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ELIO GASPARI
Oxalá se zangou com FFH
Deve-se à turma do edifício Chopin e a FHH as primeiras lições
deste ano. O pessoal do Chopin celebrizou-se pelas suas festas no réveillon. O prédio tem 23 apartamentos com frente para o mar e, na
média, cada um deles vale em torno de R$ 1,5 milhão. Na noite do
dia 31, todos os seus andares tinham festas. É o que se pode chamar de andar de cima.
Lá aconteceram as seguintes maravilhas:
1) Inúmeros condôminos decidiram colocar o lixo de seus banquetes nas áreas comuns da escadaria
de serviço. Como tudo o que é comum é pobre e tudo o que tem a ver
com serviçais acaba em lixo, nada
mais natural que juntá-los;
2) Qualquer morador de favela
sabe que não se pode sobrecarregar
a rede elétrica de um barraco. No
Chopin, os donos de festas ligaram
todas as chaves a que tinham direito. Afinal de contas, o cuidado com
a sobrecarga de energia é um problema do vizinho.
Estava tudo muito bonito até que
a sobrecarga desligou a luz do edifício e parou seus elevadores. Por
causa disso, os convidados tiveram
que subir pelas escadas, desviando-se do lixo deixado na área por onde
deviam transitar os serviçais.
E assim o edifício Chopin teve o
seu primeiro réveillon de Comunidade Solidária.
Com FHC a coisa foi bem mais
complicada. Ele caiu numa festa
que desagradou Oxalá.
Primeiro tiveram a idéia de
transformar um quartel (o Forte de
Copacabana) em bufê patrocinado
por uma concessionária privada de
serviços públicos (a Embratel).
Depois decidiram montar uma
estrutura digna do vice-rei da Índia em cima da lajota do canhão
do forte. Uma tenda de 1.700 metros quadrados, onde os convidados VIPs seriam mantidos a 22
graus por oito aparelhos de ar refrigerado e cobertos por lona à prova
de fogo. Seria interessante ver uma
fotografia do barraco da Embratel
no relatório da MCI aos seus acionistas americanos, informando-os
que pagaram R$ 500 mil no party
abrilhantado pelo president Cardoso of Brazil.
Dividiam-se os convidados em
três espécies e duas classes. A primeira espécie era a dos amigos da
Presidência (100), quase todos com
direito a ar refrigerado. A segunda,
dos amigos da prefeitura (200). A
terceira, dos militares do forte
(200). Cada espécie estava dividida
em duas classes. Uma tinha direito
aos quatro banheiros com descarga
e lavabo. A outra contentou-se com
casinhas de processamento químico, capazes de atender simultaneamente a 24 clientes. Num gênero
especial estava a mesa de FHH, servida por uma garrafa de cinco litros de champanhe Crystal, safra
1950. Aos demais, similar nacional.
Tamanha presepada numa festa
que nasceu do fundo da alma do
povo, das macumbeiras e da choldra que teve a idéia de ir se divertir
de graça na praia, só tem uma explicação: a compulsão pela hierarquia, associada à obsessão pela boca-livre.
Para a turma do andar de cima
que se diverte à custa do dinheiro
da Viúva (ou da Embratel), uma
festa não pode ser grátis, muito menos livre. Popular, então, nem pensar. Tem que ser demarcatória de
alguma coisa, com cada um em seu
devido lugar. Se a escumalha vai a
pé para a praia, os maganos vão de
carro. Se ainda assim um pedaço
da choldra consegue ser convidada
para o forte, no barraco refrigerado
não entra. Se entrar, não ganha
champanhe Crystal. Se ganhar, vai
ao banheiro químico. Cada um sabe com quem está falando.
Essa situação aborreceu Oxalá e
todos os orixás de Copacabana, habituados à alegria das flores. Eles se
vingaram.
Iansã, senhora dos ventos e das
tempestades, soprou do leste em cima do barraco do imperador e levou-lhe um pedaço. (O prefeito
Luiz Paulo Conde, que é arquiteto,
visitara as obras na véspera e achara que estava tudo normal. Depois,
informou que esperava um vento
sudoeste. Autoridade que se preza
é assim mesmo. Determina para
que lado venta o vento. Se, em vez
de soprar o sudoeste, sopra o leste,
está tudo explicado).
Xangô, o fogo do céu, cortou a
luz. FFH tornou-se o único chefe de
Estado do mundo a passar uma
parte do início do ano na treva.
Iemanjá, senhora da festa, enguiçou o primeiro gerador. FFH e sua
corte tornaram-se o únicos brasileiros a ficar na treva com um gerador enguiçado.
O Caboclo Sete Flechas enguiçou
o segundo gerador. Com isso, FHH
e o pessoal de sua festa tornaram-se os únicos viventes a começar o
século na treva, com dois geradores
desligados.
Ogum, divindade dos ferreiros,
roubou os talheres. Pela primeira
vez em muitos anos, um pedaço
daquela turma tão especial ficou
momentaneamente impossibilitada de garfar as mercadorias disponíveis.
Sergio Motta, com a bata que
vestia nas noites de ano novo, foi
visto caminhando nas águas do
Arpoador. Desligou o celular do
amigo, pois não o reelegeu, nem
privatizou a Embratel, para apequená-los metendo-os em coisas
daquele tipo.
Depois entrou Erê, a divindade
das crianças, capaz de fazer as pessoas dizerem coisas implausíveis. E
FFH disse o seguinte:
""Vi o povo otimista."
Viu nada. Salvo a turma da boquinha que o cercava, de seu pedaço de terreiro não se via povo algum.
Tudo isso, noves fora a implacável descida de Exu zangado na cabeça de meia dúzia de áulicos e nos
músculos de um grupo de soldados
da Polícia do Exército que se deram a bater em jornalistas que fotografavam o barraco da Embratel
sendo levado por Iansã.
Vaiado na entrada pela turma
do sereno que o viu chegar de carro, FFH foi aplaudido na saída, de
helicóptero, pelas pessoas que saíram de casa para comer de graça e
aplaudi-lo.
FFH conseguiu presidir uma presepada para 500 convidados, com
pancadaria. À mesma hora, diante
do seu terreiro, 2,5 milhões de cariocas (a população da cidade em
1950) riam e festejavam. Dois dias
depois, o padre Marcelo Rossi reuniu outro milhão de pessoas em
São Paulo para rezar a Deus. Dessa
patuléia não se ouviu uma só encrenca. Como diz o professor Cardoso, ""vida de rico, em geral, é
muito chata".
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