São Paulo, Quarta-feira, 05 de Janeiro de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Índice

ELIO GASPARI
Oxalá se zangou com FFH

Deve-se à turma do edifício Chopin e a FHH as primeiras lições deste ano. O pessoal do Chopin celebrizou-se pelas suas festas no réveillon. O prédio tem 23 apartamentos com frente para o mar e, na média, cada um deles vale em torno de R$ 1,5 milhão. Na noite do dia 31, todos os seus andares tinham festas. É o que se pode chamar de andar de cima.
Lá aconteceram as seguintes maravilhas:
1) Inúmeros condôminos decidiram colocar o lixo de seus banquetes nas áreas comuns da escadaria de serviço. Como tudo o que é comum é pobre e tudo o que tem a ver com serviçais acaba em lixo, nada mais natural que juntá-los;
2) Qualquer morador de favela sabe que não se pode sobrecarregar a rede elétrica de um barraco. No Chopin, os donos de festas ligaram todas as chaves a que tinham direito. Afinal de contas, o cuidado com a sobrecarga de energia é um problema do vizinho.
Estava tudo muito bonito até que a sobrecarga desligou a luz do edifício e parou seus elevadores. Por causa disso, os convidados tiveram que subir pelas escadas, desviando-se do lixo deixado na área por onde deviam transitar os serviçais.
E assim o edifício Chopin teve o seu primeiro réveillon de Comunidade Solidária.
Com FHC a coisa foi bem mais complicada. Ele caiu numa festa que desagradou Oxalá.
Primeiro tiveram a idéia de transformar um quartel (o Forte de Copacabana) em bufê patrocinado por uma concessionária privada de serviços públicos (a Embratel).
Depois decidiram montar uma estrutura digna do vice-rei da Índia em cima da lajota do canhão do forte. Uma tenda de 1.700 metros quadrados, onde os convidados VIPs seriam mantidos a 22 graus por oito aparelhos de ar refrigerado e cobertos por lona à prova de fogo. Seria interessante ver uma fotografia do barraco da Embratel no relatório da MCI aos seus acionistas americanos, informando-os que pagaram R$ 500 mil no party abrilhantado pelo president Cardoso of Brazil.
Dividiam-se os convidados em três espécies e duas classes. A primeira espécie era a dos amigos da Presidência (100), quase todos com direito a ar refrigerado. A segunda, dos amigos da prefeitura (200). A terceira, dos militares do forte (200). Cada espécie estava dividida em duas classes. Uma tinha direito aos quatro banheiros com descarga e lavabo. A outra contentou-se com casinhas de processamento químico, capazes de atender simultaneamente a 24 clientes. Num gênero especial estava a mesa de FHH, servida por uma garrafa de cinco litros de champanhe Crystal, safra 1950. Aos demais, similar nacional.
Tamanha presepada numa festa que nasceu do fundo da alma do povo, das macumbeiras e da choldra que teve a idéia de ir se divertir de graça na praia, só tem uma explicação: a compulsão pela hierarquia, associada à obsessão pela boca-livre.
Para a turma do andar de cima que se diverte à custa do dinheiro da Viúva (ou da Embratel), uma festa não pode ser grátis, muito menos livre. Popular, então, nem pensar. Tem que ser demarcatória de alguma coisa, com cada um em seu devido lugar. Se a escumalha vai a pé para a praia, os maganos vão de carro. Se ainda assim um pedaço da choldra consegue ser convidada para o forte, no barraco refrigerado não entra. Se entrar, não ganha champanhe Crystal. Se ganhar, vai ao banheiro químico. Cada um sabe com quem está falando.
Essa situação aborreceu Oxalá e todos os orixás de Copacabana, habituados à alegria das flores. Eles se vingaram.
Iansã, senhora dos ventos e das tempestades, soprou do leste em cima do barraco do imperador e levou-lhe um pedaço. (O prefeito Luiz Paulo Conde, que é arquiteto, visitara as obras na véspera e achara que estava tudo normal. Depois, informou que esperava um vento sudoeste. Autoridade que se preza é assim mesmo. Determina para que lado venta o vento. Se, em vez de soprar o sudoeste, sopra o leste, está tudo explicado).
Xangô, o fogo do céu, cortou a luz. FFH tornou-se o único chefe de Estado do mundo a passar uma parte do início do ano na treva.
Iemanjá, senhora da festa, enguiçou o primeiro gerador. FFH e sua corte tornaram-se o únicos brasileiros a ficar na treva com um gerador enguiçado.
O Caboclo Sete Flechas enguiçou o segundo gerador. Com isso, FHH e o pessoal de sua festa tornaram-se os únicos viventes a começar o século na treva, com dois geradores desligados.
Ogum, divindade dos ferreiros, roubou os talheres. Pela primeira vez em muitos anos, um pedaço daquela turma tão especial ficou momentaneamente impossibilitada de garfar as mercadorias disponíveis.
Sergio Motta, com a bata que vestia nas noites de ano novo, foi visto caminhando nas águas do Arpoador. Desligou o celular do amigo, pois não o reelegeu, nem privatizou a Embratel, para apequená-los metendo-os em coisas daquele tipo.
Depois entrou Erê, a divindade das crianças, capaz de fazer as pessoas dizerem coisas implausíveis. E FFH disse o seguinte:
""Vi o povo otimista."
Viu nada. Salvo a turma da boquinha que o cercava, de seu pedaço de terreiro não se via povo algum.
Tudo isso, noves fora a implacável descida de Exu zangado na cabeça de meia dúzia de áulicos e nos músculos de um grupo de soldados da Polícia do Exército que se deram a bater em jornalistas que fotografavam o barraco da Embratel sendo levado por Iansã.
Vaiado na entrada pela turma do sereno que o viu chegar de carro, FFH foi aplaudido na saída, de helicóptero, pelas pessoas que saíram de casa para comer de graça e aplaudi-lo.
FFH conseguiu presidir uma presepada para 500 convidados, com pancadaria. À mesma hora, diante do seu terreiro, 2,5 milhões de cariocas (a população da cidade em 1950) riam e festejavam. Dois dias depois, o padre Marcelo Rossi reuniu outro milhão de pessoas em São Paulo para rezar a Deus. Dessa patuléia não se ouviu uma só encrenca. Como diz o professor Cardoso, ""vida de rico, em geral, é muito chata".


Texto Anterior: Crime organizado: Pascoal receberá 1ª sentença da Justiça
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.