São Paulo, domingo, 05 de fevereiro de 2006

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ELEIÇÕES 2006/DANÇA DAS CADEIRAS

Se Alckmin mantiver decisão de deixar o governo de SP, vaga ficará com o pefelista, que promete não mexer nos projetos do PSDB

"Vice dos sonhos", Lembo seguirá rumo tucano

CRISTINA FIBE
MICHELE OLIVEIRA
DA REDAÇÃO

Tendo como principal característica a "discrição", Cláudio Lembo (PFL), 71, pode chegar ao ápice de sua carreira política empurrado pela anunciada renúncia de Geraldo Alckmin (PSDB) ao governo de São Paulo.
Com atuação longe dos holofotes tanto como vice-governador quanto na presidência estadual do PFL, Lembo poderá governar por nove meses o segundo maior Orçamento do país, que deve ser de cerca de R$ 80 bilhões neste ano, da mesma forma como conquistou o cargo: sem deixar marcas pelo caminho.
O pefelista, escolhido por Alckmin para compor a chapa com o PSDB em 2002, tem sido o "vice dos sonhos" dos tucanos. Sua atuação é comparada à do senador Marco Maciel (PFL-PE), vice do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Maciel é um dos pefelistas mais próximos de Lembo.
Segundo aliados do governador e de Lembo, o jeito silencioso e reservado de cumprir as tarefas agrada ao PSDB, que não gostaria de ser incomodado por uma atuação ousada de outro partido na vaga que deve deixar de herança -embora, na semana passada, Alckmin tenha emitido sinais de que pode desistir da candidatura à Presidência e ficar no governo até o fim do mandato.
"Para Alckmin, seu perfil tem sido muito bom, discreto, disponível e útil", afirma o pefelista Lars Grael, secretário estadual da Juventude, Esporte e Lazer.
Lembo diz que, depois de governar São Paulo, dando continuidade aos projetos de Alckmin, quer desistir da vida política. Ele, que também é professor e advogado -foi reitor da Universidade Mackenzie-, afirma pretender se "retirar e dar aulas, só". Para Lembo, essa é apenas uma "circunstância feliz" de sua carreira.
"Em política a gente não tem que fazer aspirações, são acontecimentos da vida. Não se deve fazer disso um objetivo de vida", aconselha o vice-governador.

Comando dividido
O tom é o mesmo com que comanda o PFL em São Paulo. O vice-presidente estadual do partido, Gilberto Kassab, é o "grande operador político", nas palavras de Lembo, enquanto ele mesmo se considera uma espécie de "rainha da Inglaterra" na função.
Kassab, vice de José Serra (PSDB) na Prefeitura de São Paulo, é quem faz as articulações nos bastidores, enquanto Lembo atua como "avalista ético", de acordo com expressão ouvida entre correligionários e tucanos.
Segundo pefelistas, sua "credibilidade" e a "ficha limpa" chancelam as decisões que, na maioria das vezes, partem de Kassab, que chegou a ser investigado pelo Ministério Público de SP por suspeita de enriquecimento ilícito.
À frente do governo de São Paulo, Lembo nega que suas decisões possam sofrer influência do partido, apesar de estar abrindo uma importante porta para que o PFL se consolide no Estado. Melhor ainda para a sigla se Serra deixar a prefeitura nas mãos de Kassab.
Outra força importante para o PFL é a presidência da Assembléia Legislativa de São Paulo, conquistada em março do ano passado, em episódio que representou derrota de Alckmin e que causou mal-estar entre pefelistas ligados ao governador.
Depois da eleição do tucano Edson Aparecido ser dada como certa, com o apoio do partido de Lembo, o deputado estadual Rodrigo Garcia, também PFL, amigo e sócio de Kassab, anunciou a candidatura de oposição, apoiada pelo PT, seis dias antes da disputa.
Apesar de Lembo e Kassab terem se colocado publicamente contra a postura do colega, o partido nunca o advertiu formalmente, e Garcia teve a adesão de 9 dos 11 deputados do PFL. Depois de eleito, a festa pela vitória teve direito a uísque na casa de Kassab.
A relação de Lembo e Alckmin, dizem aliados, ficou abalada na ocasião, mas o mal-estar já foi superado. O tucano confia que seu vice mantenha os secretários nomeados por ele e que dê continuidade aos projetos, dando crédito a Alckmin pelas ações. No caso dos secretários que também deixarão o cargo até abril, Lembo deverá nomear os adjuntos, promovendo alteração somente na Casa Civil, caso Arnaldo Madeira (PSDB) saia da pasta.
A primeira administração de Lembo, no entanto, será testada quando o pefelista enfrentar situações de conflito, como as questões de segurança no Estado.

Moderador
Classificado por amigos como "doce" e "reservado", Lembo carrega a fama de um moderador de disputas. Mesmo que se diga conservador, o vice afirma ser aberto a debates. Embora tenha sido presidente regional da Arena, partido que sustentou a ditadura militar (1964-1985), diz ter lutado pela redemocratização.
Foi durante o regime militar, inclusive, que Lembo disputou a única eleição sem ser vice. Em 1978, concorreu a uma vaga no Senado, mas não foi eleito.
"Ele é bastante correto e preparado", afirma o líder do PL na Assembléia Legislativa de São Paulo, Arthur Alves Pinto, que conheceu Lembo nos tempos de Arena.
O envolvimento do vice-governador com a ditadura foi motivo de protesto em janeiro de 2002, quando Lembo foi indicado para a Secretaria de Justiça do Estado. Em manifesto entregue a Alckmin, 66 ONGs (organizações não-governamentais) de direitos humanos consideraram a possível presença de Lembo na secretaria um "problema". Ele acabou não aceitando o cargo.
As ONGs utilizaram como argumentos a atuação do pefelista na Arena, além da participação como secretário de Negócios Jurídicos de Jânio Quadros (entre 1986 e 1988), quando chegou a assumir a prefeitura interinamente, e como secretário de Planejamento do ex-prefeito de São Paulo Paulo Maluf (entre 1993 e 1996).
A presença de Lembo no regime militar também foi alvo de divergências no PSDB, quando o pefelista foi escolhido vice de Alckmin. O grupo ligado ao ex-governador Mário Covas, morto em 2001, pressionava por chapa pura. Apesar da resistência, Lembo se tornou figura de confiança do governo tucano e, às vésperas de assumir, deixa o partido tranqüilo com a garantia de não interromper os trabalhos de Alckmin.
Resta saber como agirá o PFL, que ainda não definiu se manterá a aliança com o PSDB ou terá candidato próprio a governador neste ano, diante da chance de usar o pouco tempo no governo para imprimir sua marca no Estado.


Colaborou JOSÉ ALBERTO BOMBIG, do Painel

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