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QUESTÃO INDÍGENA
Críticas se devem ao atraso no repasse de verbas e à burocracia para a compra de remédios; órgão nega
ONGs e índios culpam Funasa por epidemias
DANIELE SIQUEIRA
JOSÉ EDUARDO RONDON
DA AGÊNCIA FOLHA
Dois anos após a Funasa (Fundação Nacional de Saúde) mudar
as diretrizes para a aplicação de
recursos no sistema de assistência
indígena, denúncias contra a ineficiência do atendimento surgem
em diversos Estados.
De acordo com levantamento
da ONG Comissão Pró-Yanomami, os casos de malária registrados em 2005 na Terra Indígena Ianomâmi (Roraima e Amazonas)
aumentaram 164% em relação a
2004, passando de 622 pra 1.645.
As principais causas da epidemia, segundo a entidade, são os
atrasos no repasse de verbas e a
burocracia na compra de remédios e no pagamento de horas-vôo (aluguel de aviões) para a remoção dos doentes.
Ednelson Pereira Makuxi, da
Comissão Pró-Yanomami, também aponta a falta de preparo dos
funcionários como um dos motivos do atendimento ineficiente.
"O que a gente não consegue entender é como que se desmobiliza
um trabalho que funciona e se inicia do zero, como se fossem inventar a roda. A roda já tinha sido
inventada e estava rodando bem",
diz ele, em referência à centralização promovida pela Funasa e à
troca das entidades conveniadas.
Centralização
A mudança na gestão da saúde
indígena, que antes funcionava
por meio do repasse de verbas da
Funasa para ONGs, universidades, governos municipais e estaduais, para que eles conduzissem
as ações, começou com uma portaria de janeiro de 2004.
Essa regulamentação, estabelecida após uma série de denúncias
contra ONGs suspeitas de desvio
de verbas, centralizou o atendimento na Funasa. O órgão passou
a comprar medicamentos, equipamentos e combustível.
Segundo ONGs e lideranças indígenas ouvidas pela Folha, o
principal problema trazido por
essa mudança foi a burocratização. "Às vezes, você faz um pedido de remédio lá no pólo, vem para o distrito, o distrito manda para
Brasília e, até liberar, o índio já
morreu", diz Piná Tembé, que
mora numa aldeia próxima a Capitão Poço (217 km de Belém).
Em Tocantins, lideranças apinajé e o Cimi (Conselho Indigenista Missionário), ligado à Igreja
Católica, apontam a ausência de
remédios e a falta de atendimento
médico como causas da morte de
16 crianças nos últimos quatro
meses na aldeia São José, próxima
a Tocantinópolis (521 km de Palmas, em Tocantins). As crianças,
de 0 a 5 anos, tiveram vômito,
diarréia, gripe e febre.
O líder Antônio Veríssimo Apinajé diz que não há remédios suficientes na farmácia da comunidade e que há sete meses não há
atendimento médico nas aldeias.
Loteamento de cargos
Para o vice-presidente do Cimi,
Saulo Feitosa, desde a implantação da nova política de gestão da
saúde indígena pela Funasa ocorre um "loteamento de cargos".
"A Funasa fez uma tentativa de
ter maior controle sobre a aplicação dos convênios, mas dentro de
uma política de loteamento de
cargos. Há um mau uso da fundação e dos recursos destinados à
saúde indígena", afirma Feitosa.
No Pará, o Ministério Público
Federal investiga a morte de 26
mundurucus, a maior parte delas
crianças vitimadas por diarréia.
De acordo com lideranças indígenas locais, as mortes, ocorridas no
último ano, foram causadas pela
falta de atendimento adequado na
região do município de Jacareacanga (1.718 km de Belém).
Outro lado
O coordenador-geral de Planejamento e Avaliação de Saúde Indígena da Funasa, Frederico
Monteiro, rebateu as críticas feitas por ONGs e lideranças indígenas ouvidas pela Folha. Ele afirmou que "o objetivo da centralização é fazer com que não haja interrupção no fornecimento e na
distribuição de medicamentos".
Questionado sobre o aumento
no número de casos de malária
entre os ianomâmis, Monteiro
confirmou o aumento, mas declarou que a situação na área melhorou em razão da diminuição do
número de mortos pela doença.
Sobre as declarações do vice-presidente do Cimi, que acusou a
fundação de "lotear cargos", ele
explica que "a Funasa tem buscado realizar a capacidade de gestão
da saúde indígena a partir da definição de papéis de prestadores de
serviços e melhoria na relação
com governos estaduais e estabelecimentos de saúde. Este processo institucional é independente
dos mecanismos de definição dos
coordenadores regionais, que se
faz legitimamente".
A Funasa também admitiu que
sete crianças da etnia apinajé
morreram em janeiro em Tocantins. Segundo o órgão, em 2005
outras sete mortes de crianças foram registradas na região.
"Em todos os casos, as crianças
receberam atendimento", declarou Monteiro, que também disse
que há farmácias, com medicamentos, nos postos de saúde das
aldeias da região.
Colaborou SÍLVIA FREIRE, da Agência
Folha
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