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São Paulo, terça-feira, 04 de novembro de 2003

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OPERAÇÃO ANACONDA

Relato de Wendel Matos municiou denúncia do Ministério Público; magistrado afirma ter agido "no limite da lei"

Corregedor diz que juiz Mazloum o ameaçou

FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

O corregedor da Polícia Rodoviária Federal do Espírito Santo, Wendel Benevides Matos, 30, diz que ouviu palavras ameaçadoras do juiz federal da 7ª Vara Criminal de São Paulo Ali Mazloum, denunciado durante a Operação Anaconda por formação de quadrilha, ameaça e abuso de poder.
Matos é peça-chave da investigação e deve ser ouvido amanhã na CPI da Pirataria da Câmara, em Brasília. Seu relato sobre as supostas pressões do juiz para ter acesso à íntegra de gravações autorizadas pela Justiça municiou a denúncia feita pelo Ministério Público Federal.
O corregedor era responsável pela parte operacional das investigações sobre o maior contrabandista de cigarros do país, Roberto Eleutério da Silva, o Lobão -a serviço do Ministério Público Federal, recebia e organizava as transcrições dos grampos autorizados pela Justiça.
Por 11 meses, a Polícia Rodoviária Federal gravou cerca de 40 mil conversas, que municiaram, além da apuração sobre contrabando, também outras duas investigações: contra a organização criminosa que seria liderada pelo empresário do ramo de combustíveis Ari Natalino da Silva, dono da Petroforte, e contra o esquema de corrupção que dava cobertura a Lobão e Silva.
O Ministério Público Federal aponta que Mazloum faria parte da rede de proteção.
Mazloum não aceitou a denúncia do Ministério Público contra o dono da Petroforte e o delegado da Polícia Federal Alexandre Crenite (acusado de fazer parte da rede de proteção de Silva). Alegou que precisava ter acesso a todas as degravações, e não apenas aos trechos encaminhados pela acusação, para apreciar o caso. Procuradores divulgaram nota questionando tal procedimento.
O nome do magistrado apareceria nas investigações feitas a partir dos grampos telefônicos.
Contatado ontem, Mazloum afirmou que contatou Matos por uma procuradora. "Eu não vou entrar em bate-boca. Atuei dentro dos limites da lei."
 

Folha - Como o juiz Ali entrou em contato?
Wendel Benevides Matos
- Ele foi o juiz que determinou a prisão do Alexandre Crenite [delegado que teria favorecido o dono da Petroforte]. Para a prisão, precisou de parte das conversas [gravadas]. Mas ele não estava satisfeito. Ele queria todas as gravações. Ele ligou no celular. Disse: "sei que você está trabalhando com o caso Lobão, Natalino, Crenite. Preciso conversar, tirar algumas dúvidas". Minha autonomia era pequena no decidir, mas era grande no transitar, no buscar informações. Levei um colega comigo.

Folha - Foi mais de um encontro?
Matos
- Nesse primeiro [encontro] foi uma conversa cordial. Bastante firme, mas cordial. Ele queria as conversas, dizia que tinha direito. Respondíamos que não podíamos entregar. Ele dizia: "já oficiei o juiz do caso". Disse: "tudo bem, vamos esperar". Mas ficava nisso. Ele não queria dizer o que queria de mim.

Folha - Ele ligou novamente?
Matos
- Uns dias depois, mas eu já tinha ido a Brasília para conversar com o procurador. O que ele não sabia é que já haviam decidido que as conversas iam ser encaminhadas para ele. De novo queria as conversas. Aí sim já foi mais contundente. Mas era conversa de bobo para tolo. Dizia "eu quero", mas não dizia "me dê". O que não estava claro era o contato dele comigo. Por que a mim, se ele oficiou o juiz e o juiz ia mandar a conversa? Por que veio me procurar?

Folha - E o que ele respondia?
Matos
- Que não queria intermediários. Nessa ligação o tom foi mais firme, quase que ameaçador. Depois ligou de novo, já tinha recebido [as degravações]. Ele precisava de uma espécie de apoio. Havia uma quebra da sequência das conversas. Vinte dias, trinta dias sem conversações. Ele ficou questionando. Informávamos os problemas técnicos, passamos um tempo sem cobertura judicial, e a gente não grava sem cobertura. Parecia não acreditar. Foi quase uma discussão.

Folha - Vocês sentiram-se acuados, ameaçados?
Matos
- Ele tem justificado dizendo que não estava fazendo nada mais do que querer as informações a que tinha direito. E na defesa das informações ele foi firme. E ele está certo. Ele exigiu o respeito à condição dele de juiz do processo. E, nessa condição de respeito, ele foi firme, bastante, chegando a ser ameaçador. Se essa ameaça era uma ameaça legal... Eram argumentos fortes, palavras fortes na defesa, na defesa do direito. Foi ameaçador, e as palavras foram ameaçadoras.

Folha - Ameaças de que tipo?
Matos
- Disse que poderia me causar um prejuízo sim. Neste momento não posso dizer.

Folha - Como você se sentiu?
Matos
- Você é um servidor público, cumprindo seu dever, é chamado por um juiz federal e ele exige uma prestação que não é sua. Nós ficamos constrangidos.


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