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VÔO DA ÁGUIA
Presidente venezuelano pede fim de negociações sobre Alca e vira personagem central de confronto com os EUA
Chávez transforma Lula em coadjuvante
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MAR DEL PLATA
O presidente venezuelano, Hugo Chávez, seqüestrou, na prática,
a 4ª Cúpula das Américas, que começa hoje em Mar del Plata, no litoral argentino, transformando o
Brasil e seu presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, em atores coadjuvantes pela primeira vez no processo de cúpulas hemisféricas,
lançado em 1994.
Chávez utilizou a Alca (Área de
Livre Comércio das Américas)
para se transformar, bem de acordo com seu estilo teatral de fazer
política, no personagem central
do confronto com os Estados
Unidos. Nas cúpulas anteriores,
era dado pelo Brasil o contraponto às posições norte-americanas,
mesmo quando os presidentes de
ambos os países eram amigos, como Bill Clinton e Fernando Henrique Cardoso.
Agora, ao contrário, até grupos
sociais que sempre estiveram próximos do PT reconhecem que a
contraposição é George Walker
Bush x Hugo Chávez.
O venezuelano foi o único presidente convidado para discursar
na manifestação de protesto contra a cúpula, a realizar-se hoje, no
Estádio Ciudad de Mar del Plata.
Explica Sílvia Ferreira, uma das
responsáveis pelos movimentos
que organizam o protesto: "Nós
rechaçamos Bush como o pior governante das Américas e antepomos a ele o exemplo da Venezuela
como alternativa".
Sílvia é dirigente de "Barrios de
Pie", grupo comunitário nascido
da crise argentina e participante
do Fórum Social Mundial, em cujas primeiras edições, em Porto
Alegre, Lula reinava isoladamente
como dirigente político.
Agora, Sílvia remete Lula e também o presidente esquerdista
uruguaio, Tabaré Vázquez, para
segunda época em matéria de
busca da "utopia": "Nos outros
países [além da Venezuela], os
processos estão em construção".
A proposta de Chávez para a Alca é simples: sepultá-la de vez. A
negociação, com o objetivo de
constituir o que seria a maior zona de livre comércio do planeta,
abrangendo os 34 países das
Américas, menos Cuba, foi lançada na primeira cúpula (Miami,
1994), e avançou aos solavancos
até fevereiro de 2004. Naquele
mês, os negociadores suspenderam reunião em Puebla (México)
prometendo reiniciá-la em 15 dias
e nunca conseguiram fazê-lo.
Nesse cenário, a proposta de
Chávez tem até lógica, como admitem, em conversas reservadas,
diplomatas brasileiros: "O fato é
que a negociação está paralisada".
O próprio Bush, presidente do
país que lançou o processo, admitiu em recente entrevista a jornalistas latino-americanos que a negociação está estancada e que o
mais importante no momento era
avançar nos entendimentos da
chamada Rodada Doha, de âmbito global, ainda que esta também
enfrente turbulências fortes.
Se a negociação está paralisada,
como admitem os dois grandes
parceiros da Alca (EUA e Brasil),
qual a dificuldade de o Brasil aceitar a posição de Chávez?
Simples: é radical demais para
uma diplomacia que se orgulha
de ter levado ao melhor nível, no
período Lula, o relacionamento
com os EUA, divergências comerciais à parte, porque são naturais
entre grandes parceiros.
Por isso o Brasil foi atropelado
não apenas pela Venezuela de
Chávez mas até pela Argentina de
Néstor Kirchner, que, anteontem,
surgiu com uma proposta que
não fica, na prática, muito longe
do sepultamento da Alca pregado
pelo polêmico líder venezuelano.
Mais: a proposta foi feita em nome do Mercosul, portanto também em nome do Brasil.
O texto diz: "Tomamos nota das
dificuldades que surgiram na negociação da Alca e evitaram que
se cumprisse o compromisso de
concluir as negociações em janeiro de 2005 [prazo definido em
1994 em Miami]".
Mais: "Reconhecemos que não
estão dadas as condições necessárias para chegar a um acordo" e
"solicitamos aos ministros de Comércio que avaliem o processo e
façam suas recomendações".
Com todo o invólucro da linguagem diplomática, aproxima-se bastante de enviar a Alca ao necrotério, como propõe Chávez,
ou, no mínimo, à UTI.
A reação de norte-americanos e
canadenses à proposta do Mercosul foi dura. "Criou-se um estado
de espírito terrível na sala", contou um delegado do Canadá a um
pequeno grupo de jornalistas,
com o compromisso de que seu
nome não fosse divulgado.
Criou-se, mais que um "estado
de espírito terrível", um impasse
em torno de um assunto que é
permanente fonte de tensões entre Brasil e EUA, mas, agora, com
o Brasil a reboque de seu sócio no
Mercosul, a Argentina, e de eventual futuro sócio, a Venezuela.
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