São Paulo, domingo, 05 de fevereiro de 2006

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/PARTIDO RACHADO

A pesquisadoras britânicas, Marco Aurélio Garcia faz ácidos comentários sobre lideranças petistas, ministros e equipe econômica

Assessor de Lula critica o PT e o governo

FÁBIO VICTOR
DE LONDRES

Assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia é um dos raros intelectuais de expressão do PT a se manter com poder na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva. E, a julgar por um depoimento dado a um dossiê lançado em janeiro por duas pesquisadoras britânicas, é um dos críticos mais mordazes do partido e do governo.
Está no estudo "No Olho do Furacão - militantes de esquerda discutem a crise política brasileira", patrocinado pelo Transnational Institute, um instituto de pesquisas sobre a esquerda com sede na Holanda: Garcia avalia que o PT "perdeu o caráter e a credibilidade", porque se distanciou dos movimentos sociais, diz que o partido tem "uma liderança de merda", julga que só a pressão social pode fazer baixar a taxa de juros e diminuir o aperto fiscal e bate forte na política econômica, conduzida por "pessoas com vínculos históricos com círculos financeiros, com o aparato econômico de governos anteriores".
Comenta o papel de colegas do primeiro escalão. "O primeiro ministro do Planejamento, Guido Mantega. Foi nomeado presidente do BNDES, um banco muito importante, com mais dinheiro que o Banco Mundial, mas não estava tomando as principais decisões macroeconômicas."
Conta que Lula "já esteve tentado a mudar a política econômica em várias ocasiões" e que só não o fez porque "este é o momento de sucumbir a tentações".
A entrevista com o professor Garcia (licenciado do Departamento de História da Unicamp), assim como todas as outras que integram o dossiê, pode ser lida na página do instituto na internet (www.tni.org), onde está a íntegra do documento, com versões em inglês e em espanhol.
Para entender como o partido que, para elas, representava a esperança de um modelo de democracia participativa foi engolido por um escândalo de corrupção do porte do do "mensalão", Hilary Wainwright e Sue Branford, duas pesquisadoras com obras já publicadas no Brasil sobre a esquerda do país, entrevistaram 16 personagens deste círculo.
Os depoimentos foram colhidos em agosto passado, num momento agudo da crise, numa visita de Wainwright ao Brasil.
A maioria dos entrevistados já é conhecida por sua verve em relação ao PT e ao governo. Estão lá ex-petistas, como Chico de Oliveira e Plínio de Arruda Sampaio, representantes da esquerda do partido (Olívio Dutra e Raul Pont) e de movimentos sociais (Gilmar Mauro, do MST). A ministra Marina Silva (Meio Ambiente) também é ouvida.
O assessor especial admite os estragos causados pelo "mensalão": "Decepcionamos profundamente as pessoas no nosso próprio partido, nos setores sociais que nos apóiam e na sociedade. Pela primeira vez demos à burguesia uma oportunidade de atacar frontalmente o governo Lula".
O ruído surge quando se sabe que, em público, Garcia tem uma visão menos realista. Em viagem de Lula a Roma em outubro, ele afirmou, num encontro com representantes da esquerda italiana, que as denúncias contra o governo eram infundadas e criadas pela "mídia" e pela "direita".
A Wainwright ele critica práticas petistas na chegada ao poder. "Era insano. Elaboramos um plano para informatizar o partido, e foram comprados 5.000 computadores, 5.000 impressoras, 5.000 scanners; todos os computadores com um vídeo que conectava o partido pelo país. É claro que aquilo era mais do que o PT precisava. E o custo equivalia a 50% do orçamento do Programa de Integração Social."
Ele afirma que, se o PT tivesse exercido "uma pressão organizada", a taxa de juros teria caído mais e que o governo Lula gastou com reforma agrária "quatro vezes mais do que se havia gastado" sob FHC "porque havia pressão do MST e outros movimentos".
No dossiê, ele ainda faz troça com ex-líderes do PT, tipo Silvio Pereira. "O secretário-geral do partido recebeu um Land Rover de presente. A imagem da Land Rover no Brasil foi aparentemente prejudicada pelo episódio."
Garcia foi coordenador do programa de governo de Lula nas campanhas derrotadas de 94 e 98. Está cotado para desempenhar de novo o papel neste ano.


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