender ao interesse nacional brasileiro, não para
satisfazer os desejos dos EUA.
Vencemos todas as resistências
dos EUA e agora, depois de tudo,
diríamos: "Não, não queremos o
acordo porque ele fere a soberania". Seria uma pena.
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