São Paulo, domingo, 04 de setembro de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ FUNDOS DE PENSÃO

Mensagens eletrônicas de 2003, trocadas entre banqueiro e executiva do Citibank, revelam ingerência do governo sobre fundos

Planalto pressionou Dantas por fundos

LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Mensagens eletrônicas trocadas pelo banqueiro Daniel Dantas (Opportunity) com uma alta executiva do Citibank nos Estados Unidos revelam a ingerência que o Palácio do Planalto mantém sobre os três grandes fundos de pensão (Previ, Petros e Funcef), o que contraria versão do governo.
Nos e-mails, de maio de 2003, Dantas narra como o então ministro José Dirceu (Casa Civil) e o presidente do Banco do Brasil na época, Cássio Casseb, foram escalados para pressioná-lo a desfazer o acordo com os fundos que garantia ao Opportunity o controle da Brasil Telecom.
As mensagens, obtidas pela Folha, foram anexadas, como documentos, ao processo que corre na Justiça americana.
"Ele estava preocupado que os fundos de pensão acabassem, dada nossas iniciativas, numa situação similar àquela da aquisição da TIW [companhia telefônica canadense que perdeu milhões de dólares em investimentos no Brasil]", escreveu Dantas, no dia 5 de maio de 2003, sobre diálogo com Dirceu no Palácio do Planalto. "Ele sugeriu que o senhor Cássio Casseb, presidente do Banco do Brasil, seja a pessoa responsável para solucionar o problema."
No dia 14 do mesmo mês, Dantas mandou outra mensagem, para a mesma pessoa, Mary Lynn Putney, então vice-presidente do CVC (Citibank Venture Capital). "Minha conversa com o Cássio foi muito estranha", começou. "Ele disse que gostaria de desfazer os acordos com acionistas que nós temos com os fundos de pensão. (...) Ele disse que entendia que a decisão era minha, e que ele estava falando em nome do governo."
A briga entre os fundos de pensão e o Opportunity pelo controle da Brasil Telecom se arrasta desde 1999 e, no governo Lula, ganhou novos contornos, colocando dois nomes importantes do governo em campos opostos.
De um lado, o chefe do NAE (Núcleo de Assuntos Estratégicos), Luiz Gushiken, que sempre atuou fortemente nos bastidores em defesa dos fundos de pensão. Os presidentes dos dois maiores fundos de pensão, Previ (Sérgio Rosa) e Petros (Wagner Oliveira), são amigos pessoais de Gushiken. O chefe do NAE sempre negou que o governo interferisse nos assuntos dos fundos de pensão.
Já o ex-ministro José Dirceu, conforme a Folha apurou, é tido o como alguém próximo a Daniel Dantas. No começo do governo, no entanto, o ex-ministro defendia a posição de Gushiken.
A assessoria de Dirceu confirmou que houve o encontro com Dantas, mas disse que as datas não batem. Pelo relato do banqueiro, o encontro mencionado teria ocorrido um dia antes do envio da primeira mensagem (5/5/ 2003). A assessoria de Dirceu informou que no dia 28 de abril daquele ano, Dantas havia ligado pedindo audiência com o ministro. Dirceu o recebeu duas vezes no Palácio do Planalto. A primeira, logo no dia seguinte ao telefonema (29 de abril). A segunda, no dia 30 de maio. Segundo a assessoria do deputado, Dantas teria feito um relato da situação na Brasil Telecom. Dirceu teria sugerido a Dantas procurar a Previ e o patrocinador do fundo, no caso Cássio Casseb. O ex-ministro teria dito também que o problema dos fundos não cabia a ele, mas sim à CVM (Comissão de Valores Mobiliários), à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e às Justiças brasileira e americana.
Por meio da assessoria do Banco do Brasil, Casseb, que pediu demissão do banco em 2004, disse que não falaria sobre o assunto.
Em entrevista à Folha, o presidente da Previ (fundação de previdência dos funcionários do BB), Sérgio Rosa, confirmou que Casseb se encontrou com Dantas para tratar do acordo em torno da Brasil Telecom. "Ele chegou a me relatar, mas não em detalhes", disse, sobre a conversa entre Dantas e Casseb no BB.
Rosa ressaltou que Casseb "sempre se dispôs a colaborar para solucionar os problemas da Previ", mas com o interesse de banco patrocinador do fundo de pensão, "dentro dos limites de autonomia que cada parte tem".
Em outro e-mail, no dia 23 de maio de 2003, uma sexta-feira, Dantas encaminha para Mary Lynn mensagem recebida no dia anterior de Luiz Octavio da Motta Veiga, presidente do conselho de administração da Brasil Telecom Participações por indicação do Opportunity. Na conversa, Veiga conta que na terça-feira da mesma semana tivera reunião em Brasília convocada pelo então ministro das Comunicações Miro Teixeira, deputado pelo PT-RJ.
Teixeira confirma a audiência, mas diz que foi para tratar da revisão do reajuste da telefonia fixa.
O deputado, porém, confirmou que os dirigentes dos fundos de pensão, sobretudo Sérgio Rosa, insistiam para que o governo interviesse no acordo com o Opportunity em favor das fundações.
"Ele [Rosa] achava que o Estado podia intervir para destituir o Opportunity", disse Teixeira. "Eu atendia, achava que a causa deles era boa, estavam defendendo o interesse dos segurados, mas havia o sentimento de que nós tínhamos chegado ao poder e não ao governo. Nós chegamos foi ao governo", afirmou o deputado.

O acordo
Previ, Petros (Petrobras) e Funcef (Caixa Econômica Federal) brigam com o Opportunity pelo comando da Brasil Telecom desde 1999. Na privatização do sistema Telebrás, em 1998, o Opportunity fechou acordo com os três grandes fundos de pensão para a compra da empresa.
Apesar de ter menos de 10% das ações -contra cerca de 45% do Citibank e 45% dos fundos de pensão-, o Opportunity passou a controlar a Brasil Telecom em razão de uma série de intrincados acordos e contratos judiciais. Desde 2004, no entanto, Dantas vem sofrendo uma enorme ofensiva dos fundos e do Citi para sair do comando dos negócios.
Os norte-americanos conseguiram destituí-lo na Justiça de Nova York, e decisões no Brasil também afastaram o brasileiro do controle da telefônica neste ano.
Os documentos enviados pelos advogados de Dantas para a Justiça americana são para tentar reverter a decisão na corte.
No e-mail sobre a conversa com Casseb, Dantas reproduz o diálogo. Ele teria perguntado ao então presidente do BB se os fundos de pensão estariam interessados em vender participações na Brasil Telecom. Casseb teria respondido que "não por um preço justo".
Representantes dos fundos de pensão e do Citibank temiam que Daniel Dantas pudesse vender sua parte à Telecom Italia (outra acionista da empresa), garantindo à operadora italiana o comando da empresa.

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