São Paulo, quinta-feira, 04 de setembro de 2008

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JANIO DE FREITAS

Submundo


Serra deve providências extremadas e imediatas contra os policiais que torturaram três rapazes

A TORTURA não é crime hediondo só quando de responsabilidade do coronel Carlos Alberto Ustra e seus congêneres nos quartéis e cadeias ilegais das Forças Armadas. Logo, o governador José Serra deve providências extremadas e imediatas contra os policiais que extraíram com torturas as admissões indevidas, por três rapazes em prisão há dois anos, de violência sexual e assassinato de uma jovem. A aceitação de protelações investigatórias e da lerdeza convencional nos processos administrativos equivalerá, sob as aparências do Estado de Direito, à conduta acobertadora ante as denúncias de tortura durante a ditadura.
Nenhuma dúvida pode fazer sentido em relação à tortura sofrida pelos três, que a denunciaram com insistência e inutilidade à Justiça e à Promotoria criminal. Nenhum dos três, conscientes todos da inocência, assinaria "confissões" para ser preso e julgado, com a certeza de sentença muito pesada, não fossem torturas insuportáveis. Salvas pela prisão do criminoso verdadeiro e comprovado pelos pormenores espontâneos da confissão, as três vítimas da tortura e da injustiça terão a falsa reparação das indenizações, quando os trocados cheguem em dia não sabido nem previsível.
O governador paulista, porém, não terá reparação moral, jamais, se não adotar as diligências de rito veloz para que os torturadores, quadrilheiros do submundo do Estado, tenham o pronto e pleno destino prescrito para os que, além de representarem ameaça à sociedade e suas leis, traem o poder recebido.
A tal submundo referiu-se, no depoimento ontem à CPI das Escutas Telefônicas, o diretor-adjunto da Abin, em afastamento provisório, José Milton Campana (em tempo: não é trocadilho). "A Abin não trabalha no submundo", disse, "a Abin não faz interceptações telefônicas". No caso da conversa gravada de Gilmar Mendes e Demóstenes Torres, e talvez mesmo no decorrer do governo Lula, não há pista alguma que torne a Abin mais suspeita do que qualquer outra das possíveis autorias da gravação, como a Polícia Federal e interessados eventuais.
Há, portanto, impropriedades de duas ordens na decisão de Lula de afastar o diretor-geral da Abin, Paulo Lacerda, e o diretor-adjunto, durante as investigações pela Polícia Federal. A primeira é a impropriedade ética de pesar sobre pessoas de um lado só, inclusive acentuando, com isso, suspeitas unilaterais em uma situação de equivalência, no mínimo isso, entre Abin e PF.
Em possibilidades equivalentes de comprometimento, conceder à PF a condução das investigações é, também, decisão tecnicamente errada e politicamente privilegiante. Por mais isentos que sejam os funcionários incumbidos da investigação, quem pode assegurar a priori que a PF esteja inocente de alguma ingerência, no caso repleto de complexidades, e que suas correntes internas não cometam influências ao menos subjetivas nas investigações? Lula forçou o processo de esclarecimento a um erro já no início, não se sabe se capaz de comprometer o final. Mas as iniciativas de relações públicas, com visitas da PF a Gilmar Mendes e a senadores, em busca de algo que nada tem de investigativo, fazem um segundo passo que não corrige o primeiro, antes o continua e agrava.


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