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ENTREVISTA DA 2ª
Paulo Renato também admite dificuldades na formação de professores
Ministro diz que esperava notas melhores
ANTÔNIO GOIS
DA REPORTAGEM LOCAL
O ministro da Educação, Paulo
Renato Souza, apesar de afirmar
que os resultados do Sistema de
Avaliação da Educação Básica
(Saeb), que indicaram queda na
nota dos alunos, são positivos, admite que esperava um desempenho melhor.
"Eu esperava que as tendências
positivas já estivessem se sobrepondo totalmente às tendências
para baixar a média dos alunos.
Não aconteceu isso, mas os níveis
de qualidade se mantiveram",
afirma.
O ministro também admite que
o MEC não esperava encontrar
tantas dificuldades na área de formação de professores. Ele afirma
que, quando o ministério distribuiu os parâmetros curriculares
nacionais, publicação que orienta
os professores a trabalhar o currículo em sala de aula, esperava que
o impacto na qualidade da educação fosse imediato.
"Não foi isso que aconteceu.
Percebemos em reuniões com secretários que o impacto não tinha
sido tão imediato quanto esperávamos. Tivemos, então, que lançar uma nova publicação, os parâmetros em ação, para orientar, na
prática, os professores", diz.
Souza reclama da cobertura da
imprensa, que, segundo ele, tem
passado nos títulos uma visão
mais negativa do que a realidade
dos resultados do Saeb.
Veja os principais trechos de
sua entrevista à Folha:
Folha - O MEC, ao criticar a escola,
alunos ou professores, não está fugindo da sua responsabilidade pelo mau desempenho dos alunos no
Saeb?
Paulo Renato Souza - Primeiro, é
preciso entender que houve problema na divulgação do Saeb. Nós
pretendíamos fazer uma divulgação orgânica, mas houve um vazamento por razões que eu não sei
explicar que levou a imprensa a
publicar os resultados de forma
picada. No conjunto, os textos retratam mais ou menos a realidade, mas não houve uma reportagem que trate do conjunto das
coisas. A imprensa, nas manchetes, passou uma imagem muito
mais negativa do que os próprios
resultados.
Folha - Mesmo assim, houve queda na nota dos alunos. Esse não é
um dado negativo?
Souza - Não. Nós empatamos o
jogo da educação porque conseguimos, com fatores positivos,
contrabalançar o resultado com
fatores que levariam a média para
baixo. Eu hoje estou entusiasmado com as médias dos alunos no
Saeb. Nós conseguimos incorporar um novo perfil de estudante
sem baixar a média.
Folha - Mas, em novembro de
1998, o senhor disse que esperava
aumento das médias do Saeb em
1999, o que não ocorreu. Mudou o
discurso do ministério?
Souza - O resultado do Saeb é de
tendências contraditórias, para
aumentar ou para diminuir a média. Eu esperava que as tendências positivas já estivessem se sobrepondo totalmente às tendências para baixar a média. Não
aconteceu isso, mas os níveis de
qualidade se mantiveram.
Folha - Qual a leitura do MEC dos
resultados?
Souza - O Saeb analisa o desempenho dos alunos e o relaciona
com diversos fatores. Em relação
à 99, o Saeb mostra coisas muito
importantes e interessantes. Confirma o que já havíamos encontrado nos outros anos: o aluno
que está defasado porque se atrasou tem desempenho pior do que
seus colegas de classe, o que mostra que a repetência não leva a aumentar o nível de aprendizado. A
avaliação mostra também que,
quanto maior a escolaridade, melhor é o desempenho do aluno. E
aponta que, quanto mais o professor usa o livro didático, melhor é o
desempenho dos estudantes. Vimos ainda que o acesso ao material de leitura na escola melhora o
rendimento da turma.
Folha - Ainda assim, a nota dos
alunos caiu.
Souza - Houve uma queda pequena no valor das médias, que
pode estar dentro da margem de
erro. Nós aceitamos margem de
erro em pesquisa de opinião. Por
que não aceitamos em pesquisas
educacionais? Os níveis de qualidade, que são aqueles que refletem a competência que o aluno
adquiriu na escola, se mantiveram. Nós contrabalançamos as
tendências de diminuição da média com as tendências de melhoria do desempenho. Se não tivesse
nenhum efeito negativo influenciando, eu acharia o resultado negativo também. A incorporação
de alunos pobres é boa para a sociedade. O efeito disso é brutal.
Nós tivemos a sorte de ter também efeitos positivos operando
no sistema.
Folha - Não parece que o ministério está querendo fugir de sua responsabilidade e colocar a culpa no
aluno pobre?
Souza - A culpa não é desse aluno. Essa tendência que nós detectamos aqui é mundial. Em todos
os países onde se faz pesquisa de
qualidade se observa isso. Quando se incorpora um aluno mais
carente, cai a média da escola. O
aluno que é filho de um PhD, que
ouve os pais discutirem filosofia e
temas sofisticados, tem um rendimento melhor do que o filho de
uma pessoa analfabeta. Nesse caso, a escola tem que dar uma atenção especial a ele.
A incorporação de novos alunos
é muito boa para o sistema. Significa que o nível da educação da
população está melhorando. A
criança que estava fora da escola e
hoje está dentro teve uma melhora brutal no rendimento.
Folha - Mas o senhor não esperava que o Brasil tivesse condições de
incorporar esses alunos e ainda
melhorar a qualidade?
Souza - Eu achava que isso poderia acontecer, mas acho muito positivo o que aconteceu. Incorporamos novos alunos sem queda
na média devido a ações positivas.
Folha - Que ações?
Souza - Desenvolvemos o uso de
vídeos educativos pelo professor,
o uso de computadores na sala de
aula, melhoramos a remuneração
do professor... Todos esses fatores
influenciam positivamente o resultado dos alunos. Em todas essas áreas, salvo a escolaridade dos
pais, temos ações positivas importantes. Temos o livro didático
chegando às escolas já com uma
avaliação, temos a TV Escola sendo utilizada para capacitação, distribuímos 20 mil bibliotecas do
professor e 35 mil infanto-juvenis
nas escolas.
Estamos colocando computadores em 4.000 escolas e vamos
ampliar significativamente esse
programa. Mandamos dinheiro
direto para a escola, o que aliviou
a situação financeira significativamente. A escolaridade e o salário
dos professores melhoraram em
razão do Fundef. Todos esses fatores me diriam que, como estamos fazendo mais dessas políticas, o resultado do Saeb deveria
ser positivo, porque em todas essa
áreas temos atuação importante.
A única área em que não temos
uma tendência que melhoraria o
resultado é na escolaridade dos
pais. A escolaridade dos pais diminuiu porque houve uma grande incorporação de segmentos da
sociedade que estavam fora da escola, filhos de analfabetos, o que é
ótimo.
Folha - Essa incorporação não está sendo superestimada? Há também os alunos que saíram da escola
particular para a pública e não puxariam a média para baixo.
Houve uma incorporação brutal de
novos alunos. Foi dito na imprensa que
a incorporação ocorreu só no ensino
médio, mas foi também no ensino fundamental. Incorporamos 4 milhões de
crianças de menor renda e menor escolaridade. A entrada de alunos de escolas
particulares foi muito inferior à de alunos que estavam fora do sistema. Houve um retorno de crianças que haviam
abondando a escola. Em muitos Estados, houve a incorporação de jovens e
adultos no ensino regular, por causa do
Fundef, cujo valor é repassado de acordo com o número de alunos do ensino
regular fundamental. Nós sabemos que
o desempenho dos alunos jovens e
adultos é pior do que os do ensino regular. Isso levou a baixar a média e o resultado do Saeb tem que ser avaliado nesse contexto.
Folha - Que dificuldades o MEC
encontrou que contribuíram para
que o resultado não fosse melhor?
Souza - Nós encontramos dificuldades importantes. Quando
definimos os parâmetros curriculares nacionais, achávamos que
eles iriam impactar a escola imediatamente. Depois nos demos
conta em reuniões com secretários que os parâmetros não estavam sendo assimilados pelos professores. Tivemos que lançar os
parâmetros em ação, que explicavam melhor aos professores como desenvolver os parâmetros na
prática. Nós fizemos isso com a
TV Escola no ano passado. Mas
educação não é como plantar milho, cuja espiga nasce dez meses
depois.
Folha - Sobre a questão da formação de professores, por que o MEC
demorou tanto para atacar esse
problema, já que só em maio deste
ano enviou ao Conselho Nacional
de Educação a proposta de reformulação das diretrizes?
Souza - Quando assumimos o
ministério em 1994, nós tínhamos
um mundo de coisas para enfrentar. Enfrentamos o problema que
nos parecia mais urgente, que era
o de colocar o livro didático na
mão do professor, já avaliado.
Achávamos que os parâmetros
curriculares nacionais iriam impactar imediatamente o professor, da mesma forma que a TV
Escola. Hoje, constatamos que temos ainda um problema grave de
formação de professores. Constatamos isso por meio do provão,
onde os formandos de letras e
matemática têm as piores médias
entre os estudantes que fazem o
exame.
Folha - Por que esse problema
não é atacado de forma mais urgente?
Souza - Devemos levar em consideração que há um conservadorismo na área de formação de
professores. Quando eu lancei a
idéia de que a formação de profissionais de 1ª a 4ª série se daria em
curso normal superior (uma modalidade nova de curso superior
prevista na Lei de Diretrizes e Bases), houve uma reação muito
grande das faculdades. Tivemos
que fazer uma concessão tirando
a palavra "exclusividade" do decreto que estabelecia que a formação desses profissionais se daria
apenas nesses cursos por pressão.
As faculdades de educação estão muito concentradas na metodologia pedagógica em geral.
Muitas têm carga horária e temática que são mais de sociologia
política do que de educação. Não
há concentração em conteúdos,
em maneiras de ensinar português, matemática... Não há carga
horária importante sobre como
alfabetizar. Acho que as faculdades de educação precisam se concentrar mais em fazer o professor
aprender a ensinar. Agora, nós
nos vimos na necessidade de fixar
diretrizes curriculares nacionais
para a formação de professores,
mas já há uma reação grande no
Conselho Nacional de Educação.
Folha - Quando devem ser aprovadas essas diretrizes?
Souza - A minha expectativa é
que isso aconteça em março. As
diretrizes que propusemos enfatizam um equilíbrio entre metodologia e conteúdo das disciplinas,
entre métodos pedagógicos em
geral e específicos para as séries
iniciais. Estamos querendo colocar as questões práticas da educação nas diretrizes.
Folha - Professores das primeiras
séries não deveriam ter formação e
remuneração melhor?
Souza - A formação melhor nós
já estamos promovendo, quando
lançamos o programa de professores alfabetizadores com o que
há de mais moderno nessa metodologia. Eu sou a favor que se coloque os professores mais experientes para dar aula nas primeiras séries. Eles poderiam até ter
um estímulo salarial a mais por
desempenho, já que é fácil avaliar
se ele está desempenhando bem
sua função.
Folha - O senhor falou que a escola está mais chata. Não é papel do
ministério deixá-la menos chata?
Souza - Quando fiz essa afirmação, referia-me às escolas particulares. Ninguém é obrigado, por
exemplo, a seguir os parâmetros
curriculares nacionais do ministério. Quem define os currículos
são os Estados e os municípios. O
que o MEC pode fazer é ajudar as
escolas particulares a interpretar
os dados do Saeb e fazer algumas
recomendações. Mais do que isso
o ministério não pode fazer, já
que as escolas particulares não
são nem supervisionadas pelo ministério, mas pelos Estados. No
que diz respeito às escolas públicas, o MEC vem fazendo seu dever de casa e vamos fazer mais no
ano que vem.
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