São Paulo, segunda-feira, 04 de dezembro de 2000

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ENTREVISTA DA 2ª

Paulo Renato também admite dificuldades na formação de professores

Ministro diz que esperava notas melhores

ANTÔNIO GOIS
DA REPORTAGEM LOCAL

O ministro da Educação, Paulo Renato Souza, apesar de afirmar que os resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que indicaram queda na nota dos alunos, são positivos, admite que esperava um desempenho melhor.
"Eu esperava que as tendências positivas já estivessem se sobrepondo totalmente às tendências para baixar a média dos alunos. Não aconteceu isso, mas os níveis de qualidade se mantiveram", afirma.
O ministro também admite que o MEC não esperava encontrar tantas dificuldades na área de formação de professores. Ele afirma que, quando o ministério distribuiu os parâmetros curriculares nacionais, publicação que orienta os professores a trabalhar o currículo em sala de aula, esperava que o impacto na qualidade da educação fosse imediato.
"Não foi isso que aconteceu. Percebemos em reuniões com secretários que o impacto não tinha sido tão imediato quanto esperávamos. Tivemos, então, que lançar uma nova publicação, os parâmetros em ação, para orientar, na prática, os professores", diz.
Souza reclama da cobertura da imprensa, que, segundo ele, tem passado nos títulos uma visão mais negativa do que a realidade dos resultados do Saeb.
Veja os principais trechos de sua entrevista à Folha:

Folha - O MEC, ao criticar a escola, alunos ou professores, não está fugindo da sua responsabilidade pelo mau desempenho dos alunos no Saeb?
Paulo Renato Souza -
Primeiro, é preciso entender que houve problema na divulgação do Saeb. Nós pretendíamos fazer uma divulgação orgânica, mas houve um vazamento por razões que eu não sei explicar que levou a imprensa a publicar os resultados de forma picada. No conjunto, os textos retratam mais ou menos a realidade, mas não houve uma reportagem que trate do conjunto das coisas. A imprensa, nas manchetes, passou uma imagem muito mais negativa do que os próprios resultados.

Folha - Mesmo assim, houve queda na nota dos alunos. Esse não é um dado negativo?
Souza -
Não. Nós empatamos o jogo da educação porque conseguimos, com fatores positivos, contrabalançar o resultado com fatores que levariam a média para baixo. Eu hoje estou entusiasmado com as médias dos alunos no Saeb. Nós conseguimos incorporar um novo perfil de estudante sem baixar a média.

Folha - Mas, em novembro de 1998, o senhor disse que esperava aumento das médias do Saeb em 1999, o que não ocorreu. Mudou o discurso do ministério?
Souza -
O resultado do Saeb é de tendências contraditórias, para aumentar ou para diminuir a média. Eu esperava que as tendências positivas já estivessem se sobrepondo totalmente às tendências para baixar a média. Não aconteceu isso, mas os níveis de qualidade se mantiveram.

Folha - Qual a leitura do MEC dos resultados?
Souza -
O Saeb analisa o desempenho dos alunos e o relaciona com diversos fatores. Em relação à 99, o Saeb mostra coisas muito importantes e interessantes. Confirma o que já havíamos encontrado nos outros anos: o aluno que está defasado porque se atrasou tem desempenho pior do que seus colegas de classe, o que mostra que a repetência não leva a aumentar o nível de aprendizado. A avaliação mostra também que, quanto maior a escolaridade, melhor é o desempenho do aluno. E aponta que, quanto mais o professor usa o livro didático, melhor é o desempenho dos estudantes. Vimos ainda que o acesso ao material de leitura na escola melhora o rendimento da turma.

Folha - Ainda assim, a nota dos alunos caiu.
Souza -
Houve uma queda pequena no valor das médias, que pode estar dentro da margem de erro. Nós aceitamos margem de erro em pesquisa de opinião. Por que não aceitamos em pesquisas educacionais? Os níveis de qualidade, que são aqueles que refletem a competência que o aluno adquiriu na escola, se mantiveram. Nós contrabalançamos as tendências de diminuição da média com as tendências de melhoria do desempenho. Se não tivesse nenhum efeito negativo influenciando, eu acharia o resultado negativo também. A incorporação de alunos pobres é boa para a sociedade. O efeito disso é brutal. Nós tivemos a sorte de ter também efeitos positivos operando no sistema.

Folha - Não parece que o ministério está querendo fugir de sua responsabilidade e colocar a culpa no aluno pobre?
Souza -
A culpa não é desse aluno. Essa tendência que nós detectamos aqui é mundial. Em todos os países onde se faz pesquisa de qualidade se observa isso. Quando se incorpora um aluno mais carente, cai a média da escola. O aluno que é filho de um PhD, que ouve os pais discutirem filosofia e temas sofisticados, tem um rendimento melhor do que o filho de uma pessoa analfabeta. Nesse caso, a escola tem que dar uma atenção especial a ele.
A incorporação de novos alunos é muito boa para o sistema. Significa que o nível da educação da população está melhorando. A criança que estava fora da escola e hoje está dentro teve uma melhora brutal no rendimento.

Folha - Mas o senhor não esperava que o Brasil tivesse condições de incorporar esses alunos e ainda melhorar a qualidade?
Souza -
Eu achava que isso poderia acontecer, mas acho muito positivo o que aconteceu. Incorporamos novos alunos sem queda na média devido a ações positivas.

Folha - Que ações?
Souza -
Desenvolvemos o uso de vídeos educativos pelo professor, o uso de computadores na sala de aula, melhoramos a remuneração do professor... Todos esses fatores influenciam positivamente o resultado dos alunos. Em todas essas áreas, salvo a escolaridade dos pais, temos ações positivas importantes. Temos o livro didático chegando às escolas já com uma avaliação, temos a TV Escola sendo utilizada para capacitação, distribuímos 20 mil bibliotecas do professor e 35 mil infanto-juvenis nas escolas.
Estamos colocando computadores em 4.000 escolas e vamos ampliar significativamente esse programa. Mandamos dinheiro direto para a escola, o que aliviou a situação financeira significativamente. A escolaridade e o salário dos professores melhoraram em razão do Fundef. Todos esses fatores me diriam que, como estamos fazendo mais dessas políticas, o resultado do Saeb deveria ser positivo, porque em todas essa áreas temos atuação importante. A única área em que não temos uma tendência que melhoraria o resultado é na escolaridade dos pais. A escolaridade dos pais diminuiu porque houve uma grande incorporação de segmentos da sociedade que estavam fora da escola, filhos de analfabetos, o que é ótimo.

Folha - Essa incorporação não está sendo superestimada? Há também os alunos que saíram da escola particular para a pública e não puxariam a média para baixo.
Houve uma incorporação brutal de novos alunos. Foi dito na imprensa que a incorporação ocorreu só no ensino médio, mas foi também no ensino fundamental. Incorporamos 4 milhões de crianças de menor renda e menor escolaridade. A entrada de alunos de escolas particulares foi muito inferior à de alunos que estavam fora do sistema. Houve um retorno de crianças que haviam abondando a escola. Em muitos Estados, houve a incorporação de jovens e adultos no ensino regular, por causa do Fundef, cujo valor é repassado de acordo com o número de alunos do ensino regular fundamental. Nós sabemos que o desempenho dos alunos jovens e adultos é pior do que os do ensino regular. Isso levou a baixar a média e o resultado do Saeb tem que ser avaliado nesse contexto.

Folha - Que dificuldades o MEC encontrou que contribuíram para que o resultado não fosse melhor?
Souza -
Nós encontramos dificuldades importantes. Quando definimos os parâmetros curriculares nacionais, achávamos que eles iriam impactar a escola imediatamente. Depois nos demos conta em reuniões com secretários que os parâmetros não estavam sendo assimilados pelos professores. Tivemos que lançar os parâmetros em ação, que explicavam melhor aos professores como desenvolver os parâmetros na prática. Nós fizemos isso com a TV Escola no ano passado. Mas educação não é como plantar milho, cuja espiga nasce dez meses depois.

Folha - Sobre a questão da formação de professores, por que o MEC demorou tanto para atacar esse problema, já que só em maio deste ano enviou ao Conselho Nacional de Educação a proposta de reformulação das diretrizes?
Souza -
Quando assumimos o ministério em 1994, nós tínhamos um mundo de coisas para enfrentar. Enfrentamos o problema que nos parecia mais urgente, que era o de colocar o livro didático na mão do professor, já avaliado. Achávamos que os parâmetros curriculares nacionais iriam impactar imediatamente o professor, da mesma forma que a TV Escola. Hoje, constatamos que temos ainda um problema grave de formação de professores. Constatamos isso por meio do provão, onde os formandos de letras e matemática têm as piores médias entre os estudantes que fazem o exame.

Folha - Por que esse problema não é atacado de forma mais urgente?
Souza -
Devemos levar em consideração que há um conservadorismo na área de formação de professores. Quando eu lancei a idéia de que a formação de profissionais de 1ª a 4ª série se daria em curso normal superior (uma modalidade nova de curso superior prevista na Lei de Diretrizes e Bases), houve uma reação muito grande das faculdades. Tivemos que fazer uma concessão tirando a palavra "exclusividade" do decreto que estabelecia que a formação desses profissionais se daria apenas nesses cursos por pressão.
As faculdades de educação estão muito concentradas na metodologia pedagógica em geral. Muitas têm carga horária e temática que são mais de sociologia política do que de educação. Não há concentração em conteúdos, em maneiras de ensinar português, matemática... Não há carga horária importante sobre como alfabetizar. Acho que as faculdades de educação precisam se concentrar mais em fazer o professor aprender a ensinar. Agora, nós nos vimos na necessidade de fixar diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores, mas já há uma reação grande no Conselho Nacional de Educação.

Folha - Quando devem ser aprovadas essas diretrizes?
Souza -
A minha expectativa é que isso aconteça em março. As diretrizes que propusemos enfatizam um equilíbrio entre metodologia e conteúdo das disciplinas, entre métodos pedagógicos em geral e específicos para as séries iniciais. Estamos querendo colocar as questões práticas da educação nas diretrizes.

Folha - Professores das primeiras séries não deveriam ter formação e remuneração melhor?
Souza -
A formação melhor nós já estamos promovendo, quando lançamos o programa de professores alfabetizadores com o que há de mais moderno nessa metodologia. Eu sou a favor que se coloque os professores mais experientes para dar aula nas primeiras séries. Eles poderiam até ter um estímulo salarial a mais por desempenho, já que é fácil avaliar se ele está desempenhando bem sua função.

Folha - O senhor falou que a escola está mais chata. Não é papel do ministério deixá-la menos chata?
Souza -
Quando fiz essa afirmação, referia-me às escolas particulares. Ninguém é obrigado, por exemplo, a seguir os parâmetros curriculares nacionais do ministério. Quem define os currículos são os Estados e os municípios. O que o MEC pode fazer é ajudar as escolas particulares a interpretar os dados do Saeb e fazer algumas recomendações. Mais do que isso o ministério não pode fazer, já que as escolas particulares não são nem supervisionadas pelo ministério, mas pelos Estados. No que diz respeito às escolas públicas, o MEC vem fazendo seu dever de casa e vamos fazer mais no ano que vem.


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