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ENTREVISTA
FÁBIO WANDERLEY REIS
Para cientista político, eleitor simplifica sistema partidário com lógica sem ideologia
PT e PSDB fazem polarização de "pobres" e "ricos", diz analista
Katia Lombard - 27.mar.2002/"O Tempo"
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O cientista político Fábio Wanderley Reis, professor emérito da UFMG, que não descarta uma volta de FHC a disputas eleitorais |
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
O sistema político-partidário do
país sai mais consolidado das eleições municipais, com PT e PSDB
polarizando uma lógica que é menos ideológica do que contraposições singelas e bipolares por parte
do eleitorado -não a "esquerda"
e a "direita", mas "os pobres" e
"os ricos"-, diz o cientista político Fábio Wanderley Reis.
Nessa oposição, e apesar das políticas concretas do PT rotuladas
"neoliberais", a sigla de Lula entraria como o "partido dos pobres". "O que torna um Partido
dos Trabalhadores atraente para
grande parcela dos eleitores ainda
são mecanismos do mesmo tipo
dos que levaram à afirmação do
PTB de Vargas, o "pai dos pobres'", diz o professor emérito da
UFMG.
O quadro partidário mais estável também explica, para Reis, o
enfraquecimento testemunhado
nestas eleições de figuras "personalistas" como Paulo Maluf (PP) e
Anthony Garotinho (PMDB).
Na entrevista à Folha, Reis afirma ainda não descartar uma volta
de Fernando Henrique Cardoso a
disputas eleitorais. "Ele ainda é a
figura de maior peso no PSDB, inclusive no plano eleitoral."
A seguir, trechos da conversa.
Folha - O país sairá das eleições
municipais com um quadro político-partidário mais consolidado?
Fábio Wanderley Reis - O fato de
que a disputa eleitoral venha se
dando repetidamente com o protagonismo de PT e PSDB pode ter
conseqüências positivas. Primeiro, cria a perspectiva de que venha
a ocorrer uma simplificação "natural" do sistema partidário, com
o predomínio de algumas identificações duradouras. Além disso,
é bem claro o que a hegemonia
compartilhada especificamente
do PT e do PSDB representa de
positivo em confronto com a variedade de partidos e lideranças
marcadas por personalismo,
clientelismo ou pragmatismo excessivo e sem consistência que temos tido há muito tempo.
Acho que esse aspecto mostra
com clareza o que há de equivocado e sonhador -embora se trate
de gente certamente bem intencionada- na posição adotada
por alguns intelectuais de São
Paulo que lançaram manifesto
propondo o voto nulo, diante da
suposta falta de alternativas reais
na forma tomada pela disputa
eleitoral na cidade, ou talvez no
país como um todo. Seria preciso
que esses intelectuais prestassem
um pouco mais de atenção nas
condições concretas do processo
político-eleitoral no país, em que
continua sendo possível a um
Collor empolgar de repente a Presidência da República com alguns
truques de marketing. É simples
cegueira não perceber o avanço
representado pelo fato de que, dadas as limitações do nosso eleitorado popular, as espertezas dos
Dudas Mendonças ajudem partidos como PT e PSDB, e não meros
Collors e Malufs.
Em conexão com isso, outra
coisa em que prestar atenção é até
que ponto ocorre
o desgaste real ou
a inviabilização de
lideranças personalistas e populistas. Maluf se desgasta em São Paulo, Antonio Carlos
Magalhães tem dificuldades em Salvador, Garotinho
tem dificuldades
em municípios
que controlava no
Rio de Janeiro.
Folha - Como isso
se acomoda com o
troca-troca partidário que se seguiu
à vitória de Lula?
Reis - Não pretendo dizer que o
país esteja em marcha batida para
o bipartidarismo -até porque
provavelmente vamos ter vitórias
expressivas de outros partidos,
que não o PT ou o PSDB, em várias cidades importantes. O jogo
do "presidencialismo de coalizão" (com o presidente tendo de
buscar apoio em coalizões mais
ou menos heterogêneas) continua
a acontecer e provavelmente vai
continuar pelo menos por algum
tempo, e as trocas de partidos
mencionadas são parte dele.
Apenas acho que o protagonismo continuado do
PT e do PSDB pode
resultar em ampliar a
identificação do eleitorado popular com
eles, o que permitiria
falar de certa tendência a que se consolide
a polaridade. Por outro lado, isso me parece ajustar-se a certo simplismo nas
percepções que o
eleitorado popular
tem do universo político, no qual ocorrem justamente contraposições singelas
e bipolares -não a
"esquerda" e a "direita", como andou
sustentando um livro equivocado do
André Singer, mas
"os pobres" e "os ricos", por
exemplo, como as pesquisas mostram há tempos.
Folha - Se Serra ganha, ele se consolida como líder nacional de oposição a Lula? Tem cacife para isso?
Reis - Acho que seria precipitado
falar de "consolidação" dele como
líder da oposição a Lula. Afinal,
por importante que seja a Prefeitura de São Paulo, no próprio
PSDB há os governadores [Geraldo] Alckmin e Aécio Neves, há
um Tasso Jereissati -além da figura especial de Fernando Henrique Cardoso, que,
com seu prestígio,
tem grande influência mesmo
não estando exercendo cargo político. E não parece
que a eventual volta dele à disputa
eleitoral seja algo
fora de cogitação.
Não se trata, obviamente, de entrar na cabeça dele.
Mas é uma liderança com potencial
eleitoral. Ganhou
duas eleições no
primeiro turno.
Ainda tem a imagem positiva. A
questão que se coloca é se ele seria
animado a ir para a
disputa outra vez. Tenho impressão que ele tem condições de preservar essa imagem, esse prestígio, um pouco à distância da confusão. Mas, dependendo de como
as coisas evoluam -se de repente
a economia se torna ruim-, posso imaginar quadros em que FHC
seria levado a reconsiderar. Ele
ainda é a figura de maior peso no
PSDB, inclusive no plano eleitoral.
Folha - Em relação a quê pode se
dar a oposição PT-PSDB, já que os
partidos se aproximaram tanto do
ponto de vista ideológico?
Reis - Creio que a
aproximação no que
se refere à política
econômica é uma
imposição das circunstâncias mundiais. O deslocamento para políticas
rotuladas como
"neoliberais" se observou no caso de
vários governos em
princípio "de esquerda".
Mas acho que alguma diferença subsiste entre PSDB e
PT pelo fato de que o
PT -por suas origens, suas ligações
com o movimento
sindical e certos movimentos populares, seu ideário
socialista inicial- tende a ser
mais sensível à problemática social do país e a ser mais cobrado
quanto ao seu compromisso a esse respeito.
Trata-se provavelmente daquilo
que meu amigo José Arthur Giannotti andou chamando de "narcisismo" numa entrevista confusa à
Folha um dia desses, e que corresponderia à preservação de uma
auto-imagem revolucionária pelo
PT. É possível contrapor à leitura
totalmente negativa de Giannotti
a observação de que a auto-imagem revolucionária e a identificação com objetivos ambiciosos
"mumificados" e remetidos ao
milênio foi parte importante, em
vários casos, da história de partidos social-democráticos europeus que aprenderam a conviver
pragmática e realisticamente com
o capitalismo e a administrá-lo
com sensibilidade social. Alguma
utopia tem seu lugar, se não levar
a que se perca o pé da realidade.
Folha - Por que se dá esse aparente enfraquecimento das lideranças
personalistas?
Reis - Acho que elas tendem a se
enfraquecer justamente na medida em que haja identificação mais
intensa dos eleitores com os partidos como tal. Naturalmente, tendo em vista as limitações nas relações do eleitorado popular do
país com a política, seria bobagem
pretender ler isso como significando que os eleitores se tornam
mais "ideológicos". No fundo, o
que torna um Partido dos Trabalhadores atraente para grande
parcela dos eleitores ainda são
mecanismos do mesmo tipo dos
que levaram à afirmação do PTB
de Vargas, o "pai dos pobres", ou
à afirmação do MDB quando as
circunstâncias lhe permitiram
surgir aos olhos dos eleitores como o "partido dos pobres". Mas a
identificação partidária, ainda assim, pode vir a representar um
obstáculo ao puro populismo
personalista.
Folha - Se o PT pode ser identificado como um "partido dos pobres", o que o PSDB pode ser?
Reis - Nas condições do eleitorado brasileiro, em que você tem
que entrar num poço popular,
partido nenhum pode escapar de
atender a esse perfil do eleitor. Há
um componente populista que é
fatal às tentativas de se fazer política nesse país. Falando do PT:
não vai ser com base numa retórica complicada de esquerda que o
partido vai ganhar. Se ganhar, vai
fazê-lo apesar da retórica. É na
medida em que cria uma sinonímia na cabeça do eleitor com o
partido dos pobres, etc., que ele
vai penetrar.
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